Quando for grande

A escritora sueca, Lena Norlén, de 42 anos, mais conhecida como poeta e dramaturga do que como escritora, publicou um romance em 2019 cujo título é «Quando For Grande Quero Ser Leitora». Trata-se de um romance irónico, evidentemente, mas que tem muito de factual. Ela parte da constatação de que todos querem ser escritores, embora sejam poucos os que lêem. O pequeno romance, pouco mais de 100 páginas, conta a história de Olga, uma menina que cresce em Hudiksvall, pequena cidade costeira no mar Báltico a 300 km a norte de Estocolmo. O romance cobre os anos de infância, muito poucas páginas, e adolescência, o resto do romance. Em criança, Olga passa os dias a ler livros em casa, não apenas por ser filha única, mas porque também não se sente atraída pelas imagens dos ecrãs e dos monitores. Lê-se, à página 24: «Mas é na adolescência, aos 14 anos, que a leitura começa a tornar-se algo importante, que se destaca de tudo o resto que fazia no mundo, quando lê pela primeira vez “A Nossa Necessidade de Consolo É Impossível de Satisfazer” de Stig Dagerman: “Não possuo filosofia em que possa mover-me como peixe na água ou o pássaro no céu. Tudo em mim é um duelo, uma luta travada a cada minuto da vida entre falsas e verdadeiras formas de consolo.” Estas palavras fizeram Olga descobrir o seu corpo, partes que nunca pensara que existiam, que não faziam parte dela. Mas descobriu algo ainda mais importante: que existia dentro dela o desconhecido, que só vibrava com o que lia. E o que lia, agora, fazia-a também sentir o mundo de modo diferente.

Outra passagem, que leria vezes sem conta e de tantas maneiras diferentes, transformou-lhe os olhos em lago: “Na verdade nada do que é importante e acontece e me faz vivo, tem a ver com o tempo. O encontro com um ser amado, uma carícia na pele, a ajuda no momento crítico, a voz solta de uma criança, o frio gume da beleza – nada disso tem horas e minutos. Tudo se passa como se não houvesse tempo.” A ideia de a beleza ser a kriptonita do tempo nunca a abandonou. Evidentemente teremos de esperar para saber como irá ler essa passagem aos 40, 50 ou 60 anos de idade.»

Depois deste trecho temos de explicar um pouco como a narrativa é desenvolvida por Lena Norlén. O livro começa com a narradora, que é professora de Olga no liceu e cujo nome nunca é revelado, nem sequer a disciplina que ensina, a contar a história da sua aluna, por julgá-la singular no mundo de hoje. A narradora raramente se intromete na narrativa, a não ser aqui e ali, como na última frase que citámos. E é nesse início que a professora diz como teve a ideia de escrever este livro: «A ideia ocorreu-me quando ela me disse que quando era pequena e lhe perguntavam o que queria ser quando fosse grande era leitora. Agora perguntava-me: “que curso devo tirar para ser leitora toda a minha vida?” Não lhe importava a matéria de estudo, desde que lhe permitisse ser leitora, foi o que entendi.» A partir daqui vemos a história de Olga, a menina que queria ser leitora quando fosse grande.

A história não se desenrola apenas através da leitura, embora grande parte seja através dela. Podíamos dividir o livro em três partes: as primeiras 5 páginas, onde a narradora explica o que vai fazer; as próximas 20, onde descreve panoramicamente a infância de Olga; e o resto do livro, dos 14 até ao momento em que Olga vai para a universidade em Estocolmo aos 17 anos. É nestes quatro anos, em que Olga frequenta o liceu Hudikgymnasiet, em Hudiksvall, que se passa grande parte do romance. Olga não tem apenas uma relação forte com a leitura, a partir dos 14 anos, tem também com a música pop e com o sexo. Lê-se à página 76: «Perante a perplexidade de uma amiga, Anna, que não percebe porque é que ela não quer ser escritora, se gosta tanto de ler, responde com alguma graça: “Também gosto muito de sexo e não pretendo ter uma carreira na pornografia.” Riram-se as duas. Cada uma para seu lado, entendendo diferentemente o que entendiam, mas unidas pela gargalhada.»

Talvez não seja um livro de excelência, como alguns que trouxe aqui às páginas deste jornal, ou como a poesia a que Lena Nórlen nos habituou, mas é sem dúvida um livro que nos traz um tema pertinente, o de querermos ser escritores e lermos muito pouco – para parafrasear a resposta de Olga, fazemos muito mais sexo do que lemos e nem por isso queremos fazer filmes porno –, e o de nos fazer pensar com leveza, que é uma arte difícil, como todos os leitores sabem.

* A tradução usada do livro  “A Nossa Necessidade de Consolo É Impossível de Satisfazer”
é da Editora VS., 2018

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