A saúde mental e o sexo

[dropcap]D[/dropcap]ia 10 de Outubro celebrou-se o dia da saúde mental. Foram imensas as publicações que trouxeram alguma consciência para o tema. Até poderia parecer que o sexo não tem nada a ver com isso, mas tem bastante.

Até 1973 a homossexualidade fazia parte do manual de doenças psiquiátricas, e até 1992 ainda se considerava uma doença pela organização mundial de saúde. A sexualidade humana está envolta em muitas amarras ideológicas, heteronormativas, que criam limites de um suposto normal e de um suposto desviante, ou psicopatológico. Uma vida de não-conformismo com uma visão do sexo e género tradicionais, exige uma luta constante por legitimidade, visibilidade e normalização. Não é por acaso que muitos estudos mostram a maior prevalência de ideação suicida em jovens LGBTQI. A forma como as sociedades ainda não acolhem a diversidade sexual traz consequências sérias à subjectividade. Um desajuste que ainda é fonte de conflito e de mau-estar. O problema não é o não-conformismo, o problema é que os outros não sabem ainda recebê-lo.

Neste dia da saúde mental não basta pensar nas psicologias fora da norma, mas nas condições que fazem com que sejam entendidas como tal. Sou eu que estou mal? Ou são os outros que não conseguem receber-me?

Alguns académicos defendem a inclusão da sexualidade nos modelos de saúde e bem-estar. Principalmente porque o sexo como prazer não é elaborado o suficiente. A literatura mostra os benefícios do sexo para a saúde mental, como por exemplo, no alívio do stress, na criação de auto-estima e no processo de vinculação com o outro. O sexo está no meio do que julgamos intimidade e relação. Mas raramente vemos esse tipo de discurso nos canais oficiais – normalmente vemos o foco no sexo, como procriação, e na prevenção de comportamentos de risco. Discursos oficiais também podiam explorar o sexo como potencial mecanismo para reestruturar as nossas emoções e vivências se existir aceitação identitária e sexual – que é tanto um processo individual como relacional. De novo, as psicologias dependem tanto do que acontece dentro de nós, como com o outro-macro-ecológico que perpetua significados do que é expectável ou não. O sexo está no centro destas dinâmicas.

Queria, contudo, ressaltar que, ao fomentar um discurso em que o sexo é tudo de bom, e que as pessoas saudáveis se entregam ao prazer com mais regularidade, corremos o risco de excluir a assexualidade como uma forma, igualmente saudável, de se viver. Quando se tenta relacionar o sexo e o bem-estar é necessária uma gestão e análise cuidada dos limites que se criam e se re-criam do que deve ser normal ou não: e como se inclui ou se exclui certas vivências.

O sexo como objecto social e como experiência vivida ajuda a propor uma visão integrada do bem-estar. A saúde mental ainda tenta dicotomizar o mundo entre normalidades e desvios, sem olhar para os espectros do bem-estar de forma contínua, tal como a sexualidade tenta propor. Só fazendo uso de uma visão integrada destas dinâmicas é que conseguimos dar resposta ao desafio de se estar neste mundo de diversidades e adversidades, onde a normalidade é continuamente, e felizmente, contestada.

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