Banalidades de base (1985) Stewart Home

(tradução de Emanuel Cameira)
Na imagem, da esquerda para a direita, os fundadores da IS em Cosio di Arroscia (Itália, 1957): Giuseppe Pinot-Gallizio, Piero Simondo, Elena Verrone, Michèle Bernstein, Guy Debord, Asger Jorn e Walter Olmo.

No Ocidente, o tempo sempre foi linear. Contudo, é preciso esperar até à revolução burguesa do século XVIII para que se lhe associe uma noção dinâmica de progresso. Mal a burguesia se instalou no poder, os efeitos de tal ligação fizeram sentir-se em todas as áreas da vida. Nas artes, teve isso tradução numa fetichização da “originalidade” na forma de inovação estilística. O resultado foi que o racionalismo do século XVIII tornou-se o romantismo do século XIX que, por sua vez, tornou-se o modernismo do século XX. Convém sublinhar que estas “inovações” sempre foram de estilo e nunca de conteúdo. Ou seja, foram essencialmente ocas e, sob as aparências de superfície, não houve nenhuma mudança.

Tendo olhado para as categorias num sentido lato, voltaremos a nossa atenção para as subdivisões elaboradas pelos historiadores de arte, com as quais ganham a vida. A primeira subdivisão modernista com algum relevo é o futurismo, que foi essencialmente uma fusão do cubismo com o expressionismo e com as ideias de Alfred Jarry. A obsessão futurista com o choque, a originalidade e a inovação celebra o movimento como um produto típico da sociedade burguesa. Era absolutamente natural que os futuristas desenvolvessem, a partir de tais critérios, o amor pela velocidade, pelas máquinas e pela guerra.

Devido à exigência burguesa de uma contínua, pseudo-mudança, o futurismo foi rapidamente superado pelo dadaísmo enquanto força artística. O dadá foi basicamente o futurismo com algo mais: mas onde o futurismo equilibrou os seus aspectos negativos com a crença no progresso tecnológico, o dadaísmo abraçou uma pespectiva totalmente niilista. A negação niilista atingiu o seu auge com o Clube Dadá, em Berlim – após o qual o seu niilismo foi negado pelos dadaístas parisienses, que o rebaptizaram de surrealismo.

Os surrealistas alcançaram a sua negação do niilismo dadaísta racionalizando o irracional com fragmentos mal-digeridos do marxismo-leninismo e da psicanálise freudiana. Onde o dadá havia destruído a linguagem da alienação elaborada por Sade, Lautréamont e Rimbaud – o surrealismo ergueu esses pornógrafos da alma humana como libertadores do desejo reprimido.

À medida que o surrealismo se transformou em academicismo, foi substituído por novos grupos de vanguardistas. O primeiro deles, o Movimento Letrista, foi fundado em 1946 por Isidore Isou – um romeno a viver em Paris. Os Letristas identificaram a criatividade como o impulso humano essencial e, em seguida, definiram-na apenas em termos de originalidade. Inicialmente, os seus interesses eram literários e assemelhavam-se a obras menores de poesia concreta. Isou acreditava que havia substituído todas as estruturas estéticas e ressistematizado as ciências da linguagem e do signo numa única disciplina a que chamou “hipergrafologia”.

Os Letristas de esquerda, liderados por Guy Debord, interromperam uma conferência de imprensa de Charles Chaplin no Hotel Ritz de Paris, no Verão de 1952. Isou denunciou-os nos jornais, o que resultou no corte da ala esquerda com o corpo principal do movimento, renomeando-se como Internacional Letrista e emitindo o seu próprio boletim “Potlatch”.

As principais actividades da Internacional Letrista eram a “deriva” e a “psicogeografia”. A primeira consistia em deambular pela cidade seguindo as condições impostas pela arquitectura. Foi uma tentativa de encontrar tipos de arquitectura desejados inconscientemente. A psicogeografia era o estudo e a correlação do material obtido a partir da deriva. Foi usado para traçar novos mapas emocionais de áreas existentes e planos para cidades utópicas.

