Uma despedida

De repente ela encosta a boca ao teu ombro. Os lábios abertos pousados no ombro. A mão toca no troço interior e escorre na liquidez do olhar. Um olhar enxuto. Abraçam-se. Ela tinha há minutos aberto uma melancia e sabia agora na língua a essa melancia muito doce. Serpenteiam-se de bruços com as tuas mãos por baixo das costas dela, numa assimetria de unhas que ignora o movimento dos pés e dos joelhos que se entrelaçam com a ira. Depois explode um vagar que atinge o calor da pele recortado nos lençóis. Nesse lance, ou nessa convulsão, a tua cabeça mergulha entre as coxas dela, abre-as com as mãos e o rasgo e a incursão da língua penumbram nos lírios. Um dos braços estreita um beijo fugaz, como se fosse espiga levantada pelos olhos fechados, mas ainda a sulcar um ou outro silêncio. Há como que um torrão de barro a desfazer-se nessa picada que ocupa o corpo a corpo. Uma melancolia por dissecar. Subitamente a voz eleva-se. Um gemido rude de gavinhas até que ela te traz de novo à boca e o aflora em preâmbulos sucessivos.  Do arroubo separa-se uma nuvem e ficam os dois sentados a encarar o sumiço com que os dedos levemente se tocam. Uma saudade da saudade ou um sínodo quase final apenas para arrolar o suor.

Ela despia-se rapidamente sem se dar ao corpo ainda solto dentro do vestido, maciço, incandescente. E tu num curso giratório segredaste o alarido ou o resquício surdo e ela sorriu com a pele quase absoluta. Reentraste assim com os dedos na raiz dos cabelos dela e, logo a seguir, percorreste a cintura como uma luz que se afunda até ao sangue. Ela mastigou o polegar enquanto tu te arrastaste para essa omissão macia no meio das coxas. A boca continuou aberta pelo sopro que era a água turva, a avidez. Deixaste a mão aberta até lhe atingir a profundidade das costas. Ela desejava enlaçar com as pernas todo o ócio desses dias sem fim numa única lufada. Numa única seda. Num único revólver. Fervia de tanto crispar. Resvalaste ao longo das axilas com os lábios dela já molhados. Pediu-te que a tomasses pelo pescoço, que lhe bebesses as mamas e que te viesses.

Fechou ainda os olhos e logo tocou na cavidade com que a olhavas para dentro dela, ao mesmo tempo que lhe engolias a ostra emaciada com excessiva lentidão. Fizeste-o com aquela dicção do rosto que coagula no tempo e ela ficou ilesa, refractária. Deitada de lado só já com as pestanas a compor o fim da tarde que se ouvia vindo do mar.

Beijas-lhe, beijas-lhe outra vez os pés num rompante e ela eleva-se sobre o sofá. Ampara-te no peito e antecipa o formigueiro a penetrar o veludo liso das virilhas onde as tuas mãos se estreitam em forma de casulo. Ela respira a incitar com as palmas das mãos muito abertas e é nesse momento preciso que lhe voltas a sondar os seios como se pegasses nas vísceras e logo despertas para a voz amotinada que pareceria sair de outra noite e de outro flanco. Sempre, sempre a ofegar. Sem hesitar, ela avança com a cabeça para surrar esse calor, prende-te a cintura e deseja tê-lo inteiro, teso e espesso dentro da boca. Deseja tê-lo intacto a esbarrar contra o céu da boca. Fecha os lábios cheios de carne e em círculos continuados reclina as costas, apoiando-se nos joelhos.

Travaste-a pelas ancas, depois nas nádegas enquanto ela, oblíqua, comprimia as pernas a rastejar contra os braços do sofá. Um soluço acirrou o breve sufoco ao jeito de um poente que rompe o desgosto de teres de a deixar já amanhã. Nada é eterno. Mas ela insiste e torna a curvar o dorso para deglutir a luz amarelada das persianas. Nesse desfalecimento, fixaste-lhe as pálpebras e o suor a lamber-lhe as linhas muito planas da testa.

Com os cabelos a cobrirem o rosto, caiu então pela pequena morte igual a uma única bala dividida pelos dois. Voltaste ainda a entrar dentro dela numa derradeira fúria, uma demora rápida até te vires em pedra, no osso. Ela olhou-te então do interior do grande estuário, como se o encanto e a danação fossem o mesmo e longo gemido para poder finalmente lavrar as horas.

Era o último dia, era ainda a grande janela, a grande sacada. Ficaste a observar o reposteiro que imitava a brisa, que devagar a possuía. Permaneceram os dois como duas esfinges a olhar para a janela aberta de par em par. A janela que dá para o mar. No amor não há despedida.

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