Investigação | Trump tentou investir no mercado chinês durante uma década

Ao longo de 10 anos, Donald Trump tentou investir na China, chegando mesmo a abrir um escritório em Xangai em parceria com uma das maiores empresas estatais chinesas, à qual esteve ligado até 2017, segundo apurou o The New York Times. As declarações fiscais mostram que entre 2013 e 2015 o Presidente norte-americano pagou muito mais impostos na China do que nos Estados Unidos, quase 200 mil dólares

 

[dropcap]A[/dropcap] posição de Washington face à China tem sido um dos principais tópicos da campanha de Donald Trump, que acusa sempre que tem um microfone à frente, ou um telemóvel nas mãos, o opositor na corrida à Casa Branca, Joe Biden, de ser brando com Pequim.

Bem ao género de um drama televisivo, o The New York Times revelou ontem o novo episódio com um artigo de investigação, baseado nas declarações fiscais do Presidente norte-americano, que levanta o véu sobre as tentativas de negócio de Trump na China.

Parte dos argumentos dos republicanos quanto à posição de fraqueza de Biden face a Pequim assenta nos negócios do filho do antigo vice-Presidente. Inclusive foi escrito num relatório de uma investigação do Senado norte-americano, liderada por senadores leais à Casa Branca, que Hunter Biden “abriu uma conta bancária com um empresário chinês”, algo que foi elencado como “uma de inúmeras ligações com estrangeiros e governos estrangeiros pelo mundo fora”.

Porém, um artigo publicado ontem no The New York Times detalha o historial de negócios de Donald Trump. Com base nas declarações fiscais do Presidente norte-americano, o jornal demonstra como tentou durante uma década investir, sem sucesso, em vários projectos na China. Aliás, durante a primeira campanha eleitoral na corrida à Casa Branca, e já depois de ser eleito, Trump tinha um escritório em Xangai e assinou uma parceria com uma empresa controlada pelo Governo chinês.

Outro detalhe revelado pelas declarações fiscais é que, afinal, a China é o terceiro país onde Donald Trump tem contas bancárias, além do Reino Unido e Irlanda. Estas contas não surgem na informação financeira pública do alegado magnata, onde estão listados os bens que detém, uma vez que pertencem a pessoas colectivas.

Sem que se conheça qual a instituição financeira, os documentos revelados pelo The New York Times indicam que a conta bancária chinesa é controlada pela International Hotels Management L.L.C., e que foram pagos 188.561 dólares em impostos ao Estado chinês devido a negócios para tentar comprar licenças entre 2013 e 2015.

Os registos fiscais do Presidente não detalham quanto dinheiro terá passado entre contas no estrangeiro, apesar de o fisco norte-americano obrigar os contribuintes a declarar rendimentos que tenham sido apurados noutros países.

O jornal nova-iorquino indica que as contas britânicas e irlandesas são usadas por empresas que operam os campos de golfe do universo empresarial de Trump na Escócia e Irlanda, e que estes declaram regularmente rendimentos na ordem dos milhões de dólares. Porém, a Trump International Hotels Management apenas declarou quantias na casa dos milhares de dólares na sequência dos negócios na China.

Patentes em Macau

Em Agosto de 2017, menos de um ano depois de ser eleito, foi noticiado pela agência Reuters que uma companhia ligada a Donald Trump conseguira a aprovação de várias marcas registadas em Macau. A DTTM Operations LLC, com endereço fiscal na Trump Tower, 5ª Avenida em Nova Iorque, recebeu a aprovação de quatro registo de marcas, segundo documentos publicados pelo Governo de Macau. As marcas referem-se a negócios nas áreas do imobiliário, construção, propriedade hoteleira, comidas e bebidas e infra-estruturas para conferências.

O licenciamento em Macau de marcas ligadas a Donald Trump data do ano de 2005, quando este registou a empresa DTTM and Trump Companhia Limitada.

Em Novembro de 2018, em plenas negociações da Guerra Comercial, o Gabinete de Registo de Marcas chinês aprovou 34 novas marcas, 16 delas em nome da Ivanka Trump Marks LLC.

Bicho da conta

Em resposta às questões endereçadas pelo The New York Times, um advogado da Trump Organization, Alan Garten, afirmou que a empresa “abriu uma conta num banco chinês, com balcões nos Estados Unidos, para poder pagar impostos” associados aos “esforços” para estabelecer negócios na China.

A conta foi aberta depois do escritório estabelecido em Xangai para explorar a possibilidade investir no sector hoteleiro. “Nenhum negócio, transacção ou actividade de negócio alguma vez se materializou e, desde 2015, o escritório está inactivo apesar da conta bancária permanecer aberta, sem ter sido usada para outro propósito”, adiantou o advogado ao jornal nova-iorquino.

Alan Garten não esclareceu qual o banco chinês onde o Presidente norte-americano tem a conta.
Importa recordar que, até ao ano passado, o Bank of China, a maior instituição bancária controlada pelo Estado chinês, arrendou três andares na Trump Tower, num acordo milionário que levantou suspeitas de conflito de interesses. Outro dado, noticiado em Abril pelo jornal Politico, é que Donald Trump deve 211 milhões de dólares ao Bank of China, dívida que vence a meio do segundo mandato, se for reeleito.

Torre em Cantão

Em 2008, Trump tentou negociar a construção de uma torre de escritórios em Guangzhou, um projecto que não chegou a sair do papel. Os esforços foram revigorados com a abertura do escritório em Xangai, em 2012, com a informação fiscal a que o The New York Times teve acesso a mostrar que a THC China Development L.L.C. fez 84.000 dólares em deduções nesse ano com viagens, taxas legais e custos de escritório.

Depois de entrar na China, a empresa de Trump assinou uma parceria com a State Grid Corporation, uma das maiores companhias estatais, controlada pelo Governo Central, com o intuito de desenvolver um projecto em Pequim. Mesmo durante os primeiros tempos na Casa Branca, Trump tentou levar avante o projecto, mas o escândalo de corrupção em que a empresa estatal chinesa se envolveu acabaria por colocar um ponto final no negócio.

Segundo os dados fiscais, e apesar de ser impossível determinar com precisão a quantidade de dinheiro gasto para fazer negócios na China, os registos mostram que terão sido investidos, pelo menos, 192.000 dólares em cinco pequenas empresas. Estas companhias pagaram impostos ao Estado chinês até 2018, através da THC China Development L.L.C., que as detinha.

Porém, a larga maioria dos negócios em solo chinês foi feita através da Trump International Hotels Management.

Déjà-vu eleitoral

Durante a campanha para as eleições de 2016, uma empresa de fachada controlada por um casal chinês comprou 11 fracções num prédio em Las Vegas de que Donald Trump é um dos proprietários, por 3,1 milhões de dólares.

Um empresário do sector financeiro sediado em Las Vegas contou ao The New York Times que fora visitado por dois agentes do FBI sobre a compra das fracções, uma vez que a empresa compradora terá usado a sua morada como o endereço oficial. Não foi apurado se a investigação prosseguiu, mas Alan Garten afirmou ao jornal de Nova Iorque que nunca foi contactado pelo FBI e não tem conhecimento de estar em curso qualquer investigação.

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