Embora o Movimento Letrista fosse principalmente um fenómeno literário e a Internacional Letrista se preocupasse sobretudo com o urbanismo, existiam outros grupos cuja energia se concentrava na pintura. COBRA foi um desses movimentos, formado em 1948 pelo Grupo Experimental Holandês, o grupo dinamarquês Spiralen e o belga Bureau Internationale du Surréalisme Révolutionnaire. O trabalho do COBRA foi uma reacção europeia ao Expressionismo abstracto. O movimento durou três anos e foi parcialmente reconstituído quando Asger Jorn, um ex-membro, fundou o Movimento Internacional para uma Bauhaus Imaginista, em 1953. Jorn foi apoiado na formação da Bauhaus Imaginista – que foi criada em oposição à Nova Bauhaus, de Max Bill – por Enrico Baj que, à época, era o principal farol do Movimento de Arte Nuclear.

A Arte Nuclear foi fundada, em 1951, por Baj e Sergio D’Angelo. Os seus membros provinham de vários grupos italianos de vanguarda, incluindo o MAC, o T e o Grupo 58. Também incluiu como membros, ou colaboradores próximos, ex-futuristas, dadaístas e surrealistas (por exemplo, Raoul Hausmann). Entre 1953 e 1956, não parece haver uma distinção clara entre a filiação na Bauhaus Imaginista e na Arte Nuclear. E a adesão parece ser a única coisa que diferenciou a Arte Nuclear e os Espacialistas – um grupo milanês que, tal como o COBRA e os Artistas Nucleares, experimentava um estilo europeu de pintura abstracta.

Em Setembro de 1956, realizou-se uma conferência em Alba, Itália, para reunir membros da vanguarda europeia. Na realidade, isso significava membros da Internacional Letrista, da Arte Nuclear e do Movimento Internacional para uma Bauhaus Imaginista. Antes do início da conferência, deu-se o rompimento com o representante belga Christian Dotremont, ex-surrealista e antigo membro do COBRA. Enrico Baj foi excluído no primeiro dia e a conferência confirmou a cisão com os Nuclearistas. A reunião deu azo a um acordo que serviu de base para a unificação, em 1957, da Internacional Letrista e da Bauhaus Imaginista. Os grupos amalgamados adoptaram o nome Internacional Situacionista.

A Arte Nuclear, assim como o Movimento Letrista de Isou, continuaram a desenvolver as suas próprias teses e ignoraram a formação da Internacional Situacionista (IS). Na verdade, 1957 – o ano de fundação da IS – mostrou o momento alto das actividades dos Nuclearistas. Foi nessa altura que publicaram o seu manifesto Contra o Estilo, cujo signatários incluíam Piero Manzoni, Yves Klein e pelo menos um membro do Colégio de Patafísica. O manifesto postulou que toda a invenção se transforma em convenção: é imitada por razões puramente comerciais, razão pela qual devemos iniciar uma vigorosa acção anti-estilística em prol, permanentemente, da “outra” arte.

Concluiu que o Impressionismo ajudou a pintura a livrar-se do tema convencional; mais tarde, o cubismo e o futurismo eliminaram a necessidade de reproduções realistas dos objectos; e a abstracção, finalmente, aboliu os últimos traços da ilusão representacional. Um novo – e derradeiro – elo completa hoje esta cadeia: nós, pintores nucleares, denunciamos, a fim de a destruir, a última convenção, o ESTILO.

Em Março de 1962, a Internacional Situacionista dividiu-se em duas facções. A maioria dos Situacionistas estabelecidos na Europa do Norte – pouco mais de metade dos membros do movimento – romperam com a facção de língua francesa e formaram a Segunda Internacional Situacionista. Aqueles cujas actividades estavam centradas em Paris responderam “excluindo” do “seu” grupo os norte-europeus e tornaram-se – com efeito – uma organização periférica, à margem da extrema-esquerda francesa. Apoiando-se teoricamente em Paul Cardan, Henri Lefebvre e na Escola de Frankfurt, este agrupamento desenvolveu uma política baseada no conceito de “Espectáculo”. A ideia de que, sob o Capital, o consumidor é reduzido ao nível de um espectador passivo que observa a vida ao invés de participar nela. O Espectáculo é simultaneamente tratado como fenómeno generalizado e localizado. Ao oferecerem uma série de descrições coincidentes mas dificilmente padronizáveis, os Situacionistas Franceses foram incapazes de chegar a uma uniformização da sua construção teórica. Analisaram os vários movimentos do Espectáculo sem demonstrar qualquer relação entre eles. Felizmente, o tombo teórico daí resultante contaminou apenas uma muito pequena parte do movimento revolucionário.

Tradução de: Home, Stewart (1985), “Basic Banalities”, in Home, Stewart (ed.), What is Situationism? A Reader, 1996, Edinburgh/San Francisco, AK Press, pp. 103-106.

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