Óbito | Sheldon Adelson, o homem que revolucionou o jogo de Macau na liberalização 

Viu o que mais ninguém conseguia ver, e exportou para Macau o modelo de negócio de Las Vegas, com o conceito de casino-resort e novas formas de financiamento e de gestão do jogo. Sheldon Adelson morreu esta terça-feira aos 87 anos, vítima de doença prolongada, e é tido como um visionário que mudou para sempre a forma de jogar no território

 

Até o Sands ser inaugurado na península de Macau, em 2004, um casino era apenas isso: um espaço de jogo fechado, onde o único intuito era tentar fazer milhões. Com a entrada da Sands China no mercado e com a inauguração do empreendimento Sands, tudo mudou. Pela primeira vez, um turista não ia ao casino apenas jogar, ia também ver o que por lá se passava fora das salas de jogo.

O fundador do império de casinos Las Vegas Sands e principal financiador do Partido Republicano, nos Estados Unidos, Sheldon Adelson, era filho de imigrantes judeus, criado com dois irmãos numa quinta de Boston. Com o jogo tornar-se-ia num dos homens mais ricos do mundo, uma vez que, em 2018, a revista Forbes classificou-o como o 15.º homem mais rico dos Estados Unidos, com uma fortuna estimada em 28,8 mil milhões de euros. “Se fizermos as coisas de forma diferente, o sucesso segue-nos como uma sombra”, afirmou em 2014, durante uma conferência para a indústria de jogos, em Las Vegas.

A Sands China reagiu, em comunicado, ao falecimento do seu grande mentor. “Adelson representava a verdadeira definição de pioneiro, empresário e filantropo. Nunca esqueceremos as suas contribuições para o desenvolvimento de Macau, que remontam à sua corajosa visão de criar a faixa do Cotai”, pode ler-se.

Em Macau Sheldon Adelson foi uma figura central na liberalização do jogo. Foi ele que introduziu o conceito de casino-resort e que olhou para o Cotai com outros olhos. Com a inauguração do Venetian, em 2007, Macau passava a ter uma Veneza em ponto pequeno e um factor diferenciador para o turismo chinês.

A importância de Adelson em Macau é tanta que é comparado, por vários analistas, a Stanley Ho, desaparecido em Maio do ano passado. “Pouco menos de um ano depois de Stanley Ho, morreu outro visionário”, afirmou à Lusa o advogado Pedro Cortés.  “Macau deve muito daquilo em que se transformou ao senhor Sheldon Adelson, que recebeu em dobro aquilo que deu à região. Morreu um dos grandes nomes da indústria que, a par de Steve Wynn, ajudou a mudar a face de Macau depois de 2002”, reforçou.

Também o advogado Óscar Madureira, ouvido pelo HM, traça um perfil semelhante. “[Sheldon Adelson] teve a importância, depois da liberalização do jogo, que o Stanley Ho teve numa outra fase. Apostou numa zona que não era importante [o Cotai]. Reconheceu ali o local onde iria nascer o jogo e criou o primeiro resort integrado de Macau. Foi lá criada a primeira arena, trouxe os espectáculos de boxe, o Cirque du Soleil.”

Para Fernando Vitória, ex-assessor da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ), o magnata “modificou o panorama do jogo em duas áreas”. “Importou a visão que tinha dos casinos para Macau de uma forma quase literal, introduziu duas ideias interessantes e que fizeram com que Macau tenha dado um salto qualitativo e quantitativo em relação à qualidade do jogo e à forma como ele era apresentado ao público. Teve a noção do casino-resort. A segunda grande ideia que ele trouxe foi uma gestão aberta e moderna dos casinos, que incluía uma certa inovação no financiamento dos casinos. Isso provocou um choque em Macau.”

Fernando Vitória recorda “que os funcionários da Sociedade de Jogos de Macau (SJM) ficaram extremamente curiosos sobre a forma como ele conseguia obter tanto financiamento e tão rápido, e como entrou imediatamente na bolsa de valores de Hong Kong. Foi um factor de arrasto para os outros casinos, até para a própria SJM”.

Ousadia e inovação

Óscar Madureira considera que a Sands China “é, de longe, a melhor operadora de Macau”, por ter “as propriedades mais diferentes, que oferecem um produto mais diversificado, o que tem uma oferta no ramo do entretenimento, das convenções, da própria experiência de compras”.

Tal deve-se à ousadia e inovação de Sheldon Adelson, que soube “arrastar uma nova classe de empresários de jogo para o Cotai”, destaca Fernando Vitória. Aquando da liberalização, “ficámos surpreendidos pela forma como ele se apresentou, era o homem capaz de transformar o Cotai”, recorda o ex-assessor da DICJ.

