Procurador nomeado entre os bacharéis de direito

[dropcap]O[/dropcap] Relatório dirigido ao Governador José Maria da Ponte e Horta (1866-1868) com o parecer sobre a espécie e extinção das atribuições que cumpre tenha o tribunal da Procuratura dos Negócios Sínicos da Cidade de Macau, apareceu na Parte Oficial do Boletim da Província de Macau e Timor de 25 de Março de 1867. Fora redigido por a comissão nomeada em portarias, a de 22 de Novembro de 1866, com João Ferreira Pinto como presidente, Dr. Alexandre Meireles de Távor e A. Marques Pereira, secretário relator e após exonerados dois vogais da comissão, por portaria de 6 de Fevereiro de 1867 juntaram-se Thomaz José de Freitas e Francisco António Pereira da Silveira.

“As circunstâncias que se davam quando V. Ex.ª tomou o governo, determinavam a urgência de um regulamento para a Procuratura dos negócios sínicos da cidade de Macau. Considerou V. Ex.ª atentamente essa urgência, e a letra do decreto que a reconhecera; mas considerou também que eram já aquelas circunstâncias em grande parte diferentes das que ditaram o mesmo decreto, pelo que, para a eficácia da reforma, convinha antes de se proceder à organização de um regulamento propriamente dito, se definissem as bases sobre o que tinha de ser feito, isto é, se demarcassem as funções e jurisdição da repartição de que se tratava. Este foi o assunto sobre que V. Ex.ª incumbiu a comissão de formular um parecer, enumerando-lhe com esclarecido critério quais as condições que eram indispensáveis se acordar para a sugestão de uma mudança legal e profícua.

A comissão em breves termos formulará as opiniões em que unanimemente assentou não só porque V. Ex.ª lhe deu a honra de assistir às suas principais discussões, mas também porque lhe parece que é geral o convencimento das necessidades que diligenciou atender.

O Procurador, que sempre teve de se corresponder em nome do governo com as autoridades do vizinho império chinês, a comissão crê de utilidade que se mantenha, não só porque na Procuratura existe o pessoal habilitado para tal serviço, que aliás é hoje pouco oneroso, mas também porque dificilmente se habituariam aquelas autoridades a dirigir-se a outro funcionário, tendo-as nessa prática a tradição de longo tempo.

É da mais incontestável necessidade, em Macau, a existência da Procuratura, pela insuprível utilidade que dela resulta como tribunal privativo de uma população especial. Entende porém igualmente que, para todos os casos em que tal especialidade se não dê, e também para que se vá gradualmente, e quanto possível, educando a população chinesa em nossas leis e modos de julgar, (…) deve o mesmo tribunal ser assimilado aos nossos de primeira instância, em tudo o que não ofenda a razão da sua existência. Neste sentido é indispensável que a forma de tribunal se lhe complete, desembaraçando-o das funções administrativas que ainda hoje desempenha e que necessariamente prejudicam o seu exercício, e dando-se-lhe o respeito e isenção que convêm à boa administração de justiça.”

Assim, resumindo, a comissão tem a honra de submeter à ilustrada consideração de V. Exª as seguintes indicações para a reforma da Procuratura dos negócios sínicos da cidade de Macau: 1.º- Que a Procuratura seja constituída como um tribunal português, com jurisdição ordinária, regulado ad instar dos tribunais portugueses de primeira instância. 2.º- Que para a sua jurisdição, processo e recursos, se sigam, além dos regulamentos especiais, as leis gerais portuguesas. 3.º- Que a alçada, nas causas cíveis, e comerciais, seja de duzentos mil reis em bens móveis e de cento e cinquenta mil taéis nos de raiz, e, nas causas crimes, de três meses de prisão e multa correspondente. 4.º- Que nas causas crimes, e nas de fazenda, de órfãos, ausentes e mais pessoas de privilegiada condição, intervenha um magistrado do ministério público, ao qual pertençam todas as atribuições que conferem aos delegados do procurador da coroa e fazenda o respectivo regulamento e leis subsequentes. 5.º- Que as causas comerciais sejam decididas, sob a presidência do Procurador, por três jurados, tirados à sorte, em cada sessão de julgamento, de uma lista de quinze dos principais comerciantes chineses, cuja nomeação anual pertença ao governador da província. 6.º- Que para todos os crimes se adopte o processo estabelecido por lei, competindo ao Procurador o julgamento deles, com excepção dos da pena de morte. 7.º- Que o tribunal superior para os recursos em causas cíveis continue a ser o Conselho do Governo, fazendo parte dele, nessas sessões, o delegado do ministério público junto à Procuratura, e, na sua falta, o delegado da comarca cristã. 8.º- Que o tribunal superior, nas causas crimes, seja o da Junta de Justiça, atribuindo-se-lhe o julgamento dos chineses incursos em crime de pena de morte, cujos processos deverão ser completamente instruídos na Procuratura, e a decisão de todos os recursos legais. 9.º- Que, nos casos de crime de pena de morte, seja relator na Junta de Justiça o Procurador; e, nos de apelação ou agravo, o substitua um chinês, cidadão português, nomeado para cada biénio em Conselho do Governo. 10.º- Que o processo de conciliação, exigido pelo artigo 210.º da novíssima Reforma Judicial, continue a fazer-se no tribunal da Procuratura. 11.º- Que para a decisão das questões menores entre chineses haja dois ou três juízes de paz, com atribuições de juízes eleitos e determinada alçada, nomeados pelo governo bienalmente, e do modo estabelecido no artigo 86.º do Regimento para a Administração da Justiça nas províncias de Moçambique, Estado da Índia, e Macau e Timor, de 1 de Dezembro de 1866. 12.º- Que as funções de secretário diplomático do governo da colónia, em sua correspondência com as autoridades do império chinês, continuem a cargo do Procurador.

Procuratura separada do expediente sínico

Por decreto de 20 de Dezembro de 1877 apareceu a primeira organização decretada pelo Governo da Metrópole para a Procuratura, instituindo-se que o Procurador seria nomeado d’ entre os bacharéis em Direito (nesse ano, Pedro Nolasco da Silva e Leóncio A. Ferreira), sendo adoptadas então nesse tribunal as fórmulas dos tribunais judiciais. E continuando com o padre Manuel Teixeira, esse regimento sofreu modificações acidentais pelo decreto de 22/12/1882, até que, por decreto de 2 de Novembro de 1885, da Procuratura foi separado o Expediente Sínico, cujo chefe até 1892 foi Pedro Nolasco da Silva.

A Procuratura foi suprimida pelo decreto de 20 de Fevereiro de 1894, porém o de 2 de Julho do mesmo ano declarou ainda vigente o Regimento na Procuratura, apesar da suspensão do dito tribunal, não só pelo que respeita a penalidades, mas ainda no que contém em matéria de prisão por dívidas, fiança às custas, ou qualquer outra que não seja propriamente de termos e formalidades de processo.
Em 1883 o tribunal de Procuratura passara já para o prédio da Rua de Sta. Clara pertencente ao Mosteiro, cujos bens a Junta da Fazenda administrava.

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