Jogo | Economistas alertam para resultados abaixo das expectativas do Governo

O Governo prevê que as receitas do jogo cheguem a 130 mil milhões de patacas este ano, mas os economistas Albano Martins e José Sales Marques alertam para o excesso de optimismo e para a possibilidade de os números serem bem diferentes. A desilusão pode começar já no Ano Novo Chinês, que deverá ter menos visitantes do que é esperado

 

O economista Albano Martins considera que tudo joga contra o optimismo do Governo na previsão de receitas do jogo para 2021, apesar de ser um dos territórios mundiais mais seguros no controlo da pandemia.

A tradição conservadora do Executivo na previsão das receitas do jogo no orçamento deu lugar a um invulgar optimismo, estranhou o economista, que duvida que o valor arrecadado se aproxime das projecções anunciadas para a capital mundial do jogo, que assinala agora um ano desde que registou o primeiro caso de covid-19, uma mulher natural de Wuhan, na China.

“Tudo joga contra a expectativa dos 130 [mil milhões de patacas de receitas] para este ano. O montante permanece uma grande incógnita, mas acredito que seja melhor do que em 2020, que foi uma catástrofe. Mas não os 10,8 [mil milhões de patacas], a não ser que o Governo de Macau tenha informação privilegiada”, procurou resumir, em declarações à Lusa.

“Nunca vi a Administração ser tão optimista, ela que é normalmente tão conservadora”, enfatizou o economista.
O Governo de Macau estimou que o jogo possa render 130 mil milhões de patacas este ano, mesmo assim, metade do valor projectado inicialmente no Orçamento de 2020. “A técnica habitual nos orçamentos é subestimar receitas e maximizar despesas para não haver ‘buraco’”, explicou.

Contudo, isso pressupõe que em média os casinos consigam ter receitas mensais de 10,8 mil milhões de patacas. Isto quando em Dezembro, o melhor mês em 2020 para as concessionárias da capital mundial do jogo no período pandémico, as receitas foram de 7,8 mil milhões de patacas.

“A não ser que o Governo de Macau tenha informação privilegiada de Pequim, algo como um aval da China que permita perceber que ainda este ano, por exemplo, se verifique um crescimento do segmento VIP, e que pode valer mais de metade da receita”, admitiu Albano Martins, que salientou as restrições nos fluxos turísticos, com o segmento de massas a ser fortemente afetado.

“É muito difícil de prever, há demasiadas variáveis, sendo uma delas o facto de a China estar bem ou mal-humorada, de poder fechar ou abrir a torneira”, em especial num período em que têm aumentado os casos, contrariando a ideia de que o país tinha a situação pandémica completamente controlada, até porque a maioria dos contágios resulta de surtos locais.

Ano Novo, vida velha

Também à Lusa, o economista José Luís Sales Marques defendeu que a economia deve viver em Fevereiro “um Ano Novo Chinês invernoso”. Em causa está o facto de Pequim e depois a China terem desencorajado a população a viajar por altura do Ano Novo Lunar chinês, quando tradicionalmente tem lugar a maior migração interna do planeta, e Macau regista habitualmente um crescimento significativo do fluxo turístico e enchentes nos casinos.

“As recomendações (…) e o aumento dos casos na China a impressão que temos é que vamos ter um Ano Novo Chinês invernoso”, estimou Sales Marques, agora que se assinala um ano desde que o território registou o primeiro caso de covid-19, mas está há cerca de sete meses sem identificar qualquer contágio. “É muito cedo para tirar conclusões, mas a perspectiva não é muito encorajadora”, ainda que seja o “princípio do ano e se espere que, com a vacina, as previsões possam ser mais positivas”, acrescentou.

Recuperação tímida

Sales Marques sustentou que manda a prudência não se fazer qualquer tipo de prognóstico em relação ao comportamento da economia de Macau para 2021, sobretudo na área do jogo, que tem evidenciado uma recuperação tímida, mas com muitas variáveis difíceis de analisar.

“Os dados sobre o mercado VIP não são famosos”, exemplificou. Em Dezembro, o melhor mês de 2020 durante o período da pandemia, “o peso do mercado VIP no jogo foi apenas de 26 por cento, quando normalmente é de metade”, justificou.

