Eleições | TUI confirma exclusão de candidatos por serem “infiéis” a Macau

O Tribunal de Última Instância manteve a decisão da CAEAL de excluir três listas do campo democrata de participar nas eleições de Setembro. Em causa, argumenta o TUI, está o apoio a actividades como o “4 de Junho”, “Carta Constitucional 08” e a “Revolução de Jasmim”. Candidatos excluídos falam em “mudança de paradigma” e garantem continuar a defender os seus valores mesmo fora da AL

 

O Tribunal de Última Instância (TUI) rejeitou os recursos apresentados pelas listas de candidatura às eleições de Setembro, no seguimento da desqualificação de 21 candidatos pela Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa (CAEAL) por não serem fiéis a Macau e não defenderem a Lei Básica.

Fica assim confirmada a exclusão das listas da Associação do Novo Progresso de Macau, encabeçada pelo actual deputado Sulu Sou, da Próspero Macau Democrático, liderada por Scott Chiang e da Associação do Progresso de Novo Macau, encabeçada por Paul Chan Wai Chi.

No acordão de 217 páginas divulgado no sábado apenas em língua chinesa, o TUI “deu como assente” que, pelo menos dois dos candidatos que integravam cada uma das três listas participaram em actividades de apoio incompatíveis com a Lei Básica, ou que provam que são “infiéis à RAEM”.

Detalhou o TUI que, em causa, está o apoio a actividades como o “04 de Junho”, a “Carta Constitucional 08” ou “Revolução de Jasmim”, nas quais se exigiram em diferentes momentos reformas democráticas na China.

Os juízes do tribunal só analisaram as informações relativas aos dois primeiros candidatos de cada uma das três listas, que integravam todas elas cinco elementos. Isto porque, justificaram, verificando-se o afastamento dos dois primeiros, as listas já não cumpriam com um dos requisitos legais, ou seja, a inclusão de, pelo menos, três candidatos.

Citando o acordão do TUI, a TDM-Canal Macau avançou ainda que os três acontecimentos têm a mesma natureza e são demonstrativos da defesa do derrube do Governo Central e do Partido Comunista da China (PCC). Nessa mesma passagem do acórdão é ainda feita referência à alteração da Constituição da República Popular da China aprovada em 2018 e que acrescentou que “a liderança do Partido Comunista da China é a essência do socialismo com características chinesas”

Razão pela qual, por unanimidade, os juízes julgaram “improcedentes os recursos contenciosos eleitorais interpostos (…), mantendo a decisão da CAEAL de recusar as três listas de candidatura”.

Em comunicado, o Governo manifestou “respeito e apoio por esta decisão final”, ressalvando que a CAEAL apreciou a habilitação dos candidatos e a rejeição das listas de candidatura com inelegibilidade “em conformidade com os poderes delegados pela Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa [AL]”.

O Executivo refere ainda que a decisão da CAEAL defendeu “a ordem constitucional da RAEM, definida pela Constituição e Lei Básica” e cuja decisão foi reconhecida pelo TUI.

“A RAEM continuará a implementação plena e correcta do princípio ‘Um país, dois sistemas’, salvaguardando, nos termos da lei, o direito da liberdade de expressão dos residentes de Macau, assim como o direito à informação e o direito de fiscalização sobre as acções governativas”, pode ler-se.

Lista de recados

Apesar de votar a favor da decisão, o juiz José Maria Dias Azedo emitiu uma declaração de voto, onde questiona o âmbito de actuação da CAEAL, nomeadamente quanto à sua legitimidade para dar início a processos de investigação a cargo de outras entidades.

Referindo ser “inegável” que a Lei Eleitoral prevê que a CAEAL tem, relativamente aos serviços públicos e ao seu pessoal, “os poderes necessários ao eficaz exercício das suas funções, devendo aqueles prestar-lhe todo o apoio e colaboração de que necessite e que lhes requeira”, o juiz aponta, contudo, que o “poder” que a legislação prevê, não pode ir além da “competência” atribuída ao organismo.

Isto, ao mesmo tempo que se mostra preocupado com o facto de a CAEAL ter solicitado “da sua própria iniciativa”, que a Polícia procure e recolha “informações relacionadas com a vida pessoal e social das pessoas em questão”, com o objectivo de decidir se são elegíveis.

“Como é sabido, as investigações são (…) especialmente atribuídas a outras entidades como, por exemplo, aos órgãos judiciais, às forças de segurança e ao Comissariado contra a Corrupção [CCAC]”, começa por dizer Dias Azedo.

“É importante notar que tal ‘poder’ não pode ultrapassar o que é referido (…) no âmbito da ‘competência’, no qual são definidas as ‘competências’ previstas no artigo 10.º [da lei eleitoral]. Este artigo, embora seja a disposição mais extensa da lei, não faz qualquer referência ao ‘assunto’ em discussão e, por isso, só se pode concluir que a CAEAL não tem esse poder”, acrescentou.

Na declaração de voto, Dias Azedo considera ainda que os visados não tiveram uma “oportunidade adequada”, não só para se pronunciarem sobre as informações recolhidas, mas também antes da “decisão de os considerar inelegíveis”.

“Isto parece-me ser uma violação do ‘princípio da audição prévia das partes interessadas’. Não vejo razões para que este princípio não tenha sido aplicado no contexto da lei eleitoral”, sublinhou o juiz

Por abordar o “direito fundamental” de participar nas eleições, Dias Azedo defendeu também que as autoridades devem esclarecer a população sobre os fundamentos das restrições apresentadas.

Nova era

Reagindo em comunicado, a Associação Novo Macau da qual Sulu Sou é vice-presidente, apontou “discordar da decisão”, insistindo que os candidatos em questão são elegíveis, dado que sempre defenderam a Lei Básica e foram leais à RAEM.

