Caso Criptomoeda | Autoridades de Hong Kong ignoraram pedidos de assistência

Um investigador da Polícia Judiciária reconheceu que não há provas de transferências bancárias que demonstrem que Frederico Rosário lucrou com o esquema da criptomoeda. A investigação admite dificuldades, uma vez que as autoridades de Hong Kong não responderam aos pedidos de assistência

A Polícia Judiciária (PJ) desconhece o destino 12 milhões de dólares de Hong Kong enviados para contas bancárias na RAEHK, no âmbito do esquema de investimento em criptomoeda, promovido por Dennis Lau e Frederico Rosário. Segundo um agente da PJ, ouvido ontem no tribunal, a polícia não recebeu qualquer auxílio de Hong Kong durante a investigação, nem depois de ter pedido assistência através de Interpol.

Chamado a depor para explicar a investigação a Dennis Lau e Frederico Rosário pela prática de burla, o agente de apelido Lok confessou que as provas sobre transferências de dinheiro foram entregues pelo próprio Frederico Rosário e as vítimas. Os documentos mostram que num total de 18 milhões de dólares de Hong Kong enviados para a RAEHK, seis regressaram a Macau para pagar “juros” e 12 milhões desapareceram.

Terá sido também através da informação disponibilizada pelo filho de Rita Santos que as autoridades perceberam que Rosário era accionista de 10 por cento da empresa Forgetech. “Nunca recebemos qualquer informação sobre as contas bancárias de Hong Kong. Foi o arguido [Rosário] que nos forneceu os dados da Forgetech e da Genesis”, explicou Lok.

Face à falta de cooperação das autoridades de Hong Kong e do banco DBS, para onde terá sido enviado o montante de 12 milhões de dólares de Hong Kong, o agente Lok reconheceu que não há provas que indiquem que Rosário tenha ficado com qualquer parte do montante. Foi também reconhecido não existirem provas que indiquem se Rosário pode, ou não, aceder às contas e às informações sobre as empresas em que estava envolvido com Dennis Lau.

Questionado pelo advogado de defesa, se isso indicava que o filho de Rita Santos podia ser uma vítima, Lok respondeu que a investigação não seguiu esse caminho, porque Rosário tinha promovido o investimento, era accionista de uma das empresas e não terá conseguido provar que o dinheiro foi efectivamente utilizado para a minerização de criptomoeda.

Por outro lado, o investigador reconheceu que os materiais da investigação indicam que Frederico Rosário terá perdido perto de 450 mil dólares de Hong Kong com o investimento na Forgetech.

Sem informação

Na parte da manhã da sessão de ontem, foram ainda ouvidas três lesadas com o esquema de investimento. Todas elas foram a Hong Kong apresentar queixa contras as empresas de Dennis Lau e Frederico Rosário, em 2018, mas nenhuma tinha recebido, até ontem, qualquer indicação das autoridades vizinhas sobre o desenrolar das investigações.

A sessão serviu ainda para analisar o papel de Manuela, mulher de Frederico Rosário, em todo o processo. Sílvia Mendonça, advogada da única assistente pediu ao Ministério Público (MP) para ponderar avançar com um procedimento criminal contra a esposa do filho de Rita Santos.

“Na queixa inicial a minha cliente tinha visado a Manuela e o Frederico”, começou por revelar Sílvia Mendonça. “O Ministério Público deve ponderar se não deve levantar um procedimento criminal contra a Manuela, e deixar o procedimento contra o Frederico, tendo em conta o que vem deste julgamento”, apelou.

A intervenção da causídica não mereceu qualquer resposta por parte do Ministério Público nem do colectivo de juízes.

No entanto, foi o papel de Manuela que marcou a parte da manhã do julgamento, uma vez que uma testemunha identificada como Violeta revelou ter tratado sempre do “investimento” com a esposa de Frederico. A ouvida somou perdas de 925 mil dólares de Hong Kong, depois de ter investido 1,4 milhões.

A desilusão

Violeta vincou também que Manuela utilizava um grupo de Whatsapp para promover os investimentos na criptomoeda e as sessões na Associação de Trabalhadores da Função Pública de Macau.

No depoimento, Violeta, que admitiu ter sido testemunha do casamento entre Manuela e Frederico, lamentou a forma como o casal se comportou ao longo do processo. “Acho que eles encobriram [informações relevantes]. Não digo que tenham tido a intenção de enganar os investidores, mas tiveram proveitos, como comissões. E eles nunca nos disseram bem como eram as coisas”, considerou. “Só no fim é que soubemos que eles não podiam mexer nas contas [da empresa]”, revelou.

Segundo a testemunha, Frederico terá afirmado ao longo dos seminários de investimentos realizados na Associação de Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM) que era o patrão da empresa. Contudo, era apenas um accionista com uma participação de 10 por cento, que não lhe daria acesso às contas e movimentos de dinheiros da empresa. “Acho que não é no fim que vem dizer que afinal não tem responsabilidade. Não é assim que se fazem as coisas”, vincou. “Quando nos falaram no início, nunca nos disseram que não podiam gerir. Se tivessem dito não tinha investido”, lamentou.

O papel de Manuela foi reforçado por outras duas testemunhas, Choi Teng e Lei Iok Meng, que também terão tratado dos investimentos através da esposa de Frederico Rosário. Choi Teng mencionou mesmo que Manuela terá reconhecido receber comissões pela captação de investidores.

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