Fernão de Magalhães no Índico

Este artigo complementa o publicado a 25 de Janeiro cujo título era ‘Fernão de Magalhães com Francisco de Almeida’, tendo então Afonso de Albuquerque conquistado em 1507 Ormuz.

O Vice-Rei D. Francisco de Almeida, “embora fosse sua intenção desde o início submeter o rei de Ormuz à suserania portuguesa, pretendia fazê-lo por meios diplomáticos, sem violência nem conquistas, pelo menos enquanto não tivesse garantido o do Malabar”, segundo Joaquim Candeias Silva, que refere, “demonstra aqui o seu grande pragmatismo de administrador, mais do que de político, defendendo um Estado economicamente sólido, mercantilista, com a balança comercial favorável.” Já sobre Afonso de Albuquerque diz, “manifestara grandes dificuldades para se impor, quer aos seus subordinados [três dos cinco capitães em Ormuz abandonaram-no em Fevereiro de 1508 por discordarem dos seus métodos] quer aos chefes locais”, que o achavam pessoa de má-fé e sem palavra pois, mesmo negociada a paz com Cogeatar, vizir e capitão de Ormuz, continuava a mover-lhe guerra.

Ocupado a construir o forte em Ormuz, Albuquerque descurara o serviço que lhe competia, tanto no policiamento marítimo da entrada do Mar Vermelho, como encontrar lugares onde fosse proveitoso o assentamento comercial, preferindo a guerra às pacíficas conversações para o trato. Assim, por seu desleixo, a armada do Sultão do Egipto entrou no Mar Arábico sem ter sido detectada e em Março de 1508 apanhou de surpresa Lourenço de Almeida em Chaul, matando-o, após derrotar a frota dentro do porto.

“Em finais de Outubro de 1508 chegaram a Cochim algumas naus do Reino e por elas soube o vice-rei que D. Manuel o mandava regressar a Portugal na nau S. João, que para o efeito fora expedida de Lisboa a 9 de Abril, sob o comando geral de Jorge de Aguiar. Nesta nau iam também os pormenores acerca da transmissão de poderes ao novo governador <& o mais que avia de fazer>”, refere Joaquim Candeias Silva, que adita, “Jorge de Aguiar ia nomeado para andar de armada no cabo Guardafui [entrada do Mar Roxo], em substituição de Afonso de Albuquerque, e para lhe suceder quando este completasse o seu triénio de governador.”

Na Índia, os servidores do Vice-Rei viram como divina providência a nau S. João ter-se perdido, pois viviam já numa intranquilidade e medo perante o que lhes reservava o futuro com o próximo governador, de temperamento irascível e vingativo, e por isso pediam ao ainda chefe para ficar e não entregar o comando a Afonso de Albuquerque, por ser inábil para a governança.

Estava-se na segunda semana de Dezembro de 1508 e como Albuquerque ainda não chegara a Cochim, o Vice-Rei, por ser já tarde para apanhar a monção favorável e fazer em segurança a viagem de regresso ao reino, decidiu ir ao território de Cambaia vingar a morte do filho Lourenço. Magalhães acompanhou-o no ataque a Dabul e a 2 de Fevereiro de 1509 a Diu.

D. Francisco de Almeida a 8 de Março regressou em glória a Cochim, onde já Albuquerque o esperava e logo lhe exigiu, antes de passar por a porta da fortaleza, a entrega do governo. Como era ainda Vice-Rei, mandou ficar para depois essa conversa, pois precisava de descansar e dar de jantar aos que com ele vinham. Os dias seguintes foram de festa e celebração, recebendo congratulações do Rei de Cochim. Entretanto, deixou bem claro só ali ainda estar pois o barco para o levar de volta não aparecera, determinando partir no início do Verão, quando chegassem as naus do reino, mas só ao embarcar entregaria o governo a quem o Rei D. Manuel mandasse.

No preparo da carga para levar, o Vice-Rei teve bastante dificuldade em conseguir pimenta, pois esta não aparecia devido à sabotagem dos subordinados de Albuquerque. Estes induziram também o Rei de Cochim a deixar de reconhecer D. Francisco de Almeida como legítimo governador, mostrando-lhe a carta-patente que D. Manuel mandara a dar-lhe conta da ordem de substituição.

Mar de Bengala

Fernão de Magalhães estava em Cochim desde que viera de Diu, assistindo a toda esta agitação política e diplomática, quando a 20 de Abril de 1509 chegou a expedição de Diogo Lopes de Sequeira com quatro navios a caminho de Malaca, onde ia estabelecer um tratado comercial, por ser o mais importante dos portos na ligação entre o Índico e o Pacífico. Até então, a acção dos portugueses quedara-se no Mar Arábico e só por uma vez se fizera a tentativa de explorar o resto do Oceano Índico, quando Lourenço de Almeida procurou navegar no Mar de Bengala.

Refere Damião Peres, em História dos Descobrimentos Portugueses, “O Cabo Comorim, extremidade austral da península indiana, foi atingido nos fins de 1505, por uma frota em cujo comando o Vice-Rei da Índia investira seu filho, D. Lourenço de Almeida, incumbindo-o de fiscalizar nas Maldivas o comércio naval que dos portos do Índico Oriental e das ilhas da Indonésia por ali se fazia. Errando caminho, a frota foi arrastada por correntes marítimas àquele Cabo, mandando então o capitão-mor velejar para a ilha de Ceilão, atingido no seu setentrional porto de Gale.” Foram estes os primeiros portugueses no Índico oriental, mas a exploração do Golfo de Bengala só ocorrerá em 1516 por João Coelho, quando atingiu o delta do Rio Ganges.

Magalhães embarcou em Cochim com o amigo Francisco Serrão na expedição de Lopes de Sequeira, a qual foi reforçada com alguns navios e partindo em Agosto de 1509, passaram pelas ilhas de Nicobar, por os portos de Pacém e de Pedir na grande ilha de Samatra, arquipélago da Indonésia, antes de chegarem a 11 de Setembro a Malaca. Aí, os locais prepararam uma cilada aos portugueses que, avisados por os chineses do plano para destruir a frota, conseguiram os dois amigos, Sequeira e outros, fugir em dois barcos para a Índia, deixando dezoito portugueses prisioneiros em Malaca.

De novo em Cochim, ainda o Vice-Rei não entregara o governo a Afonso de Albuquerque, que só tomaria posse a 29 de Outubro de 1509, ou a 4 de Novembro, segundo Joaquim Candeias Silva, em O Fundador do Estado Português da Índia D. Francisco de Almeida 1457(?)-1510, de onde provem muitas das informações deste artigo.

O 1.º Vice-Rei da Índia Francisco de Almeida (1/11/1505-29/10/1509) partia de Cochim a 19 de Novembro de 1509 e dirigindo-se “a Cananor, onde acabou de abarrotar, dali desaferrou no primeiro dia de Dezembro desse ano de 1509.” Após dobrar o Cabo da Boa Esperança, foi à Aguada do Saldanha onde a 1 de Março de 1510, devido ao roubo de gado por uns marinheiros, os habitantes mataram 65 portugueses, entre eles D. Francisco de Almeida e mais dez capitães.

Afonso de Albuquerque tornou-se Governador do Estado da Índia portuguesa e como prioridade estabeleceu conquistar Ormuz, Goa e Malaca, para erguer o grande império no Oriente. Em Ormuz deixara em 1508 o forte meio feito; Goa era um importante porto a meio da costa ocidental da Índia com fortes ligações à Arábia; e Malaca, onde estavam 18 portugueses presos, dava acesso ao Oceano Pacífico.

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