Paulo Costa, fundador do movimento “Também somos portugueses”: “Queremos estabelecer ligação com Macau”

O que começou com um movimento que chamou atenção para as más condições de voto das comunidades portuguesas transformou-se numa associação que luta pela participação eleitoral. Acabar com a exclusividade do voto presencial nas Presidenciais e nas eleições para o Parlamento Europeu são alguns dos objectivos. Paulo Costa, fundador do movimento “Também somos portugueses”, quer ter representantes em Macau e defende mais poderes para o Conselho das Comunidades Portuguesas

 

Acaba de ser criada a associação com base no movimento que ajudou a fundar. Sente que as ideias que defendem ganharam importância no espaço político?

Queremos passar para um segundo nível. Primeiro tentámos que as pessoas tivessem maior facilidade em votar, e por isso foi lançada uma petição em 2015, entregue em 2018. Conseguimos um dos nossos primeiros objectivos, que foi o recenseamento automático dos emigrantes, que antes era opcional. Passámos de 300 mil para cerca de 1,5 milhões de pessoas recenseadas. Contudo, ainda existem problemas, como com o voto postal. Acho que podemos duplicar o número de votos em relação às últimas eleições. Mas, para isso, temos de melhorar o voto postal, [tendo em conta que] há países em que este sistema pura e simplesmente não funciona, embora seja melhor do que o voto presencial. Daí propormos o voto digital.

Foram dados alguns passos nessa matéria. O secretário de Estado da Administração Interna chegou a propor uma votação experimental para o Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP).

Esse projecto piloto está em andamento, mas foi adiado porque implica uma alteração na lei. Acho que vai prosseguir, talvez este ano. Temos reuniões regulares com um grupo de trabalho que está a trabalhar nisso e também na melhoria do voto postal. Mas falta o alargamento às restantes eleições, e aí tocamos nos votos para o Presidente da República. Neste momento, a votação é presencial, bem como na eleição para o Parlamento Europeu. Implementar o voto remoto nesses sufrágios é outra das nossas missões, uma medida que tem várias objecções políticas, mas achamos que é uma questão de democracia. Em Macau é mais fácil votar presencialmente, mas os emigrantes que vivem na China não têm essa facilidade. Numa eleição presidencial, com segunda volta realizada 15 dias depois da primeira, os emigrantes não conseguem votar, porque nesse período de tempo não conseguem enviar os votos pelos correios. A sua participação só pode acontecer através do voto digital.

Que outros projectos pretendem desenvolver?

Além de facilitar o voto, os eleitores também têm de ser incentivados a votar.

Não acha que o distanciamento geográfico conduz ao distanciamento em relação à política portuguesa?

Sim. Estive duas vezes no Reino Unido e sei que muitas pessoas emigraram zangadas com a crise política, porque sentiram que o país as mandou embora. Outros acham que são abandonados, porque os consulados funcionam com problemas e agora, com a pandemia, as coisas pioraram. As pessoas sentem que não têm as coisas básicas, como obter um passaporte ou cartão de cidadão. Compilámos um conjunto de recomendações para os partidos políticos para serem incluídas nos programas eleitorais. Queremos que, nas várias comunidades, se façam entrevistas a personalidades dos países ou regiões sobre a questão do voto e da participação política dos portugueses. Isso implica ter uma presença local. Temos contactos com o CCP, através das redes sociais, com quem partilhamos prioridades. Mas o CCP é um órgão consultivo. Em alguns aspectos conseguem acesso mais fácil ao Presidente da República ou ao Governo, mas nós também temos esse acesso mais facilitado e podemos agir com mais força. Isso implica uma presença local para que haja esse incentivo.

Disse-me que, para já, não têm nenhum representante em Macau. Já foram feitos alguns contactos?

Pretendemos estabelecer ligação com Macau. Quando fizemos a petição, contactámos pessoas que nos auxiliaram. Este ano vamos avançar na procura desses pólos locais. E Macau faz todo o sentido. Chegámos a ter contactos, [colaboradores], mas não tivemos representantes locais.

Alguém do CCP?

Contactámos com todos os conselheiros e pedimos a colaboração deles na recolha de assinaturas para a petição. Não foram tantas como gostaríamos. Acho que os portugueses têm alguma dificuldade em participar em questões políticas, afastam-se, e essa é uma questão didáctica que temos de fazer.

Sendo Portugal um país com vários círculos de emigração, como explica que haja tantos problemas ao nível da participação cívica, com atrasos e burocracias? Há falta de vontade política?

Um dos lados é o Governo e da própria Administração pública. Passámos por um período de cortes financeiros, que levou ao fecho de vários consulados. Houve um desinvestimento bastante grande em relação aos emigrantes e um corte que ainda não foi recuperado. Só agora, com o recenseamento automático é que as autoridades tiveram real consciência das transformações que houve na estrutura das comunidades. Há muitos tipos de emigrantes e essa é uma das questões que muitas das vezes não é endereçada.

Em que sentido?

Contestamos a primazia que é dada em relação aos emigrantes empresários. Isso faz todo o sentido, mas não deve ser algo exclusivo. É importante perceber porque é que as pessoas emigram. Chegámos a fazer um projecto, o “Cartas de Londres”, que enviámos ao Governo, a contar as histórias das pessoas que tinham emigrado recentemente, até porque também contribuem para a economia.

Acha que o CCP deveria ter mais poderes na ligação com Lisboa?

Uma das coisas que sugerimos é que seja consultado obrigatoriamente para várias matérias. Neste momento não é. E que tenha uma maior facilidade de propor alterações legislativas. Não é um órgão que possa propor leis, mas a secretaria de Estado das comunidades portuguesas pode. Queremos que o CCP tenha um segundo grau de intervenção, incluindo junto de partidos políticos. Chegamos a propor que os votos postais fossem enviados para os consulados em vez de serem enviados para Lisboa, mas não a proposta não teve seguimento. Foi-nos dito que não havia uma proposta de lei nesse sentido, então é como se essa sugestão não existisse, o que não faz sentido. As sugestões do CCP têm de ter mais impacto.

Muitas das questões que levantam confrontam-se com a falta de meios dos consulados e embaixadas. Sem investimento público será sempre difícil colocar em prática as sugestões que propõem.

Lutamos constantemente para que sejam dados mais recursos aos consulados. Mas também fazemos imensa pressão para que se consiga fazer mais com meios digitais.

Falam também na falta de representatividade dos emigrantes no Parlamento, pois existem apenas quatro deputados eleitos pelo Círculo Fora da Europa. Haverá margem para alterar este panorama?

Não avançamos com um número desejável de deputados [para esse círculo eleitoral]. Se pedíssemos deputados em proporção igual ao que existe no país, 25 mil eleitores por um deputado, queria dizer que com 1,5 milhões de portugueses recenseados teríamos umas dezenas de deputados. Não pedimos isso porque sabemos que há muita gente na diáspora que não está interessada em votar. Temos ambições bastante altas quanto à participação dos emigrantes, mas nunca vamos ter uma participação de 80 por cento, por exemplo. Queremos que mais pessoas votem, queremos incentivar o voto, em especial entre aqueles que nos dizem “elegemos sempre os mesmos quatro deputados”.

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