A quinta vaga

São já quase dois anos de convívio com o covid-19 no Japão, começa a haver sinais de abrandamento da quinta vaga e está para breve a chegada do terceiro chefe de governo desde o início da pandemia. O primeiro a abandonar foi Shinzo Abe, após sete anos e oito meses como primeiro-ministro, o período mais longo na história do Japão. Evocou problemas de saúde – tal como tinha feito em mandato anterior, terminado em 2007 – mas já se acumulavam suspeitas de favorecimentos diversos em negócios do estado, além de manifestos sinais de insucesso das profundas reformas na política económica que implementou – a pomposamente chamada “Abenomics”, de fracos resultados, afinal.

Desta vez foi Yoshihide Suga, o anterior ministro do governo de Abe que o havia de substituir no cargo, a demitir-sai após um ano deste exercício, assumindo a responsabilidade pelo descontrole que se vive hoje no país em relação à pandemia. Os primeiros casos verificaram-se em Janeiro de 2020, os números de infecções sempre estiveram longe das calamidades que se viveram noutras paragens, mas foram-se sucedendo novas “vagas” de infecções, cada vez maiores. Os temores que se foram expressando em relação ao perigo das Olimpíadas afinal não se justificaram (foram pouquíssimos os casos associados aos Jogos) mas ainda assim o Japão vive hoje o seu pior período de convivência com o vírus, com grande parte do país num estado de emergência que foi oficialmente prolongado à data em que escrevo (quinta feira, 9 de Setembro).

A primeira vaga de infecções, iniciada em final de Janeiro de 2020, teria o seu ponto máximo em meados de Abril, com uma média semanal inferior a 550 novos casos por dia, valor que hoje parece insignificante para uma população de 126 milhões de pessoas (menos de meio caso por 100 mil habitantes, portanto). Parece pouco mas na altura impunha receios, sobretudo pela desconhecimento do que estava por vir e de como lidar com um problema que nessa primavera chegava à Europa e à América, depois de um inverno exclusivamente asiático.

A segunda “vaga” havia de chegar no Verão e de ter o seu ponto culminante durante a primeira metade do Agosto, com a média semanal de novos casos a chegar ao valor máximo de 1.380, já mais de 1 caso por cada 100.000 habitantes, mas com grandes variações regionais e uma larga concentração nas grandes áreas metropolitanas de Tóquio e Osaka (além da ilha de Hokkaido, que se destacou desde o início e ainda hoje é zona particularmente problemática). A viver em Sapporo, foi aí que comecei o meu contacto com a pandemia desde o seu início em terras japonesas, mas neste verão já estava na tranquilidade de Hiroshima, até então praticamente imune ao vírus.

Outras duas vagas haviam de se seguir, com durações e dimensões semelhantes e números máximos de novos casos francamente superiores: no início de Janeiro de 2021 atingiu-se uma média de 6.445 casos por semana (mais de 5 por cada 100 mil habitantes) e em meados de Maio chegou-se a um número bastante semelhante (6.460). Em ambas as situações, a cidade de Hiroshima, onde continuo a viver, já não era o paraíso de isolamento que tinha sido até então e tiveram que se intensificar as medidas restritivas.

Havia de se iniciar entretanto um tardio processo de vacinação, com uma inusitada demora na aprovação pelas autoridades sanitárias do país das mesmas vacinas que já se utilizam massivamente em grande parte do mundo.

E é já com cerca de metade da população vacinada que se vive uma quinta vaga de propagação da epidemia, já numa clara tendência de descida, mas que atingiu no final de Agosto uma média semanal de novos casos superior a 23 mil (mais de 18 por 100 mil habitantes).

Ainda assim, o estado de emergência que tinha sido decretado até 12 de Setembro em quase todo o país foi hoje prolongado até ao fim do mês e o primeiro-ministro que estava no poder durante este período de descontrolo máximo apresentou esta semana a demissão. Na realidade, os números que se vivem hoje no Japão (média semanal de 10,7 novos casos diários) não são sequer próximos dos que se registam nos mesmos dias no reino Unido (56,7) ou nos Estados Unidos (45,5), são inferiores aos que se registam em Portugal (15,7) e semelhantes aos do estado espanhol (11,1).

Sendo de longe os piores números que se registaram no país ao longo desta pandemia, o Japão em nenhum momento viveu sob medidas compulsivas de confinamento – para as quais, aliás, não há sequer cobertura legal. Há restrições severas aos horários de funcionamento de alguns estabelecimentos, limites à lotação de estabelecimentos públicos, recurso ao tele-trabalho ou apelos à não-mobilidade entre regiões.

Nunca houve limitações à mobilidade entre municípios e mesmo em relação à mobilidade entre regiões o controle é quase inexistente. Há um apelo generalizado ao bom-senso e à auto-disciplina, que em geral foi resultando mas que agora começa a dar sinais de alguma ineficácia. São quase dois anos nisto, afinal.

Felizmente a vacinação progride agora aceleradamente e espera-se que a partir de Novembro comece a haver mais abertura em relação às viagens internacionais, para as quais continua a haver uma quarentena obrigatória de duas semanas quando se entra no país. Talvez possa então fazer planos para visitar familiares e amizades em Portugal. Já é tempo.

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