As Supermães

“Todas as pessoas têm direito a descanso, menos as mães. Para cada tarefa, profissão ou encargo há direito a uma folga, menos para as mães. Se alguma mãe demonstrar a mínima fadiga de ser mãe, haverá logo uma besta, ignorante de limpar baba e de parir, que se oferecerá para a pôr em causa. Não é mãe, não sabe ser mãe, não foi feita para ser mãe, dirá. Mas, se todas as pessoas têm direito a descanso, será que as mães não são pessoas? A culpa é nossa. Sim, a culpa é das mães. Deixámos que fossem os filhos a definir-nos.”
José Luís Peixoto, ‘Em Teu Ventre’

 

Supermães ou em inglês “Workin’ Moms” é uma série cómica canadiana de 2017 criada e protagonizada por Catherine Reitman. Para mim, o interesse da série reside na forma como encara a mãe enquanto mulher e não enquanto mãe como função única. De facto, coloca em causa a transformação total da mulher em mãe como figura secundária de si mesma. Se calhar, por vezes, demasiadas vezes. A verdade é que ter um filho se torna, inevitavelmente, uma prioridade.

Mas a série cumpre a sua função de desconstruir narrativas unilaterais sobre o processo. As representações na cultura sobre o papel da mãe costumam agregar-se a conceitos de famílias tradicionais idealizadas acompanhadas de falsas crenças de felicidade para sempre. Três dos casais da série se separam no primeiro ano após o nascimento de um bebé. Estatisticamente, um quinto dos casais separam-se nos primeiros 12 meses depois de ter um bebé.

À medida que voltamos para um estilo de vida mais sustentável, não podemos, contudo, viver em permanente culpa porque não cozinhamos sempre, porque utilizamos treino de sono, porque por vezes só queremos descansar enquanto o rebento brinca sozinho. A vida é caótica, a ambição individual é humana e as lutas pela igualdade necessárias. Gosto da forma descomprometida como a série aborda temas tabus como o das mães que não querem ser mães. Podem não querer ser mães durante um dia ou podem desistir e abandonar os filhos. Estão condenadas à culpa. A culpa é um sentimento primordial numa mãe.

Há qualquer coisa de terapêutico em perceber que esse sentimento é válido. Podemos ser heroínas incompreendidas como a Kate ou pessoas que precisam de lidar com toda a sua própria bagagem psicológica enquanto desempenham a função de mãe como a Anne. Resta-nos fazer este tremendo progresso de aceitar como fantasioso o conceito pelo qual regemos as nossas vidas – a noção de “escolha certa”. Se por um lado, faz parte da condição humana precisar de amor, também é um facto que faz parte da condição humana ser miserável. Está para nascer quem tenha passado pela vida imaculada.

As mulheres que têm filhos vão, a determinada altura, sentir-se desapontadas consigo mesmas porque não conseguem ser as mães ideais que vivem nas suas fantasias. Vão sentir-se desapontadas com aquilo em que os filhos se tornam e sentir culpa, exaustão, um sentimento de oportunidades perdidas, falta de reconhecimento pelo seu esforço.

Há mães que acreditam que ao terem filhos limitam-se a perpetuar o sofrimento humano. Por outro lado, aquela que decidir não ser mãe vai sentir-se, a determinada altura, sozinha e aborrecida. Vai ser constantemente questionada por todos em relação à sua opção e ter de lidar com a pressão social. Vai ser perturbada por um sentimento de saudade e de oportunidade perdida nos seus últimos dias, onde imagina o que seria o conforto de ter filhos.

Em “Supermães” ser mãe não é diferente de ser outra coisa qualquer. A vida traz-nos desafios e faz-nos questioná-la. Devemos é destruir o conceito de “escolha certa”. Existir não foi uma escolha. E aqui estamos a continuar a existir, criando ou não outras existências.

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