Jogos Olímpicos de Inverno | Pedido fim da política de “zero casos” de covid-19

Com o surgimento de surtos de covid-19, vários analistas defendem que a China deve pôr termo à política de “zero casos”, olhando para exemplos de outros países que abriram fronteiras. Os Jogos Olímpicos de Inverno, que se realizam em Pequim em Fevereiro de 2022, são “um desafio”. Porém, a recente experiência de Tóquio pode ser um bom exemplo para a organização

 

Terminados os Jogos Olímpicos (JO) de Tóquio, a China prepara-se para organizar a edição 2022 dos JO de Inverno, marcados para Fevereiro em Pequim, numa altura em que têm surgido no país, nos últimos meses, vários surtos de covid-19. Ontem foram identificados, em 24 horas, 143 casos de covid-19 nas províncias de Jiangsu, Henan, Hubei e Hunan. A província de Jiangsu, no leste do país, onde começou o actual surto que, entretanto, se alastrou a outras regiões, diagnosticou 50 casos. Henan, no centro da China, detectou 37 infecções.

A China mantém a política de “zero casos” em vigor, incluindo restrições transfronteiriças, mas vários especialistas argumentaram, na última sexta-feira, que esta estratégia deve ser alterada. Num webinar promovido pela empresa Baidu, académicos da Universidade de Pequim defenderam que o Governo Central deveria começar a definir estratégias com base nas experiências de outros países quanto à abertura de fronteiras, sobretudo tendo em vista a realização dos JO de Inverno.

Citado pelo South China Morning Post, Liu Guoen, director do Centro de Investigação para a Saúde Económica da Universidade de Pequim, afirmou a necessidade de uma “discussão séria e sistemática” para “ajustar e optimizar a actual estratégia”.

Já Zeng Guang, chefe epidemiologista do Centro Chinês para a Prevenção e Controlo de Doenças, referiu, no mesmo webinar, que “a maior parte são casos ligeiros [no último surto na China], o que não deveria ter causado tanto pânico e pressão”.

“Ficar com zero casos é absolutamente impossível. Outros países não vão esperar para ter zero casos antes de abrirem fronteiras. Deveríamos aprender com a experiência de outros países como o Reino Unido, Israel e Singapura… e entender como aconteceu o ressurgimento [das infecções], se a situação melhorou e também se a população apoiou”, acrescentou Zeng Guang.

O epidemiologista prevê que os JO de Inverno serão “um desafio para a capital”, um acontecimento que requer coordenação e cuidado. “[Será também] um processo para melhorarmos as nossas ideias”, frisou o epidemiologista.

Uma “maior pressão”

Emanuel Júnior, investigador da Universidade de Aveiro na área do desporto e geopolítica chinesa, defendeu ao HM que a chegada dos JO de Inverno “coloca uma pressão maior sobre as autoridades chinesas, uma vez que a expectativa seria de realizar este megaevento desportivo com a possibilidade de público”.

No entanto, “para que isso se realize, é preciso um controlo maior nas regras quanto ao público, permitindo-se, por exemplo, que estejam presentes pessoas que já foram vacinadas [ou apostar] na realização de testes”.

Mesmo face às vozes que argumentam pelo fim da política “zero casos” no país, Emanuel Júnior defende que “a estratégia chinesa de combate à pandemia tem-se mostrado das mais eficazes em todo o mundo”.

Com a predominância da altamente contagiosa variante Delta do vírus SARS-Cov-2, o investigador considera que “as medidas tomadas pelas autoridades chinesas são as mais acertadas”, dando como exemplo o confinamento decretado em regiões afectadas ou a promoção da realização de testes em massa.

Ainda assim, a vacinação deve ser sempre a resposta. “Nem todos os países têm os índices de testes que a China tem. Só através da testagem possível monitorar o nível de contágio e a China tem sido exemplar nisso. Contudo, nesta altura da pandemia, sabemos que a vacinação é extremamente necessária para que casos graves e mortes sejam reduzidos.”

Anabela Santiago, mestre em estudos chineses e doutoranda da Universidade de Aveiro, também na área da geopolítica chinesa, lembrou ao HM que a China não divulgou ainda a sua estratégia para organizar os JO de Inverno, pelo menos a título oficial.

No entanto, “há bastante tempo que a China tem apenas surtos esporádicos de covid-19, o próprio Comité Olímpico Internacional apelou para que essas olimpíadas tenham público”. Nesse sentido, defende a investigadora, é expectável “um novo fulgor, mas com medidas de segurança muito apertadas, apesar de tudo”.

Num país onde o desporto assume também um forte papel diplomático, os JO de Inverno não deverão trazer, do ponto de vista político, “uma mudança de estratégia relativamente à gestão da pandemia”, assumiu Anabela Santiago.

“A mudança ocorreu logo no início. A famosa primeira fase de quase negação foi rapidamente ultrapassada. A China não quer ser parte do problema, mas sim da solução. Do ponto de vista desportivo, estas olimpíadas vão servir para projectar mais as modalidades desportivas de inverno, tanto na China como fora dela.”

JO e futebol são exemplos

Emanuel Júnior não tem dúvidas de que “a realização de eventos desportivos como os JO de Tóquio ou o Euro 2020 servem de lição” para Pequim na hora de organizar as olimpíadas de Inverno, com cerimónia de abertura está marcada para 4 de Fevereiro.

“Em Tóquio não havia espectadores, portanto a experiência serve de exemplo a nível logístico e organizativo. Já o Euro 2020 contou com público nos estádios e realizou-se em várias cidades na Europa. Cada cidade tinha as suas regras quanto à percentagem de ocupação dos estádios. De certeza que a organização dos JO de Inverno de Pequim 2022 observou estes dois eventos e vai ter isso em consideração na sua análise, para que se possam implementar regras mais adequadas para Pequim”, referiu o investigador.

Para Anabela Santiago, os JO de Tóquio “são, sem dúvida, um exemplo para Pequim”, até porque “para o bem e para o mal, aprendemos sempre pelo modelo dos outros ou por comparação”.

“A China sempre se pauta em tudo o que faz pela grande capacidade de mobilização da sua população e da sua força de trabalho em torno de uma causa ou objectivo. Veja-se, por exemplo, a construção de um hospital novo em 10 dias.

Os últimos JO realizados em Pequim [em 2008] foram um magnífico exemplo de capacidade organizativa, e creio que estes JO de Inverno o serão também”, concluiu a académica.

Recorde-se que o Governo japonês decretou estado de emergência em Tóquio a 8 de Julho, e que vigora até ao dia 22 deste mês, precisamente na mesma altura em que se realizaram os JO, que terminaram no passado domingo.

O país também decidiu prolongar este nível de alerta na região de Okinawa (sudoeste), onde já estava activo, e manter certas restrições nas autarquias de Chiba, Saitama e Kanagawa, nos arredores de Tóquio, onde também foram realizadas competições.

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