Cartas de Amor

Caras Gentes Amorosas e Sexuais,

Por sugestão da Esther Perel, tentarei promover a escrita de cartas. A Esther Perel é das mais conceituadas terapeutas nestas coisas do sexo e dos relacionamentos românticos. Ela explora o equilíbrio entre a necessidade por liberdade e segurança quando estamos com alguém, e o seu espaço de contacto. As cartas não são nada mais, nada menos, que um processo para dar sentido aos outros e a nós próprios. Escrever materializa o que nos vai na cabeça de forma banal, mas também sistematiza as ideias e até dá expressão ao inexplicável.
O poder maravilhoso das cartas é que elas são dirigidas a alguém. São um espaço de reflexão onde até podem ser exercitados cenários, possibilidades e mundos alternativos. A Esther Perel sugere que o truque está em distinguir o que deve ou não ser partilhado com o outro, especialmente se a carta tiver um endereço definitivo de envio. Se ficar para sempre na gaveta talvez não seja preciso esse cuidado todo. Deixem fluir. No outro dia encontrei uma carta da avó falecida que destilava a bílis pelo noivo que deixou a filha no altar. A carta cumpriu o seu propósito só por existir. Os dilemas relacionais do nosso dia-a-dia são de algum modo trabalhados nesta tentativa de contarmos a nossa história.
A sugestão não podia ser mais simples, caras gentes, escrevam cartas. Cartas de amor às paixonetas correspondidas ou não, cartas de sexo e eróticas, cartas de conclusão, fecho, libertação e cartas de perdão. Ganham ainda mais pontos se escreverem à mão com boa ortografia – uma actividade em vias de extinção graças ao malfadado corrector digital. Uma máquina de escrever para o efeito também não soa mal. Esta é uma forma de relação com as palavras bem distinta das constantes mensagens curtas e instantâneas que nos enchem os telemóveis por todas as redes sociais existentes – e que de alguma forma têm permitido manter a superficialidade das relações e dos contactos.
A intimidade com as palavras não é exclusiva de quem se sente mais confortável com elas. A relação com as palavras é única de cada um e revela mundos interiores riquíssimos onde se vive o sexo e o amor. Onde se vivem também os tabus, as fantasias, os bloqueios e as alegrias. Criar um espaço de expressão individual e relacional tem sido raro (apesar de ter cá para mim que a pandemia obrigou a maior honestidade emocional do que o normal), e a experiência sensorial do papel, da caneta e do movimento também. A empatia é trabalhada quando não se perde de vista a conexão, e apesar de existirem formas não verbais de fazer isso – tipo, sexo – as narrativas que partilhamos formam elos de ligação.
Agora que estamos no final do ano e os correios por todo o mundo estão caóticos – muito graças ao consumismo desenfreado que infelizmente se multiplica – existirão certamente, cartas. Há uma parte de mim que gostaria que fossem daquelas cartas longas e emotivas de quatro páginas, para além do tradicional cartão de Natal, com a mensagem típica da época. Não vejo actividade mais oportuna para um ano que nos obrigou a muita reflexão, e em alguns casos, solidão e isolamento. Tudo bem que a internet foi uma salvação, mas deixem-me romantizar a simplicidade da escrita em papel, que quando enviada precisa do seu tempo para chegar ao destino, e depois, do seu tempo para regressar.

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