Implicações das Alterações Climáticas no Leste Asiático

Uma pergunta que grande parte dos habitantes do nosso planeta faz é seguramente “será que as alterações climáticas são uma realidade e, no caso de o serem, em que medida irão afetar a região que habito?” Eu próprio pergunto o que irá acontecer na região onde vivo, nas Azenhas do Mar, a cerca de 40 km de Lisboa. A moradia que habito situa-se no declive de uma pequena colina, a cerca de 300 metros de distância da linha de costa, a algumas dezenas de metros de altitude, o que me deixa tranquilo no que se refere à subida do nível do mar. Também o local não é suscetível de ser afetado por cheias rápidas, fenómeno que tem vindo a acentuar-se à escala global. Caso haja episódios de precipitação intensa, a água escoará facilmente para o mar.

O mesmo não pensará o proprietário de um pequeno estabelecimento que existia na Praia Pequena, há algumas dezenas de anos, hoje completamente destruído pela fúria do mar. Esta praia é adjacente à Praia Grande, onde por vezes os pequenos quiosques nesta existentes são danificados quando há marés vivas, cujas consequências são agravadas quando coincidem com tempestades.

Quem me está a ler (espero que mais alguém para além do revisor deste texto), decerto leitor do jornal “Hoje Macau”, poderá perguntar “onde é que este tipo quer chegar? Será que as Azenhas do Mar e as Praias Pequena e Grande ficam no Leste Asiático?”.

A realidade é que as alterações climáticas estão a afetar o nosso planeta, e vão continuar a fazê-lo, praticamente à escala global. Para podermos seguir as consequências do evoluir do clima já estão ao nosso alcance ferramentas que nos permitem ter uma ideia do que poderá acontecer no futuro. Uma delas é o Atlas Interativo do IPCC[i], que faz parte do sexto Relatório de Avaliação (AR6)[ii] deste órgão das Nações Unidas, publicado parcialmente em 9 de agosto do corrente ano. Trata-se de uma nova e poderosa ferramenta que nos permite analisar a evolução espacial e temporal (a curto, médio e longo prazo) de alguns dos parâmetros que caracterizam os possíveis tipos de clima suscetíveis de virem a ocorrer, com base em cenários estabelecidos em função da quantidade de gases de efeito de estufa (GEE) devido, principalmente, às atividades antropogénicas.

Entre estes parâmetros salientam-se a subida do nível do mar, o aumento da temperatura máxima do ar, o aumento da temperatura da superfície do mar, o número de dias com temperatura superior a 35 ºC ou 40 ºC, etc. Através deste Atlas (que pode ser acedido em https://interactive-atlas.ipcc.ch/) pode-se estimar o que poderá acontecer, em termos climáticos, em diferentes regiões do globo, colocando o cursor num determinado local dos mapas digitais nele contidos. Poder-se-á constatar que as consequências das alterações climáticas, numa determinada região, serão tanto mais gravosas quanto maior for o período abrangido e maior a injeção de GEE.

Como é sabido, a Região Administrativa Especial de Macau está situada no Leste Asiático (ou Extremo Oriente), numa zona de monções, em que predominam os ventos húmidos do quadrante sul durante os meses mais quentes e ventos do quadrante norte, mais secos, durante os meses menos quentes. A RAEM é também afetada pelo tempo associado a ciclones tropicais (tempestades tropicais e tufões), em média cerca de seis vezes por ano. Quando a aproximação destas depressões coincide com as marés astronómicas altas, os seus efeitos podem ser agravados no que se refere à ocorrência de inundações nas zonas mais baixas, nomeadamente no Porto Interior. Tendo estes fenómenos ocorrido no passado, o que tem causado graves prejuízos à população, facilmente se pode imaginar o que poderá acontecer no futuro, atendendo à subida do nível do mar e à muito provável maior intensidade dos ciclones tropicais. Tufões intensos estão associados a um fenómeno designado por “efeito barométrico inverso”, que consiste no facto de, quando a pressão atmosférica é muito baixa, haver uma sobre-elevação do nível do mar de cerca de 1 cm por hectopascal (hPa[i]), na região afetada pela tempestade, i.e., o nível do mar sobe cerca de 1 cm quando a pressão desce 1 hPa. Assim, por exemplo, numa situação em que a pressão sobre o mar seja cerca de 1013 hPa antes da aproximação de um tufão com a pressão no centro de 950 hPa, haverá uma subida do nível do mar de aproximadamente 63 cm. A superfície do mar, assim sobre-elevada, que acompanha o tufão, só por si poderia causar inundações em terra. Acontece, porém, que ao efeito de elevação do nível do mar se junta a ação do vento forte que, arrastando a água, dá origem ao que se designa por maré de tempestade.