Sales Marques admitiu a dificuldade de fazer previsões num contexto pandémico, mas defendeu que “quando o Executivo fez as projecções, obviamente que tinha elementos à sua disposição e procuraram ser razoavelmente prudentes”.

O economista duvida que este ano se venham a repetir as ajudas financeiras governamentais de 2020, sem precedentes e dirigidas à população e pequenas e médias empresas. “Não existem mais dados de que venham a ser dados mais apoios. De resto, não está orçamentado pelo Governo, e existem expectativas de que a economia regresse um pouco à normalidade”, salientou. Contudo, “se alguma vez a situação piorar, é evidente que o Governo terá de tomar outra atitude, admitiu.

Derrocada de visitantes

No ano passado, o território perdeu 85 por cento dos visitantes em comparação com 2019, segundo dados da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC) ontem divulgados. Em 2020 entraram 5.896.848 visitantes no território, longe dos quase 40 milhões registados no ano anterior.

O período médio de permanência dos visitantes foi de 1,4 dias, mais 0,2 dias, relativamente a 2019. A esmagadora maioria dos visitantes, mais de 4,7 milhões, veio da China continental, segundo a DSEC.

A China continental beneficia de excepções face às restrições fronteiriças determinadas no âmbito do combate à pandemia do novo coronavírus. Os últimos dados apontam para um aumento de 3,6 por cento em Dezembro, em relação aos números de Novembro, mas um decréscimo de 78,6 por cento quando comparado com o mesmo mês de 2019.

Neste momento, e segundo o ‘ranking’ da plataforma ‘online’ Worldmeter, que reúne estatística mundial sobre a pandemia, Macau encontra-se no fundo da tabela em termos de casos e óbitos por covid-19, estando ao lado de territórios como Ilhas Salomão, Samoa, Micronésia, Vanuatu, Cidade do Vaticano e Ilhas Marshall.

Sector VIP instável e ligeira recuperação no segundo semestre, diz Bernstein

Analistas da consultora Stanford Bernstein defendem que o sector do jogo pode “recuperar no semestre de 2021 e atingir a retoma em 2022, com o regresso à normalidade no ambiente de operações e no mercado bolsista”. Em relação ao jogo VIP, as previsões apontam para alguma instabilidade este ano, cenário que se deverá prolongar até 2022.

“O sector VIP vai continuar a sofrer com o escrutínio das transferências de dinheiro e as preocupações de clientes e agentes na relação com os junkets. No entanto, tal pode resultar num impacto positivo para o jogo de massas directo e premium”, com a transferência de clientes do segmento VIP, explica o comunicado da consultora citado pelo portal GGRAsia.

Macau irá continuar a sofrer alguma instabilidade este ano no que diz respeito à vinda de turistas da China, uma vez que persistem “obstáculos” quanto à emissão de vistos e a necessidade de apresentação de testes à covid-19 negativos.

Além disso, há também o impacto negativo da “contínua suspensão” dos vistos turísticos para excursões. “Muitos clientes de Macau estão a adiar viagens, mesmo ao nível do consumo premium, enquanto as viagens na China recuperam. Não esperamos nenhuma abertura na bolha de viagem [sem a realização de uma quarentena obrigatória] com Hong Kong até finais do primeiro trimestre, ou mesmo no segundo”, frisaram os analistas.

“As restrições de viagem relacionadas com Macau não serão eliminadas até ao segundo semestre de 2021”, adiantaram os analistas da Bernstein, mas poderá haver uma “forte” melhoria nas receitas do jogo de massas e no número de visitantes assim que as opções de viagem “regressem ao normal”.

Quanto ao desempenho dos casinos, a Bernstein prevê que o segmento do mercado de massa chegue 75 por cento dos valores de 2019, com o sector VIP a aproximar-se apenas dos 50 por cento.

“O sector já está a atingir um melhor EBITDA [lucros antes de impostos, juros, depreciações e amortizações] com os actuais níveis de receitas e a projecção da forte recuperação do sector de massas (e do segmento não jogo) deverá registar-se um aumento do crescimento dos lucros EBITDA”, lê-se.

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