“A história vai encarregar-se de provar que este julgamento é errado. Este incidente da desqualificação é uma decisão política do Governo, que tem como objectivo eliminar as vozes democratas dissonantes na Assembleia Legislativa. É como apagar a luz numa sala já escura”.

O candidato desqualificado da Próspero Macau Democrático, Scott Chiang mostrou não estar surpreendido com a decisão e vincou que o acontecimento marca uma mudança de paradigma no panorama político de Macau. Segundo o ex-deputado, a decisão do TUI serve também para condicionar indirectamente a população.

“O que costumava ser um exemplo de sucesso do princípio ‘um país, dois sistemas’ foi agora abandonado. Já consigo ver os efeitos que este caso está a provocar nas pessoas. [O Governo] quer que elas aprendam com o nosso caso, e entendam que tudo o que dizem, partilham ou gostam online pode ser usado contra elas no futuro. Já há muitas pessoas que conheço que começaram a censurar-se. Penso que este é exactamente o efeito que pretendiam”, disse Scott Chiang à TDM-Canal Macau.

Por seu turno, Paul Chan Wai Chi referiu estar desiludido por ter acreditado que “Macau era um Estado de Direito, onde os tribunais tinham independência judicial”. Isto, apesar de as opiniões públicas sobre o caso e o ambiente actual ter levado a que decisão fosse tida, desde logo, como “final”.

Em relação ao futuro, Chan Wai Chi defende que, tal como ele, os residentes de Macau devem assumir a responsabilidade de filtrar o trabalho do Governo.

“Não interessa se estamos dentro ou fora da AL. Precisamos de ficar de olho na forma como Macau é governado, nas discussões das leis na AL e no desenvolvimento social. Estes são os melhores dos tempos. Estes são os piores dos tempos”, apontou segundo TDM-Canal Macau.

Também Scott Chiang frisou a importância de “continuar a dar opinião” mesmo que seja fora da AL.
“Houve uma mudança de paradigma que mostra às pessoas em Macau e ao mundo que qualquer forma de dissidência, mesmo as mais leves, não vão ser toleradas, ao contrário do que aconteceu nos últimos 20 anos”, referiu.

Sentido único

À agência Lusa, o advogado dos candidatos excluídos considerou que a decisão anunciada pelo TUI “rasga a declaração conjunta entre Portugal e a China”.

“Toda a oposição democrática e crítica do Governo foi desqualificada. O jogo passou a ter uma baliza só: neste ‘jogo’ político só se pode perder”, afirmou Jorge Menezes.

Para o advogado, as “três listas de candidatos foram desqualificadas num processo de investigação policial secreto, abusivo e ilegal, com base em normas aprovadas secretamente por um órgão incompetente para o efeito e aplicadas retroactivamente”.

Isto, acrescentou, “sem conceder ao visados a possibilidade de participarem no processo de desqualificação e de apresentarem prova contrária e direito de defesa”, concluindo que “maior violação do conceito de Estado de Direito seria difícil”.

Por outro lado, salientou, “foi também lamentável a emissão de declarações de entidades oficiais da República Popular da China sobre a legalidade de uma decisão antes ainda de ela ter sido julgada por um tribunal de Macau”.
Tal constitui para o advogado “uma violação da autonomia de Macau face à China e do princípio da separação de poderes, que impõe a proibição de pressões sobre os tribunais por parte do poder político ou executivo”.

UE | Governo expressa “resoluta oposição” face a críticas da Europa

O Governo expressou ontem a sua “resoluta oposição” às críticas apresentadas pelo Serviço Europeu para a Acção Externa (SEAE) da União Europeia (UE) sobre a exclusão de candidatos às eleições de Setembro, afirmando que todo o processo foi realizado dentro dos contornos da lei.

“A Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa (CAEAL) cancelou a elegibilidade de parte dos candidatos, um exercício de poderes delegados pela Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa, e apreciou a elegibilidade dos candidatos nos termos da lei, cuja decisão foi reconhecida pelo órgão judicial”, pode ler-se em comunicado.

Assegurando que o direito de eleger e ser eleito, e o direito da liberdade de expressão estão totalmente assegurados pelos órgãos executivos, legislativos e judiciais, o Governo considerou ainda que a UE não tinha o direito de intervir sobre o assunto.

“As eleições da Assembleia Legislativa de Macau, são assuntos internos da RAEM, pelo que nenhum órgão estrangeiro tem o direito de intervir”.

Recorde-se que, no sábado, a UE afirmou que a exclusão de candidatos às eleições contraria os direitos garantidos pela Lei Básica, o pluralismo político e restringe o debate democrático.

“Este é um passo prejudicial que vai contra os direitos garantidos na Lei Básica de Macau. Prejudica o pluralismo político e restringe o debate democrático”, pode ler-se, segundo a agência Lusa, numa declaração do porta-voz do serviço diplomático da UE.

Já o gabinete do comissário do MNE em Macau, manifestou “forte insatisfação e firme objecção aos comentários da UE”, considerando que “eram uma interferência flagrante nos assuntos de Macau e nos assuntos internos da China em geral, o que violava gravemente o direito internacional e as normas básicas que regem as relações internacionais”.

“Ninguém é mais sincero ou resoluto do que o governo chinês para implementar de forma abrangente e precisa o princípio “um país, dois sistemas”, e ninguém se preocupa mais do que o governo chinês com a prosperidade, a estabilidade e o bem-estar dos residentes de Macau. Qualquer tentativa de interferir nos assuntos da RAE está condenada ao fracasso”, salientou a declaração.

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