Macau dissecado

[dropcap]O[/dropcap] tão esperado documento de “Consulta pública sobre o Projecto do Plano Director da Região Administrativa Especial de Macau (2020-2040)” foi finalmente publicado, estando a data limite de consulta pública marcada para 2 de Novembro. Já que em 2049 termina o período em que o regime da Lei Básica da Região permanecerá inalterada por 50 anos, o Projecto do Plano Director será uma base importante para determinar os 20 anos seguintes de Macau. Tentar saber se virá a haver uma nova ronda de consulta pública do Projecto do Plano Director, ou se as decisões tomadas para este Projecto do Plano Director serão repudiadas por um Executivo da cidade vindouro, como aconteceu com a rejeição da proposta de design conceptual para a nova Biblioteca Central de Macau pelo actual Governo, equivale a fazer futurologia, porque Macau é um lugar muito diferente de qualquer outro. Até mesmo o Edifício do antigo Restaurante Lok Kok, considerado de interesse arquitectónico e integrado na Lista do Património Cultural de Macau, foi demolido há uns anos.

As expectativas gerais em relação a este documento de Consulta, nunca foram muito elevadas. Em primeiro lugar, os conteúdos do Projecto do Plano Director são demasiado sucintos, limitando-se a apresentar descrições de ordem geral. Os pontos chaves do Relatório Técnico estão apresentados numa terminologia profissional. Este tipo de terminologia é habitualmente usado pelo Governo da RAEM em muitos dos seus documentos de Consulta, o que os torna incompreensíveis para os leigos. Quando lemos o documento de Consulta, ficamos com a impressão de que os conteúdos são positivos, mas na verdade não se avança com nada de concreto e o demónio pode estar escondido nas entrelinhas. Quando se trata de concretizar os projectos, os membros do Governo de Macau têm a palavra final. Por exemplo, há muitos anos atrás, o plano para a “criação de cinco terrenos de aterros novos em Macau” foi aprovado pelo Governo local e o então primeiro-ministro Wen Jiabao veio pessoalmente à cidade anunciar a sua aprovação. No entanto, uma das secretárias da RAEM propôs a suspensão do projecto de aterro da Zona D, um dos cinco terrenos de aterros novos. Estes procedimentos são simplesmente inacreditáveis.

No Artigo 3 do Projecto do Plano Director, sobre os Objectivos do Plano, declara-se “O Plano Director da RAEM visa atingir os objectivos do Plano Director do artigo 6.º da “Lei do planeamento urbanístico” (Lei n.º 12/2013) e os objectivos constam do Despacho do Chefe do Executivo n.º 234/2018, para criar uma cidade feliz, inteligente, sustentável e resiliente”. O recurso a uma série de adjectivos (feliz, inteligente, sustentável e resiliente) que traduzem qualidades mais ou menos subjectivas, faz com que o cidadão comum fique sem perceber de que forma o Executivo pretende atingir estas metas. Na verdade, o adjectivo “feliz” refere-se ao indíce de bem-estar bruto. Mas estarão actualmente os cidadãos de Macau felizes com as suas condições de vida, com os bens que possuem, com os seus salários, com as ligações sociais, a educação, as condições ambientais, a participação civíca, a administração do Executivo, o Serviço de Saúde, com o seu bem-estar pessoal, a segurança e o equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal? Por exemplo, com o recente endurecimento da “Lei da Habitação Económica”, vai ser muito difícil para a população de Macau vir a melhorar as suas condições de vida num futuro próximo. Enquanto a democratização do sistema político não for implementada, a participação das associações irá sempre inibir a participação pública. Desta forma, apenas um pequeno número de pessoas pode ter acesso à possibilidade de desenvolvimento sustentável.

Neste caso, como é que a administração governativa pode ser melhorada? Quanto à criação de “uma cidade resiliente”, no relatório da “Cidade da Oportunidade 2020”, recentemente publicado pela Fundação para o Estudo e Desenvolvimento da China, Macau aparece em terceiro lugar no tópico “Resiliência urbana”, o que não deixa de ser impressionante. No entanto, quando me apercebi que Hong Kong aparece em primeiro lugar, uma cidade onde a convulsão social ainda não terminou e Xangai figura em segundo lugar, com um Vice-Presidente da Câmara a ser investigado, senti arrepios na espinha.

No Relatório Técnico sobre preservação da vista bilateral da Capela de Nossa Senhora da Penha e do Lago de Sai Van, é recomendado que a altura dos edifícios a construir no futuro não ultrapasse os 62,7 metros que correspondem à altitude do topo da Colina da Penha. Se a recomendação sobre a altura dos edifícios for aceite, é possível que venham a aparecer construções desta dimensão junto à Capela de Nossa Senhora da Penha de futuro. Nesse momento, o que é que nos vai restar?

A “Obra de Construção da Travessia Pedonal ao longo da Avenida de Guimarães na Taipa” está em curso há mais de um ano. Recentemente, devido ao esforço conjunto de vários departamentos de construção, a Taipa tem sido alvo de enormes congestionamentos de trânsito. É uma dor de cabeça para os condutores e para a polícia de trânsito, que se esforça diariamente para criar alternativas de circulação. Quando a construção da travessia pedonal ao longo da Avenida de Guimarães vier a causar um problema semelhante na Taipa, para que o Projecto do Plano Director da RAEM possa ser aprovado à pressa, Macau vai assemelhar-se a alguém que está a ser dissecado por decisão arbirátria dos médicos. Nessa altura, os residentes da cidade serão os únicos a sofrer as consequências.

Enquanto cidadãos de Macau, devemos todos expressar as nossas opiniões sobre o Projecto do Plano Director da RAEM durante o período de consulta pública, e impedir que as associações e os peritos se pronunciem em nosso nome!

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