Governador ocupa a península de Macau

por José Simões Morais

[dropcap]O[/dropcap] Governador-Geral da Província de Macau, Timor e Solor, Conselheiro e Capitão-de-Mar-e-Guerra João Maria Ferreira do Amaral (1846-1849) vinha nomeado de Lisboa e não, como até então, por Goa. Tomou posse a 21 de Abril de 1846 e trazia o propósito de preparar a colónia a tornar-se independente do governo chinês. Assim, em provocação, logo contrariou pelos seus passeios a cavalo as chapas dos mandarins que advertiam serem os verdadeiros limites do fanfang as portas de Santo António e do Campo.

Cinco meses depois, o Procurador Manuel Pereira propôs ao Governo que “as embarcações chinesas de passagem e carga, denominadas , fossem registadas na procuratura, e pagasse cada uma o imposto mensal de uma pataca à fazenda pública”, segundo A. Marques Pereira, que refere, o Governador, em sessão do Senado por ele presidida, “aprovou a proposta, – e, constando em seguida que as ditas embarcações se recusavam a obedecer ao edital do procurador que ordenava o registo, mandou que de 3 de Outubro [1846] em diante fossem retidas todas as que teimassem na recusa. Começaram desde logo os chineses dos faitiões a reunir-se a miúdo no Pagode Novo [mais tarde Templo Lin Fong], consultando aí com os principais do bazar sobre o modo de resistirem àquela determinação. Ao mesmo tempo moviam os mandarins a oficiar para Macau em seu apoio, e afixavam pelas ruas proclamações instigando à revolta.

Amaral, o enérgico e venerando conquistador da autonomia portuguesa de Macau, não costumava hesitar. As medidas convenientes tinham-se tomado sem demora. A alfândega fortificara-se. A tropa estava em armas.” Na noite de 7 para 8 de Outubro, os faitiões encostados à cidade eram trinta e sete, de onde ao amanhecer “desembarcou grande número de lancháes, armados todos, e com três peças de artilharia. Engrossando com os de terra, a multidão hostil era em breve de mais de mil e quinhentos homens” e ao seu encontro logo marchou “uma força de quarenta soldados. Os chineses dispararam sobre ela as três peças, e avançaram pela travessa fronteira à igreja de Santo António, apesar do fogo vivo que se lhes fazia. Não tardou porém que recuassem, reforçados os nossos com uma peça da alfândega e vinte soldados, e outra da fortaleza do Monte com alguns soldados e muitos cidadãos.”

Com grande perda de gente, abandonando o armamento os lancháes chegando “de roldão aos faitiões, trataram de fazer-se de vela para fugir, mas aí os esperava já uma escuna do governo, que naquele tempo servia de registo na Taipa, e várias embarcações armadas, de particulares, que todas romperam sobre eles um fogo activo. Alguns dos faitiões foram abordados e tomados, muitos metidos a pique, e oito ficaram encalhados.” Nenhum português saiu ferido, mas nada sabemos sobre as baixas dos lancháes.

“As lojas do bazar fecharam-se todas. Fora de antes sempre esta manifestação a grande arma dos chinesas, pois importava a subsistência da cidade. Quando os lojistas se conluiavam por este modo, o senado concedia o que lhe era exigido e amiudava as súplicas aos mandarins, que deliberadamente espaçavam a graça, fazendo sentir o valor dela. – Era esta prática mediocremente eficaz e aceitável para que Amaral a seguisse. Declarou por editais, na mesma tarde do dia 8, que, se no espaço de vinte e quatro horas as lojas se não abrissem, o bazar seria arrasado pela artilharia do Monte. Na manhã de 9 as lojas abriram todas, sem excepção de uma. No dia 10 apresentaram-se às portas da cidade dois mandarins, a quem o governador fez saber que deveriam deixar fora a sua comitiva armada. Retiraram-se, e no dia 11 tornaram sem comitiva. O objecto da sua visita era certificarem ao governador os seus sentimentos de amizade.” António Marques Pereira, que narrou esta história, refere ainda, ter em Macau fundeado na rada às sete horas da manhã do dia 9 de Outubro de 1846 a fragata a vapor Vulture, comandada por o capitão-de-mar-e-guerra Dougal com ordem do Governador de Hong Kong para se pôr à disposição do Governador Macau, “e, posto que à sua chegada tudo estivesse acabado, só em 12 regressou a Hong Kong.”

Procurador remunerado

Após a revolta dos faitiões [da qual não conhecemos a versão chinesa], o Governador Ferreira do Amaral a 17 de Outubro de 1846 organizou o Batalhão Provisório de Macau para resistir a qualquer ameaça e destinado a auxiliar a Força mista de 1ª linha, ou Batalhão de Artilharia de Primeira Linha, criado por decreto a 13 de Novembro de 1845 para substituir o Batalhão Príncipe Regente. Aprovado por Portaria Régia de 12-3-1847, o Batalhão Provisório de Macau foi instalado no extinto Convento de S. Domingos e por Decreto de 10-12-1847 “teve como Major-Comandante o macaense Francisco José de Paiva, Comendador da Ordem de Cristo e Cônsul Português em Hongkong”, segundo Beatriz Basto da Silva. O denominado Batalhão de Macau conjugava o Batalhão (de 1.ª linha de Infantaria) de Macau e o Batalhão Provisório, que durante vinte anos prestou bons serviços. O Batalhão de Infantaria de Macau seria extinto a 18-4-1876 e estava já desde 30-12-1866 instalado no quartel construído no local do antigo Convento de S. Francisco.

“Em Macau, a maioria das vias públicas, eram conhecidas, pelos nomes dos seus principais moradores não havendo, nomenclatura oficial. Assim, podia haver mais de um nome para a mesma rua”, segundo Ana Maria Amaro. Para solucionar possíveis confusões, o Governador a 23 de Novembro de 1847 mandou dar o nome às ruas que não o tinham e mudar muitos dos repetidos.
Já anteriormente, a 27 de Fevereiro de 1847 Ferreira do Amaral manifestara uma posição de poder, sem se importar com os interesses chineses, e tomou posse das terras para além das muralhas a envolver a cidade cristã portuguesa. Mandou rasgar três estradas nos terrenos fora das muralhas da cidade, onde se situavam antigas campas chinesas e por onde constantemente os britânicos se passeavam a cavalo. A primeira estrada, desde a Porta de S. João até ao Pagode; outra rodeando a colina de Mong-Há e a terceira, desde a Porta de St.º António até às Portas do Cerco, ligando-se junto ao Pagode Novo com a primeira. Para construir a terceira estrada deu um prazo até ao fim de Março para os chineses removerem desse local todas as sepulturas.

Nesse mesmo dia 27, o Leal Senado enviou para Lisboa uma queixa, reclamando contra a obra governativa do Governador.
Com a chegada do Governador Ferreira do Amaral, as atribuições da Procuratura do Leal Senado foram ampliadas, pois era o único tribunal em Macau para julgamento de chineses, e a 20 de Agosto de 1847 passou a estar anexa à Secretaria do Governo, no que respeitava a negócios sínicos.

Para o ano de 1847 era Procurador Lourenço Marques, filho do Comendador Domingos Pio Marques, que exerceu ininterruptamente o cargo até 1855. Como Procurador passou desde 20 de Agosto de 1847 a ser remunerado e a estar subordinado ao Governador e no Senado apenas tratava dos assuntos puramente municipais.

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