Ghosting – a prática ignóbil de terminar relacionamentos

Ghosting. A palavra mais proferida pelas redes socias nos últimos tempos. Todos falam dela e nem parece ter uma tradução para português. Por miúdos: o ghosting é o acto de cortar relações súbita e abruptamente com alguém, desaparecer sem rasto, nem com sucessivas tentativas de contacto. Certamente que já passaram por isso, seja como recipientes ou protagonistas. Uma estratégia progressivamente comum desde que nos virámos para o mundo das seduções e namoros online. É tão comum que já é normal. Só que isso traz problemas.

O contacto online ajudou a “anonimizar” as pessoas, não as responsabilizando pelos seus actos. Quando conhecemos alguém online é provável que não haja amigos em comum, tornando muito mais fácil cortar relações sem explicação alguma, sem pressão para dar uma justificação. Empurrando o trabalho emocional de se dizer “este relacionamento já não me interessa”, ao outro, que fica a pensar que raio poderá ter acontecido. Para as pessoas mais fantasiosas o desaparecimento de alguém pode ser sinal de desgraça. Um acidente de carro e um coma induzido que pode durar 6 meses ou mais. Mas raramente é o caso. As pessoas desaparecem dos chat-rooms, deixam de responder a mensagens, bloqueiam, sem ajudar o outro assimilar: o que aconteceu? Porque é que x ou y deixou de falar comigo?

Nestes casos, o trabalho emocional – que devia ser partilhado – duplica ou triplica só para um dos lados. O problema é a criatura que julga que ignorar os outros é a forma mais fácil de incutir uma mensagem: a de que não estão interessados. A falta de clareza tem consequências na auto-estima das pessoas e no seu bem-estar. Não que as pessoas precisem de tudo explicadinho do porquê ou como é que uma relação deixou de dar certo, precisam de saber que terminou. As características da comunicação digital tem aumentado esta possibilidade de evitarmos as conversas difíceis. Um escudo de proteção que serve a uma pessoa, somente. Como consequência, as pessoas deixam de querer mostrar vulnerabilidade. Começam a ter receito de se envolver se o resultado final for este. Como é que não são dignos de uma conversa onde expressamente se diga que aquela relação não vai a lado nenhum?

O medo de nos pormos em situações que nos deixam desconfortáveis fala mais alto, e as tecnologias ajudam a que ninguém necessite, quiçá, de partir o coração a alguém. Assim damos um passo civilizacional contraproducente.

Ensinamos as pessoas a não enfrentarem o seu trabalho emocional e a empurrarem-no para o evitamento como se fosse uma solução viável. Mas não é. Está a deteriorar a natureza das relações interpessoais para uma mecanização que anseia seguir algoritmos informáticos. Como se fossemos robots onde simplesmente se reage ao que se quer e não quer. Eu diria mais – dependendo da natureza da relação, o mesmo se pode dizer dos emails telegráficos que têm intuito de terminar relações de anos. Protegerem-se do sofrimento do outro, da sua expressão viva de desilusão, é a escolha dos fracos. E assim a comunicação digital explora esta vulnerabilidade humana de não querermos confusões emocionalmente difíceis. O futuro distópico que viverá destas estratégias deixará a nossa humanidade flutuar na espuma do que é verdadeiramente importante: a conexão, e sabermos geri-la.

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