Cozinhados políticos

Quando Ho Iat Seng se candidatou ao cargo de Chefe do Executivo afirmou que quem tem coragem para servir Macau, não pode ter medo de lidar com o fogo. Se tivesse querido uma vida tranquila, teria permanecido como Presidente da Assembleia Legislativa.

Em menos de dois meses, após ter assumido funções como quinto Chefe do executivo da RAEM, a epidemia do novo coronavírus deflagrou em Wuhan, tendo-se depois alastrado ao resto do mundo. Com o encerramento de fronteiras entre países e regiões, Macau tornou-se subitamente numa ilha isolada. Os turistas desapareceram e a cidade regressou à sua antiga tranquilidade. Todas as actividades dependentes do turismo, como o jogo, o comércio de souvenirs, de joalharia, as farmácias e os restaurantes, foram severamente atingidas pela pandemia. Quando o restaurante não tem clientela, o que é que o gerente deve fazer?

No recentemente publicado Relatório das Linhas de Acção Governativa para o Ano Financeiro de 2021, faz-se menção à “aceleração da recuperação da economia”, que basicamente depende de “ acelerar a recuperação do desenvolvimento do sector do turismo e aumentar o investimento no que se refere às infra-estruturas”.

Mas antes da vacina contra a covid-19 estar disponível, a “recuperação do desenvolvimento do sector do turismo” não passa de palavras vãs. No que diz respeito a “aumentar o investimento no que se refere às infra-estruturas”, os trabalhadores da área da construção são sobretudo não residentes, por isso esse investimento só iria beneficiar as construtoras e não daria nenhuma garantia de emprego aos trabalhadores. Assim, a “garantia de emprego” não passa de um slogan. Quanto à “promoção da diversificação adequada da economia”, a maior parte das propostas apresentadas no Relatório não passam de ideias preliminares, cuja realização está dependente de planos concretos para o futuro.

Parece ser adequado dizer que este Relatório das Linhas de Acção Governativa que não contém nada de novo, limitando-se a manter as medidas principais em prol do bem-estar da população. Mas a auto-reflexão e a auto-crítica do Governo da RAE, mencionadas no Relatório, são dignas de louvor. Tal como Ho Iat Seng afirmou, na resposta à questão levantada por um deputado, é muito difícil encontrar alguém para servir o Governo. Todos preferem ser consultores a directores. Mas porque será? Ho Iat Seng não explicou, mas toda a gente sabe que o salário de um consultor é ligeiramente inferior ao de um director, no entanto o consultor não tem quaisquer responsabilidades. Assim, como lidar com este tipo de funcionários públicos?

Imaginemos que o Governo é uma cozinha. No caso particular de Macau, a cozinha não está sobreaquecida, mas está super-lotada. Demasiadas pessoas acotovelam-se para encontrar um bom lugar, mas ninguém tem vontade de cozinhar. Os poucos que estão encarregues desta tarefa, pensam que se disponibilizarem um menu variado já cumpriram a sua missão, sem se preocuparem minimamente com a qualidade dos pratos que servem. Devido à grande afluência de clientes, os empregados não conseguem garantir um bom atendimento e a comida não vale o que custa. Quando o turismo caiu a pique e o negócio foi por água abaixo tornou-se urgente arranjar uma solução. Mas para além de rezar pelo regresso dos clientes, não existe mais nenhuma saída.

Este restaurante não vai conseguir ultrapassar as dificuldades sem uma reforma total, e será apenas uma questão de tempo até acabar por fechar. Na resposta à questão do deputado, Ho Iat Seng sublinhou que temos de confiar que a recuperação do turismo vai tirar Macau das actuais dificuldades. Infelizmente, a recuperação do sector do turismo não depende de Macau.

Face às incertezas dos cenários doméstico e internacional, Macau tem uma oportunidade de proceder a uma rectificação transversal e profunda. Para que o Governo da RAEM possa levar a cabo a sua missão, é indispensável que implemente a supervisão, verificação e balanço da estrutura da Assembleia Legislativa.

O melhoramento dos mecanismos do hemiciclo é a maior prioridade. Ao responder à pergunta de um jornalista, Ho Iat Seng disse que iria estudar em profundidade a possibilidade de fazer ajustes no processo eleitoral tendo em vista o sufrágio directo, o sufrágio indirecto e a nomeação de deputados. Embora não saiba que reestruturações irão ser feitas, apenas sei que se o Governo de Macau não aproveitar este momento para fazer reformas em todos os sectores, vai ser uma oportunidade desperdiçada.

Se o Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, quiser saber a opinião do público sobre o Relatório das Linhas de Acção Governativa, terá de andar por Macau e falar com as pessoas. Afinal de contas, a fama da comida de um restaurante não depende só da publicidade, depende sobretudo da opinião dos comensais.

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