Há cadeiras que não arrefecem

Determinados fulanos quando ocupam um cargo de relevo resolvem nunca mais arrefecer a cadeira do poder. Pensam-se os donos do mundo e fazem o que querem. Estou a lembrar-me de dois portuenses e por acaso portistas. Jorge Nuno Pinto da Costa e Rui Moreira são dois exemplos de indivíduos que andam sempre sob suspeita de irregularidades e pensam que são intocáveis. Têm acontecido as maiores suspeitas de irregularidades nas hostes da SAD do FC Porto e o presidente Pinto da Costa tem sempre ficado a rir-se das investigações e dos tribunais. Mas, na semana passada talvez tenha torcido o nariz quando a Polícia Judiciária (PJ) iniciou buscas na sede e nas casas do FC Porto e do Portimonense devido a investigações iniciadas há muito tempo sobre a falsificação dos testes à covid-19 a vários jogadores, nomeadamente o japonês Nakagima que viajou infectado e ao suborno a determinadas unidades laboratoriais, facto gravíssimo que pode atingir cerca de oito anos de prisão por se tratar de um atentado contra a saúde pública. O caso vai dar que falar e pode ser que desta vez Pinto da Costa fique a saber que afinal ainda há lei em Portugal.

Por outro lado, tivemos um caso que é há muito badalado na cidade do Porto com o presidente da Câmara Municipal, Rui Moreira, na berlinda. Aconteceu que Rui Moreira e a sua família diziam ter um terreno em local privilegiado na margem do Douro, que deu origem ao célebre caso Selminho. O presidente da Câmara do Porto terá de responder em tribunal no âmbito da discordância Selminho que opõe a família de Rui Moreira e a lei nacional, no sentido de que o terreno pertence ao Estado. Moreira é acusado de agir em benefício da imobiliária Selminho – à qual tem ligações familiares – em detrimento do interesse municipal. A decisão de levar o edil a julgamento partiu do Tribunal de Instrução Criminal – a juíza Maria Antónia Ribeiro acusou Moreira nos mesmos termos do Ministério Público (MP) – exarando uma acusação muito violenta onde salienta no despacho que “submetido a julgamento venha a ser aplicada ao arguido em função da prova recolhida nos autos, uma sanção penal”. Moreira é acusado de prevaricar em abuso de poder beneficiando-se a si próprio e à sua família. O MP acrescenta ainda que o presidente da Câmara Rui Moreira deve perder o mandato. E aqui é que a cadeira não arrefece. Moreira e tantos outros pelo país fora, mesmo acusados de factos graves não largam o poleiro. Já anunciou que se vai recandidatar nas próximas eleições autárquicas e que tudo isto não passa de uma manobra política tal e qual como aconteceu há quatro anos. A verdade é que a coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, já afirmou que o caso é muito grave e que Moreira deve demitir-se de imediato. Já o antigo líder do PSD, Luís Marques Mendes, em 2009, barrou as candidaturas autárquicas de Isaltino Morais a Oeiras e de Valentim Loureiro a Gondomar. Também o PS adoptou uma postura semelhante não deixando Luís Correia candidatar-se ao município de Castelo Branco. No caso de Rui Moreira, sendo independente, certamente não terá quem o obrigue a abdicar. Mas devia ter. O tribunal podia já decidir a sua exoneração do cargo, já que o exemplo é vergonhoso e demonstrativo como estes senhores quando se apanham sentados na cadeira do poder tudo fazem para que a mesma não arrefeça.

O que é certo é que Rui Moreira irá a julgamento. O Tribunal de Instrução Criminal do Porto diz que o edil-arguido “agiu com intenção directa de beneficiar os interesses da imobiliária Selminho da qual também era sócio, em detrimento da Câmara Municipal”. A Selminho pretendia construir um edifício de apartamentos de luxo num terreno da Calçada da Arrábida, perto da ponte com o mesmo nome, torres essas que valeriam muitos milhões de euros. Com exemplos destes que pululam pelo país no seio da comunidade autárquica, a situação tem de mudar, tem de se demonstrar que não se aceitam intocáveis e muito menos cidadãos eleitos pelo povo e que depois apenas se limitam a prejudicar esse mesmo povo e a beneficiarem-se a si próprios, aos amigos e aos familiares.

No território nacional temos tido casos gravíssimos de autarcas que abusam do poder que lhes é conferido pela via democrática e que se comportam como autênticos ditadores. Estamos à porta de novas eleições autárquicas e infelizmente assistimos a candidaturas de certos indivíduos que deixaram muito a desejar quanto à seriedade na função que exerceram enquanto presidentes de Câmara. Devia ser absolutamente proibido que cidadãos que tenham exercido dois mandatos à frente de uma edilidade voltassem a aquecer a cadeira do poder. É uma tristeza ver que a Assembleia da República nunca se preocupa com estas especificidades e é assim que o nosso país vai caminhando sempre baseado na falta de honorabilidade por parte de quem devia dar o exemplo.

 

*Texto escrito com a antiga grafia

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