Exposição | “Voyage”, de Konstantin Bessmertny, patente no Clube Militar

O Clube Militar abre hoje portas a uma nova exposição individual de Konstantin Bessmertny. “Voyage” é o somatório de 17 quadros e uma escultura, quase todos trabalhos inéditos, que remetem para viagens imaginárias a partir de um só lugar. As obras que compõem “Voyage” materializam artisticamente a crítica humorada ditada pelos tempos actuais

 

Konstantin Bessmertny, artista há muito radicado em Macau, nunca teve por hábito expor com frequência em nome próprio. No entanto, as restrições de viagem impostas pelas autoridades devido à pandemia mudaram esse panorama. A prova disso é que abre hoje portas, no Clube Militar, uma nova exposição de Bessmertny, composta quase na totalidade por quadros novos, alguns iniciados este ano, outros terminados agora. Além dos quadros, a mostra conta também com uma escultura em madeira, intitulada “Naked Yoga on the Beach”. A exposição pode ser vista até 6 de Novembro.

Em “Voyage” o artista lançou-se em viagens imaginárias e, ao mesmo tempo, exercícios de viagens no tempo. É assim com os quadros “Battle of Macau. 1622”, que remete para a Batalha de Macau, travada a 24 de Junho de 1622, e que celebrou a vitória dos portugueses sobre os holandeses. Este exercício de história através do pincel é também feito no quadro “The View of Praia Grande before arrival of Jorge Álvares in 1513”, que espelha a visão do artista sobre o momento da chegada dos portugueses ao território.

“Há a ideia de que não estamos a viajar, mas podemos continuar a fazê-lo de forma imaginária ou virtualmente”, contou ao HM.

“Na maior parte dos trabalhos desta exposição construí a imagem de que podemos viajar para qualquer lado, permanecendo num lugar. Acabo por também fazer humor, mas tem muito a ver com a forma como as coisas estão a acontecer à nossa volta”, acrescentou.

Questionado se estes quadros contêm também críticas às restrições em vigor, Konstantin Bessmertny assume que sim, mas que são também “uma análise à situação que temos”. “Não podemos criticar porque vivemos com erros, tentativas. Escolhemos o caminho de saída, cometemos erros e ninguém está livre de os cometer. Mas há países mais avançados que outros ao nível da vacinação. Macau, de certa forma, está atrás comparando com a Europa e outros países em matéria de vacinação, mas aprendemos com os tempos. Quanto mais depressa nos vacinarmos mais depressa podemos passar para a fase seguinte. Apenas espero que Macau possa acelerar esse processo.”

Metáforas e questões

Konstantin Bessmertny não tem viajado porque é claustrofóbico e não quer fazer mais de 14 dias de quarentena num quarto de hotel. Assim sendo, permaneceu em Macau nos últimos meses, facto que naturalmente influenciou a sua produção artística. Para esta mostra pegou em quadros que começaram a ser pintados há muitos anos, alguns na década de 90. Konstantin Bessmertny recuperou-os e terminou-os, quando há muito se tinha esquecido dos seus detalhes.

“Não estamos a viajar fisicamente, mas viajamos numa outra dimensão. Tento mostrar outras formas de viajar, diferentes formas de ver terras longínquas.”

Em “Voyage” há paisagens tropicais, explicadas pelo facto de, no ano passado, o artista ter ficado confinado dois meses na Tailândia. “Comecei a pintar a natureza pois tinha um estúdio no meio da selva. Então surgem labirintos, imagens tropicais, algo completamente diferente.”

O artista explica que esta exposição também olha para o futuro. Konstantin fala da metáfora da sala escura com uma porta que todos desejamos abrir. A pandemia fê-lo criar mais narrativas nos seus quadros, mais interrogações, inclusivamente sobre o que se passa no mundo e no seu país, a Rússia.

“Ando a ler mais do que nunca, tenho mais tempo para me concentrar nos livros que sempre estiveram empilhados no meu estúdio. Há mais narrativas no que estou a fazer. O meu país está a passar por um período complicado. Quando é que a Rússia se vai tornar num país democrático? Quando termina esta autocracia, a ideia louca de pessoas a concentrarem o poder? É uma fase diferente da União Soviética.”

Ler tornou-se, nos últimos tempos, um elixir inspirador para pintar. “Poderia dizer que me sinto mais criativo devido à pandemia. Não tenho experiências a viajar, não vou a museus, não visito amigos. A minha fonte de inspiração vem da literatura.”

Outra das obras que o público pode rever nesta exposição é o quadro “Yam Cha. Grand Finale”, já presente numa das mostras da Bienal de Macau.

“Gosto de fazer coisas que nunca fiz antes, por isso tenho tantas séries de quadros. Não acredito que um artista tenha um só estilo, de propósito, porque é chato pintar sempre da mesma maneira. Quero desafiar-me a mim próprio, fazer algo que nunca fiz”, contou.

Uma espécie de exercício

Fazer “Voyage” foi, para Konstantin Bessmertny, o resultado de uma espécie de exercício físico. “Escolhi salas digitais, feiras de arte e galerias online, mas não é a mesma coisa. Continuo a ter de fazer [exposições presenciais], como uma espécie de exercício físico. Macau é um local muito pequeno, e penso que ter uma exposição a cada cinco anos, ou três, é mais do que suficiente, mas agora faço uma exposição por ano.”

Konstantin Bessmertny dá também aulas e também aí teve de se adaptar à nova realidade. Os quadros de “Voyage” são, portanto, o espelho das constantes adaptações que o mundo teve de fazer perante a pandemia.

“Dar aulas através do Zoom é quase como se fosse realidade virtual. Como podemos ensinar a misturar cores através do Zoom? Estamos a enfrentar uma situação absurda na maior das vezes e temos de aprender a viver com isso”, conclui.

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