João Caetano, músico e fundador da Macau Records: “Macau é um hub de arte e cultura bastante bom”

Depois de lançar “Rythm of Fado”, em 2018, João Caetano, músico português residente em Londres, apostou na produção do primeiro trabalho discográfico de Maria Monte que marca o lançamento da Macau Records. A nova editora pretende ajudar músicos locais a ter uma carreira lá fora. Com raízes profundas em Macau, onde nasceu e cresceu, o músico fala da sua paixão pela cultura portuguesa e pela conexão entre o Fado e outros estilos musicais, algo que estará presente no seu próximo disco

 

Acabou de produzir o primeiro disco de Maria Monte, onde trabalhou com músicos de jazz conceituados.

Isto veio coincidir com o lançamento da editora Macau Records. Para já o foco é a editora, que tem o objectivo de trabalhar a carreira e as produções de artistas independentes que não tenham muita facilidade em manobrar… o mundo da música está tão diferente que é difícil para a maior parte dos músicos entender um bocado o que fazer face às plataformas digitais. São muitas e, no fundo, a ideia por detrás da Macau Records é focar a sua carreira e tentar desenvolvê-la focando-a na Ásia. A curto prazo o objectivo será exponenciar o alcance da música do EP da Maria Monte. Queremos criar esta ponte entre grandes músicos internacionais e artistas que tenham raízes e tradições portuguesas e também com Macau, que são as pessoas com quem eu tenho uma maior ligação neste momento.

Num mercado como o de Macau, que é pequeno, os desafios de começar com uma editora deste género devem ser muitos.

A grande questão que rodeia a indústria da música é onde focar a atenção dos artistas. O que devem fazer, onde e no que trabalhar. Hoje em dia um artista não é só um músico, tem de comunicar e tem de ter uma grande exposição nas redes sociais, e entender as plataformas digitais. Esse é o desafio. Estudámos as notas musicais mas não estudamos a forma como a música está a passar para um universo muito mais dinâmico.

Que comentário faz aos projectos musicais que têm surgido em Macau?

Há, obviamente, o circuito de Macau, que é uma cidade muito pequena. O meu objectivo para o desenvolvimento da música e produção é conseguir fazer esta ponte entre os talentos internacionais e o território de Macau. Quero trazer não só o nome de Macau para fora, daí o nome “Macau Records”, mas também trazer artistas de todo o mundo. Sei que há festivais em Macau que são muito importantes para as várias culturas que aí existem, e é importante não nos esquecermos desta parte. É importante que estes eventos não se percam, como o Festival da Lusofonia, ou o Fringe. Macau é um hub de arte e cultura bastante bom. A dificuldade é como se cultiva o talento em Macau para conseguir ser comunicado fora e fazer essa ponte para que haja projectos de música e arte em conjunto. Há muitos eventos em Macau de altíssima qualidade, mas como se exporta o talento de Macau?

Haverá projectos amadores, mas acredita que os artistas de Macau têm a qualidade e capacidade para transpor fronteiras?

Acredito que sim. Conheço músicos italianos em Macau e que se fossem mostrados e ouvidos cá fora e trabalhados no mercado internacional tenho a certeza de que seriam bem recebidos. Qual a grande mensagem que se pode dar a um artista hoje em dia? Perceber qual o nosso factor diferenciador do resto do mundo. E é aí que a Macau Records vai ser muito importante, no desenvolvimento do factor-x dos músicos e trabalhá-lo.

Depois do lançamento do EP da Maria Monte, já têm mais artistas em carteira?

Sim. Neste momento estamos em conversações com vários artistas que estão agora a lançar trabalhos, mas não posso avançar nomes. Há muito trabalho, e muito interessante, que está a ser falado. Acho que a Macau Records vai trazer novos nomes para o mercado da Ásia e internacional.

Como é deixar a faceta de músico para editar outros músicos?

O EP da Maria Monte, que despoletou o meu trabalho como produtor, foi feito à distância. O facto de perceber que é possível trabalhar em estúdios a partir de qualquer parte do mundo, e fazer este trabalho com pessoas com as quais nos identificamos, fez-me pensar que é possível ser uma ponte virtual independentemente do local onde os músicos se encontram. A minha faceta como produtor já existe há muitos anos porque sempre produzi as minhas coisas. Fui sempre muito acarinhado e motivado por grandes nomes da música em Portugal, como o Jorge Fernando, o Paulo Abreu de Lima, a Ana Moura. Este trabalho da Maria Monte vem com esse peso em cima dos ombros, da responsabilidade de criar uma voz que ainda não era conhecida. O meu papel como produtor esteve sempre mano a mano com o meu papel como músico. Quando toco e faço música estou sempre a pensar no produto final e na forma como é comunicado. A editora [Macau Records] foi perceber que não é preciso estar presente fisicamente nos sítios [para produzir música].