“O Cotai não estava planeado para casinos, e pensava-se que Macau já tinha muitos casinos e que aquela seria mais uma zona de diversificação da economia. Como aquilo não andava, ele propôs avançar com um casino ali, e todos diziam que seria um investimento suicida. E depois apareceu a Venetian e todas as outras concessionárias correram para o Cotai.”

Outra inovação de Sheldon Adelson foi a aposta na Cotai Water Jet, que trouxe novas carreiras de barcos entre Macau e Hong Kong. “Na altura era uma coisa impensável porque havia o monopólio do Stanley Ho, e, no entanto, Sheldon Adelson atirou-se para a frente e conseguiu. A meu ver foi a grande personagem que se atreveu, teve uma ousadia extraordinária, de ver como Macau, apesar de pequeno, conseguiu ser uma outra Las Vegas”, destaca Fernando Vitória.

“Fácil de lidar”

Manuel das Neves, ex-director da DICJ, privou de perto com Sheldon Adelson quando este chegou ao mercado de Macau. Recorda-se de “uma das figuras mais importantes na era da pós-liberalização”, alguém que “expunha as suas ideias de forma vigorosa, uma pessoa fácil de lidar, tal como os outros magnatas de jogo”.

A inovação de Adelson contrastou com as ideias das autoridades de Macau, mas depressa o impasse se resolveu. “Adaptámo-nos e sabíamos que as coisas iam ser diferentes. Nos primeiros tempos houve alguns pequenos desentendimentos, mas foram facilmente ultrapassados. Eles [Governo de Macau] não estavam habituados à forma de Las Vegas, onde há uma diferente fiscalização, com auditorias periódicas, enquanto aqui em Macau temos inspectores nos casinos. Mas eles adaptaram-se e nós também.”

Depois da inauguração do Sands e do Venetian, a operadora construiu ainda o hotel Four Seasons e o The Plaza Macau, seguindo-se, também no Cotai, o Sands Cotai Central e o The Parisian Macao. Apesar de Sheldon Adelson ter iniciado a construir a sua riqueza nos Estado Unidos, foi através dos investimentos em Macau que a sua fortuna explodiu. Os casinos em Macau geraram 63 por cento da receita da empresa, de 13,7 mil milhões de dólares, seguidos de Singapura, que representaram 22 por cento da receita do ano passado, e só depois os dos Estados Unidos. “A verdade é que ganhou mais em Macau do que em Las Vegas desde 1988 quando adquiriu o Sands por 184 milhões de dólares”, defendeu Pedro Cortés.

Apesar da sua morte, Glenn McCartney, professor na área do turismo da Universidade de Macau, defendeu que o legado de Sheldon Adelson vai continuar em Macau até porque está para breve a inauguração de mais um resort integrado do grupo, o Londoner, que representou um investimento total de 2,2 mil milhões de dólares.

“Mesmo após a conclusão das propriedades, Adelson permaneceu inabalável no seu desejo de continuar a investir em Macau. Os nossos corações pesam perante a oportunidade perdida de desfrutar do seu carisma, encanto e orgulho na abertura do The Londoner, mas consola-nos saber que o seu espírito estará certamente presente na revelação da última manifestação da sua visão arrojada, uma visão reforçada pela sua confiança resoluta em Macau e na sua população”, frisou a Sands China.

Governo manifesta pesar

O Governo manifestou esta terça-feira pesar pela morte do magnata norte-americano dos casinos, Sheldon Adelson, lembrando que ajudou a tornar o território na capital mundial do jogo. “O Sr. Sheldon Adelson promoveu o desenvolvimento da companhia em Macau. O Governo da RAEM manifesta o seu pesar pelo falecimento do Sr. Sheldon Adelson e apresenta à família as sentidas condolências”, acrescentou a nota.

Lado político

Fervoroso apoiante do Partido Republicano e grande financiador da campanha de Donald Trump para as presidenciais norte-americanas, Sheldon Adelson deixa também um legado na política, além do seu lado empresarial. Contundente, mas reservado, Adelson era descrito como um chefe político antiquado e destacava-se da maioria dos judeus norte-americanos, que são, há décadas, apoiantes tradicionais do Partido Democrata. Financiou várias campanhas políticas dos republicanos, chegando a ser considerado como o “pilar financeiro do Partido Republicano” e, nos últimos anos de vida, estabeleceu vários recordes de contribuições individuais. Adelson era um defensor ferrenho do Presidente Donald Trump e do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu. Também o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, reagiu à morte de Sheldon Adelson, garantindo que “será para sempre lembrado” pelo seu trabalho de fortalecimento das relações entre os EUA e Israel.

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