As alterações climáticas e a Covid-19 são crises globais

“The ongoing COVID-19 pandemic has killed hundreds of thousands of people and infected millions while also devastating the world economy. The consequences of the pandemic, however, go much further: they threaten the fabric of national and international politics around the world.”
Hal Brands and Francis J. Gavin
COVID-19 and World Order: The Future of Conflict, Competition, and Cooperation

A Covid-19 e as alterações climáticas são uma ameaça para as pessoas forçadas a fugir e para os apátridas em todo o mundo. Para combater as alterações climáticas, o mundo deve aprender com a pandemia da Covid-19 e agir com urgência, sob pena de consequências mortais e de longa exposição para as pessoas que têm de escapar das suas casas no que aos refugiados concerne e que são os mais expostos e vulneráveis. O custo mais elevado será não fazer nada.

Os países têm de agir em conjunto. Uma resposta unilateral simplesmente não pode ser eficaz. O mundo deve proteger os mais frágeis, mas também envolvê-los na procura de soluções. Se queremos resolver o problema das alterações climáticas, temos de colocar os mais desprotegidos no centro. O Chade e outros países do Sahel são afectados por uma das crises de migração forçada de crescimento mais rápido, e estão desproporcionadamente expostos aos efeitos negativos das alterações climáticas e das catástrofes ambientais, tais como a alteração dos padrões de pluviosidade que contribuem para inundações e secas.

Os mais vulneráveis do mundo sofrem alguns dos piores efeitos das alterações climáticas. O aumento da temperatura pode elevar a insegurança alimentar, hídrica e terrestre, ao mesmo tempo que prejudica os serviços necessários para a saúde, subsistência, estabilidade e a sobrevivência. Invariavelmente, os mais afectados incluem os idosos, mulheres, crianças, deficientes e os povos indígenas. A última década tem sido a mais quente de que há registo. Em 2019, quase dois mil cataclismos se deram, a maioria deles relacionadas com o tempo, e que obrigaram vinte e cinco milhões de pessoas a abandonar as suas casas. As alterações climáticas têm continuado a acelerar à medida que o mundo luta contra a pandemia da Covid-19. Não existem vacinas, máscaras e não se podem fechar as fronteiras às alterações climáticas e daí que teremos de agir e considerar todas as soluções oferecidas pela ciência e pelo conhecimento tradicional para salvar as pessoas e o nosso planeta.

A “Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR na sigla inglesa) ” nomeou um Conselheiro Especial em Acção Climática para orientar e definir a resposta para melhorar a resistência das pessoas forçadas a fugir dos riscos climáticos e reforçar a preparação e a resiliência em situações de catástrofe. Criado em 2007, o papel do Alto-comissário é permitir a troca de opiniões entre refugiados, governos, sociedade civil, sector privado, académicos e organizações internacionais sobre os desafios emergentes em matéria de protecção humanitária. As cinco sessões digitais de 2021 concentram-se no impacto da Covid-19 sobre as pessoas forçadas a fugir e os apátridas. As medidas tomadas para mitigar a pandemia da Covid-19 têm consequências significativas para a protecção, saúde, bem-estar sócio-económico e resiliência das pessoas deslocadas à força e apátridas e das suas comunidades de acolhimento. Também afectaram as oportunidades de identificar soluções em alguns casos e decisões adiadas em outros.

As acções que os Estados e outros actores tomam, poderiam moldar o que será a protecção internacional em futuras pandemias. Os esforços devem incluir uma visão no reforço das bases de protecção e na construção da resiliência, recorrendo ao regime internacional de protecção de refugiados, incluindo a Convenção sobre Refugiados de 1951; os princípios de protecção, partilha de responsabilidades e inclusão no “Pacto Global sobre Refugiados (GCR na sigla inglesa)”; e as promessas relevantes feitas no “Fórum Global de Refugiados (GRF)”, em Dezembro de 2019. A luta global contra a pandemia colocou desafios para a instituição do asilo. Em alguns casos, desencadeou medidas regressivas, e as fronteiras foram encerradas por motivos de saúde pública.