No fundo, a pandemia acabou por alterar a sua forma de olhar para o processo criativo da música.

Há menos limites. A pandemia forçou-nos a pensar na utilização das ferramentas que existem de uma forma mais profunda, porque as plataformas digitais sempre existiram. A maior parte dos músicos que conheço olha para estas plataformas de uma forma muito mais dinâmica.

O seu último álbum, “Rythm Fado”, foi lançado em 2018. Tem sido bem aceite pelo público?

O feedback tem sido muito positivo e estou a preparar o meu segundo álbum. Infelizmente o Paulo Abreu de Lima faleceu, ele era o escritor com quem trabalhava, mas vou continuar a usar os poemas do Paulo. O trabalho dele vai sempre estar presente na minha música. Esta minha exploração do ritmo do Fado, do ritmo português, e de poder pintar com ritmo a tradição do Fado… uma coisa que tem sido absolutamente importante para mim é a forma como fadistas e produtores em Portugal, as pessoas na música, têm comentado o meu trabalho e é isso que me dá força para continuar.

Este segundo álbum também pretende dar uma nova roupagem ao Fado ou às sonoridades mais tradicionais da música portuguesa?

Sim. O meu grande foco é este, é como pintar o Fado ritmicamente, misturando o jazz. O jazz, no fundo, é isto, é como eu olho para uma situação musical que está à minha frente e como vou abordá-la à minha maneira. Quanto mais competente for o músico mais profundo é o jazz. Esse é o meu grande objectivo no meu trabalho a solo. Sou uma pessoa com várias facetas, sou músico, produtor, sou comunicador. Gosto de viajar e tenho uma paixão imensa por tocar ao vivo, e no fundo é muito importante para mim poder sempre regressar às raízes. E regressar às raízes é Macau, por isso é que a editora se chama Macau Records. É um pêndulo que está sempre ali. Agora quero focar-me mais no álbum da Maria Monte, porque para já é importante fazer o pontapé de saída da Macau Records.

Porque é que as sonoridades tradicionais o preenchem mais?

A minha grande paixão pela cultura portuguesa vem não só da música que os meus pais ouviam mas também porque desde muito novo fiz parte do grupo de danças e cantares de Macau. A minha exploração da música folclórica e portuguesa veio sempre aliada à música que se ouve na rádio e os grandes lançamentos. Por isso é que gosto de integrar os elementos das minhas raízes culturais, enquanto pessoa, com a música que toda a gente ouve, a world music, o jazz, a pop. A minha paixão vem disso, de tentar unir estes dois lados.

O facto de ter crescido em Macau mudou-o e definiu-o como músico?

A grande influência para eu poder pensar internacionalmente na música vem do lado da minha mãe. Ela produziu e realizou imensos concertos em Macau para a TDM e tive sempre muito contacto com vários músicos do jazz e da música portuguesa. Creio que essa conexão que tinha fez com que eu não tivesse receio de sair de Macau e poder explorar o caminho cá fora. Não há apoio suficiente ainda em Macau para pessoas fazerem aquilo que eu fiz. Se o seio familiar não for muito forte não há canais suficientes de apoio para podermos perceber qual o espaço a dar para ter uma carreira de músico a nível mundial, e é aí que entra a Macau Records. Temos o know-how, os contactos, como fazer, as plataformas. É a diferença entre ser um músico local e um músico internacional. Era isso que faltava em Macau.

A pandemia fomentou a sua criatividade, ou aconteceu o oposto?

O álbum da Maria Monte foi uma experiência muito boa e positiva, porque fizemos um trabalho com músicos de todo o mundo. O importante é não perdermos a nossa chama e acreditarmos no nosso trabalho. Depois as plataformas aparecem. Tenho criado e focado em coisas que eram banais, como beber café e tomar banho de manhã. Essa beleza foi ampliada e isso ajuda à criatividade, à composição. Temos de acreditar que vamos voltar aos palcos e às viagens.

Pretende voltar a Macau em breve para um concerto?

Voltar a Macau está sempre nos planos, infelizmente este ano não consegui. Mas tenho a certeza de que quando os governos tiverem um plano mais esclarecedor em relação ao que fazer, tudo vai acontecer.

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