Lu Hong, o Pintor Que Caíu Nas Graças do Imperador

«Uma cabana num ermo, situada no cume de uma montanha deserta,/ E uma árvore velha, sem flores, debruçada sobre as águas./ Depois de almoço procurei um lugar assim, tranquilo e retirado,/ Mas o frio excessivo torna o entardecer amargo e trágico.»

Wang Wei (701-761) seria sempre visto como o ideal do literato que personifica o encontro das artes complementares de objectivos antiteticos da pintura e da poesia, o que se materializa de modo admirável nas vinte pinturas com os correspondentes poemas, que incluem as respostas a um desafio poético do letrado Pei Di, num rolo horizontal, onde estaria representado o seu retiro campestre, e que por isso são conhecidas pelo nome do lugar em Lantian, a sul de capital Chang’an: Wangchuan. A lenda que o envolve bem como os poemas (traduzidos para português por A. G. de Abreu, em Poemas de Wang Wei, ICM, 1993) como ideias, sobreviveriam incólumes ao passar do tempo, as pinturas enquanto objectos perecíveis, só através de cópias, processo pelo qual se perde o «ritmo espiritual» (qiyun) original. Entre essas cópias, aquela que é reconhecida como mais próxima do modelo é o rolo horizontal (tinta sobre seda, 29 x 490,4 cm) que se pode ver no Smithonian, da autoria de Guo Zhongshu (c. 927-977). Mas a ideia de fazer uma pintura do lugar de retiro de literatos, rodeados de uma paisagem de eleição, entendida como a revelação do carácter e da sua verdadeira natureza, que com ela se identificam como num auto-retrato, seria recriada ao longo de muitos anos por outros pintores como, de modo notável, por Li Gonglin (1049- 1106) no seu rolo horizontal, Herdade de montanha (Shanzhuang, tinta sobre papel, 28,9 x 364,6 cm) que se encontra no Museu do Palácio Nacional, em Taipé. Porém, ainda no tempo de Wang Wei, na dinastia Tang, conhece-se uma pintura feita por um letrado de Yuzhou (Hebei) chamado Lu Hong, favorecido pelo imperador Xuanzong (685-762) que não só aceitou a recusa de o servir como funcionário imperial num cargo que lhe destinou, como lhe ofereceu uma propriedade nas faldas da montanha Songshan, perto da cidade de Luoyang (Henan).

Lu Hong (activo entre 713-41) fez-se representar, escutando a natureza ou dialogando com um amigo nesse refúgio, na pintura Dez vistas de uma cabana de telhado de colmo (Caotang shizhi) de que existem igualmente várias cópias, a mais fiel será a que se encontra no Museu do Palácio Nacional, em Taipé (tinta sobre papel, 29,4 x 600 cm) e que hoje se apresenta como um rolo horizontal com dez secções. Na sua ingenuidade, é possível perceber a personalidade telúrica, daoísta de Lu Hong, diferente da elegância do budista Wang Wei ou da paisagem imersiva de Li Gonglin. Em duas secções a sua figura, desproporcionada em relação à paisagem, surge no topo de elevações de lugares, a quarta das quais é descrita poeticamente como «almofada de nuvens» tal como a nona: uma «caverna para descortinar a verdade». Subido nesses lugares de onde se pode ver mais longe, ele porém não parece estar a olhar mas a ensinar, pelo exemplo, devolvendo pela arte o que recebeu de graça.

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