Noutros casos, abordagens inovadoras permitiram o funcionamento contínuo dos sistemas de asilo, através, por exemplo, da renovação automática ou remota da documentação para os requerentes de asilo, do registo e entrevistas à distância, do tratamento acelerado dos casos de asilo, e de rastreios e quarentenas sanitárias à chegada. Tais disposições permitem aos Estados continuar a admitir aqueles que necessitam de protecção internacional, ao mesmo tempo que protegem a saúde dos seus nacionais. O “Grupo de Apoio à Capacidade de Asilo” estabelecido no GCR poderia ajudar a identificar e apoiar tais adaptações. O surto da Covid-19 também aumentou as vulnerabilidades de indivíduos com necessidades específicas de protecção, tais como indivíduos em risco acrescido de violência sexual e de género (SGBV na sigla inglesa), mulheres e raparigas, bem como homens e rapazes em situações vulneráveis, e pessoas idosas, com deficiências, ou que se encontram em detenção.

No contexto da Covid-19, o Secretário-Geral das Nações Unidas, afirmou que as pessoas e os seus direitos precisam de estar na frente e no centro da resposta, um princípio que é central para o GCR. Isto requer a avaliação das necessidades e o desenvolvimento de respostas através de uma perspectiva de idade, género e diversidade, para garantir que ninguém fique para trás. Em reconhecimento desta situação, alguns actores tomaram medidas como a libertação de indivíduos de detenção como imigrantes e a disponibilização de acesso móvel para apoiar os sobreviventes do SGBV. A pandemia está a testar a resiliência dos refugiados e das suas comunidades de acolhimento e tem consequências de grande alcance. O acesso aos serviços de saúde e educação é limitado. Muitas pessoas estão a perder os seus meios de subsistência, resultando num aumento da pobreza e levando algumas pessoas deslocadas que eram auto-suficientes a tornarem-se dependentes da ajuda.

De acordo com o princípio de inclusão do GCR, muitos Estados e outros actores têm tentado tratar o impacto através de abordagens inclusivas à construção de resiliência, tanto na resposta de emergência como a médio e longo prazo.

Alguns dos principais países de acolhimento de refugiados estão a incluir pessoas deslocadas à força nas respostas nacionais de emergência para construir a sua resiliência, conter a propagação da infecção, responder a crises sanitárias, e mitigar o impacto sócio-económico na comunidade em geral. Outros países e doadores têm apoiado estes esforços com contribuições financeiras, materiais, e técnicas em demonstração de solidariedade e partilha de encargos. De acordo com a abordagem de governança multipartite e de parceria estabelecida no GCR, actores-chave na linha da frente da resposta, tais como cidades, organizações lideradas por refugiados, actores religiosos, e “organizações não-governamentais (ONG)”, estão a tomar medidas inovadoras para reforçar a capacidade das comunidades para enfrentarem as crises. Por exemplo, muitos estão a envolver refugiados que são profissionais de saúde para apoiar os sistemas nacionais de saúde e para criar redes para ajudar os membros mais vulneráveis da comunidade.

Tendo em vista mitigar alguns dos efeitos sócio-económicos a longo prazo sobre a resiliência, os actores do desenvolvimento, o sector privado, os doadores e as organizações internacionais estão a trabalhar com os países de acolhimento para determinar a melhor forma de assegurar que os sistemas nacionais podem abranger e preparar-se para o futuro. Alguns estão a considerar medidas imediatas para enfrentar o impacto nas pessoas deslocadas à força e apátridas e nas suas comunidades de acolhimento, e outros estão a considerar como apoiar a construção de sistemas nacionais inclusivos de saúde, educação, e protecção social em preparação para futuras emergências. A pandemia da Covid-19 não impediu as pessoas de fugirem à guerra e à perseguição. Assegurar a protecção através da salvaguarda do acesso ao asilo e do reforço e adaptação dos sistemas de asilo continua a ser uma responsabilidade internacional crítica e que salva vidas, juntamente com a abordagem das necessidades específicas de protecção e a construção de resiliência face à pandemia.