Em 23 de agosto de 2017, aconteceu algo semelhante, na RAEM, durante a passagem do tufão Hato, cujo o valor mais baixo da pressão medida em Macau foi cerca de 945 hPa. O facto de ter atingido terra sensivelmente à mesma hora do máximo da maré barométrica fez com que os três efeitos (pressão extremamente baixa, ventos muito fortes e maré alta) se conjugassem, provocando uma maré de tempestade que causou inundações com graves consequências, causando a perda de vidas e graves prejuízos materiais. A acumulação de água da chuva com a do mar fez com que, em alguns locais, o nível da água atingisse cerca de 5 m acima do solo, conforme medição por instrumentos dos Serviços Meteorológicos e Geofísicos de Macau.

Observações via satélite têm confirmado que o nível do mar, à escala global, tem vindo a aumentar cerca de 3,1 mm por ano, o que implica que, dentro de algumas dezenas de anos (a manter-se, ou a aumentar esta tendência) as consequências dos ciclones tropicais em Macau serão tendencialmente mais gravosas.

Consultando o Atlas Interativo, aparece-nos um globo terrestre em rotação, com uma legenda indicando as variáveis “temperatura” e “precipitação”. Clicando na primeira, pode-se observar o aumento das extensões geográficas abrangidas pelos incrementos da temperatura média de 1,5 ºC, 2 ºC, 3 ºC e 4 ºC, tendo como referência o período 1850-1900. Analogamente, clicando em “precipitação”, pode-se também estimar o aumento das extensões abrangidas pelo incremento desta variável, a nível global, correspondentes a esses diferentes acréscimos de temperatura. É facilmente compreensível esta última constatação, na medida em que, quanto maior for o aquecimento global, maior será a evaporação e, consequentemente, maior a concentração de vapor de água na atmosfera. Este vapor, ao condensar, provocará uma cobertura de nuvens tanto mais extensa e compacta quanto maior a concentração de vapor de água na atmosfera. Estarão, assim, criadas as condições para forte precipitação, reforçando o que já está a acontecer no que se refere à tendência de aumento de frequência e intensidade das chamadas cheias rápidas, que apanham de surpresa os habitantes das regiões onde esses fenómenos ocorrem, como o que aconteceu no verão de 2021, na Europa e na China, onde houve centenas de vítimas provocadas por fenómenos deste tipo.

Para construir este Atlas, o IPCC recorreu ao acoplamento de vários modelos climáticos, tendo em consideração as constantes interações entre as diferentes componentes do sistema climático (atmosfera, hidrosfera, criosfera, litosfera e biosfera). Com este intuito, o IPCC desenvolveu representações gráficas, através das quais se pode extrair informação climática regional que poderá servir de base à tomada de medidas, a nível governamental, no sentido de diminuir o impacto das alterações climáticas.

Por exemplo, se pretendermos estimar qual o aumento do nível do mar na região de Macau, acedemos ao sítio do Atlas Interativo do IPCC, clicamos no quadro “Regional Information”, aparece-nos um mapa-múndi sobre o qual clicamos em “Variable”, escolhemos “Sea level rise” e colocamos o cursor no ponto do mapa correspondente à região “East Asia”.  Na parte inferior do ecrã aparece-nos um gráfico no qual é possível extrair o valor da subida do nível do mar a curto, médio e longo prazo. Poder-se-á estimar que a subida nessa região seria de cerca de 1 m em 2100. Procedendo analogamente para outras variáveis, como, por exemplo, o aumento da temperatura máxima anual, podemos concluir que seria de aproximadamente 3 ºC em 2100. Isto para o cenário designado por SSP5-8.5, que corresponde a altas emissões de GEE.

O Atlas Interativo constitui, assim, uma ferramenta a que os assessores técnicos dos governos poderão usar no sentido aconselhar os decisores políticos sobre a tomada de medidas, no sentido de atenuar a vulnerabilidade dos respetivos territórios, adaptando as estruturas de modo a melhor enfrentarem as alterações climáticas.

[i] hPa (Hectopascal) – unidade de pressão correspondente a 100 Newton por metro quadrado. Antigamente  designava-se por milibar (mb).

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