Da desinquietação. Pág. 3

Erro de cálculo é calcular. De que se faz a vida se tudo se imaginar calculável, é uma pergunta a que não gosto de tentar responder. Nem num sussurro por medo de errar, também aí, o cálculo. Antes desdizer todas as previsões e assestar os olhos num pequeno momento de cada vez, de esperar que se somem momentos aos momentos e lançar todas as teias delicadas e sinceras de objectividade, de todas as fibras que constituem – sei lá – o sistema nervoso, o aparelho óptico, os volumes musculares que nos apetecem movimento, as tonalidades de voz, para além do olhar ou das cores. No fundo, bem no fundo nuclear e tectónico, de onde explodem rios de lava e de lágrimas – conforme – centrar. Aí, de onde tudo se retira e escolhe. Não que o tempo se fragmente em tempos precisos de agora antes e depois. Pelo contrário, no seu contínuo, plástico e permanente ser e devir, contém em cada ínfima parte, o de todo inalcançável infinito. É estranho. Num mergulho abrupto em profundidade de possibilidades. A passagem em velocidade da luz por um todo, pelo caminho mais longo. Ou, também como um intangível sulco que podemos saltar quase sem pensar ou deter o olhar. Uma simples ruga na pele do tempo. E atingir permanentemente de chofre o minuto seguinte, sempre em perda por essa é a inconsciência que escolhemos. Ou não. Parar sobre o abismo e nele mergulhar como se um pequeno desvio na naturalidade da perda, é talvez viver a lúcida e inundada possibilidade de, sem cálculos prévios, nos deixarmos surpreender entregando tudo.

Estará escrito no lugar que sempre erra. Que é da natureza e do erro errar o ver e ver o erro à distância do tempo. Estará escrito no passado. Estará escrito no tempo que foi verbo e ficou. Estará. Escrito que o amor é insolvente. Inóspito na forma. A nu. Em que estará onde pode estar. Quem escreveu a salvação diluiu em mágoa. Estará escrito. Mesmo assim. Onde estará escrito que o que quer que seja existe ou morre. E o tempo, o tempo dirá. Do verbo.

Se me sinto, como flor, como apetência de estação, de cerejeira, para quê roubar-me o resto dos dias da semana. Antes do vento. Flores e a efemeridade de tudo. Aprender a dar valor aos momentos de passagem. Porque tudo o é.
Mar e mar.

Mentindo, estar ali em espuma, frescor e sentir. Ou não. Estar mesmo em espuma e ondulante espraiar. Estar ali e não estar. Crescer em ínfimo estarrecer de não ser, ou de entender não estar. Ou de crescer sentir. E explodir. Ficar.

Quantos pedaços fazem sentir e ver e percorrer. Mas não colam ao que de flor florescer. Quantos e como definir, contar, apanhar e envolver. Quanto, esquecer. Quando amanhecer, anoitecer e fenecer. Quando acontecer. Quando. Quanto falta concluir desfrutar, acabar. Esquecer. E, todos os dias, voltar. A estar a concluir a enfrentar a estar. A ir, a voltar. A amar. Marés de mar.

Estrondo invernoso na maré viva. A vida é um desafio formidável. O apelo a um sentido lúdico ou lírico, dramático, sobretudo em tempos de guerra, quando, pequenos, em risco de apagamento. E só por dentro encontro paisagens aprazíveis. E aí estaciono em perspectiva. O plano que se estende do olhar é vasto e a calma que daí se evola, invade como uma sensação cálida em dias frios.

Ou outros dias. Aquela imagem desenhada à pressa no terraço de um bar de Marraquexe em fim de tarde. Por acaso não é Casablanca mas “play it again Sam”.

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