As abordagens novas e inovadoras desenvolvidas face à actual pandemia podem informar o pensamento em termos de como responder, mitigar, e preparar para os desafios de protecção e soluções, tanto agora como no futuro. A origem da Covid-19, tal como outras doenças infecciosas, são interacções entre os seres humanos e os animais selvagens. Interacções que aumentaram nas últimas décadas e que também falam de uma crise ambiental contínua

As alterações climáticas e a pandemia da Covid-19 são ambas crises globais que ameaçam a viabilidade da economia e a vida de milhões de pessoas em todo o mundo. Segundo a “Organização Mundial de Saúde (OMS) ”, o aquecimento global devido à emissão excessiva dos chamados gases de estufa que alteram o clima, provoca a morte de cerca de cento e cinquenta mil pessoas por ano, um número ao qual, serão acrescentadas mais duzentas e cinquenta mil pessoas por ano a partir de 2030.

Algumas destas mortes são devidas a eventos climáticos extremos, tais como inundações, incêndios, ciclones ou ondas de calor semelhantes à de 2003, quando a Europa registou um aumento de 70 por cento na mortalidade. Mas as alterações climáticas também afectam muitos dos factores sociais e económicos dos quais depende a protecção da saúde, tais como a qualidade do ar e da água e a biodiversidade, ou seja, a variedade de animais, plantas, fungos e microrganismos que compõem o nosso planeta. Ao fazê-lo, pode alterar as cadeias de transmissão de doenças infecciosas, incluindo doenças virais, tais como a Covid-19. As alterações climáticas estão a impulsionar a transmissão da Covid-19? A Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard nos Estados Unidos afirma que não existem provas directas de que as alterações climáticas estão a afectar a propagação da Covid-19, mas sabem que as alterações climáticas alteram a forma como nos relacionamos com outras espécies na Terra.

O cerne da questão é precisamente este, porque sabemos que a Covid-19 tinha uma origem zoonótica (de animais), precisamente de uma estirpe típica de morcegos, embora ainda não seja claro se existiam animais intermediários na transmissão do vírus, quantos e quais eram exactamente. Assim, na base da Covid-19, bem como de outras pandemias globais incluindo o Ébola, por exemplo, existem interacções com espécies animais selvagens. Interacções que aumentaram nas últimas décadas devido à actividade humana, tanto directamente como através de actividades como a desflorestação, que ocorre principalmente para fins agrícolas, ou mineração como indirectamente, como no caso das migrações de animais devido ao aumento das temperaturas na Terra.

Mas como as interacções aumentaram, também se elevou o risco de os humanos entrarem em contacto com novos agentes patogénicos e doenças que anteriormente só envolviam outras espécies animais, tal como no caso da Covid-19. Existe alguma ligação entre a poluição e a Covid-19? Há vários estudos que mostram a existência de uma ligação entre a poluição atmosférica, tanto causa como consequência das alterações climáticas com as taxas de infecção e mortalidade relacionadas com a Covid-19, como é recordado em um estudo de Janeiro de 2021 encomendado pelo Parlamento Europeu, e ainda que se trate de uma doença relativamente recente, os dados disponíveis sejam ainda parciais e também complicados pelas medidas de bloqueio introduzidas a nível mundial, que tiveram repercussões no nível global de poluição. Em termos gerais, a relação entre poluição atmosférica e doenças respiratórias e crónicas (como a diabetes) está bem estabelecida e também sabemos que as pessoas que sofrem destas doenças estão entre as mais vulneráveis à Covid-19.

Mais controversa é a questão da propagação do vírus. As regiões mais poluídas são também uma das mais afectadas pela Covid-19, pois as partículas atmosféricas não favorecem a difusão do vírus no ar. Quanto ao descongelamento do “permafrost” e o futuro das doenças infecciosas, é certo que as alterações climáticas criaram condições mais favoráveis para a propagação de algumas doenças infecciosas, tais como as transmitidas por mosquitos (malária e dengue). Os riscos não são fáceis de prever e podem também variar em função das mudanças de temperatura e níveis de precipitação, condições que afectam o aparecimento de agentes patogénicos, bem como as interacções entre humanos e animais. Outra questão é o descongelamento do “permafrost”, a camada de solo permanentemente congelada, devido ao aumento da temperatura global que poderia resultar na libertação de vírus e bactérias antigas que têm estado adormecidos durante milénios, começando com o Círculo Árctico, onde as temperaturas estão a subir cerca de três vezes mais depressa do que no resto do mundo.

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