Hong Kong | TikTok suspende serviços, enquanto gigantes tecnológicos reagem à Lei da Segurança Nacional

A aplicação de partilha de vídeos TikTok suspendeu os serviços em Hong Kong na sequência da entrada em vigor da Lei da Segurança Nacional. A empresa garantiu ao HM que a app vai continuar a funcionar em Macau. Entretanto, gigantes como Google, Facebook, Twitter e até mesmo a “jovem” Zoom decidiram interromper a colaboração com as autoridades da região vizinha, numa rara reacção a decisões políticas de Pequim

 

[dropcap]U[/dropcap]ma das mais populares apps da actualidade, o TikTok, anunciou ontem que vai suspender o funcionamento da aplicação em Hong Kong devido à aprovação da Lei da Segurança Nacional.

Os residentes da região vizinha vão ficar impossibilitados de usar o TikTok nos próximos dias, apesar de ontem já haver relatos a dizer ser impossível o download da app.

O HM contactou a empresa sediada em Pequim que detém o TikTok, a ByteDance, que garantiu que Macau não vai ser afectada pela suspensão da aplicação em Hong Kong. “Devido aos recentes acontecimentos, decidimos parar as operações da app TikTok em Hong Kong”, referiu um porta-voz da ByteDance ao HM, acrescentando que a medida se aplica apenas à RAEHK.

Convém referir que a ByteDance é uma gigante empresa multinacional de tecnologia, sediada em Pequim, avaliada em 100 mil milhões de dólares norte-americanos, e que contava com 800 milhões de utilizadores em Janeiro.

Apesar de estar sediada na capital chinesa, a ByteDance frisou que as grandes decisões de gestão de negócios, incluindo regras sobre conteúdos, são tomadas fora da China. Aliás, o TikTok não está disponível no mercado chinês.

O Governo de Macau usou recentemente a plataforma para um concurso intitulado “Pequena criatividade valoriza-se muito na dinamização dos bairros antigos”, organizado conjuntamente pela Direcção dos Serviços de Economia e pela Associação de Nova Juventude Chinesa de Macau. O prazo para entregar obras, incluindo vídeos de TikTok, é domingo, com os vencedores a serem anunciados no dia 17 de Julho.

A Zoom também anunciou ontem a tomada de posição face à aprovação da Lei da Segurança Nacional, ao declarar que não vai aceder aos pedidos de informações e acesso a dados por parte das autoridades de Hong Kong. A aplicação de chamadas de vídeo, que se tornou incontornável na Era do distanciamento social, usada para aulas e reuniões, foi criticada depois de em Junho ter suspendido a conta de Lee Cheuk-yan, activista pró-democracia e deputado no Conselho Legislativo durante mais de 20 anos, e de ter terminado uma acção online em memória das vítimas do massacre de Tiananmen.

Apesar das recentes tomadas de posição, a empresa sediada nos Estados Unidos decidiu, para já, não vai aceder a solicitações do Governo de Carrie Lam. “A Zoom apoia a livre e aberta troca de pensamentos e ideias. Estamos muito orgulhosos por facilitar conversas com significado e em ajudar à colaboração profissional em todo o mundo. Estamos a acompanhar os desenvolvimentos na RAEHK, incluindo potenciais orientações da Governo norte-americano. Como tal, interrompemos todos os pedidos de processamento de dados relacionados com Hong Kong”, referiu um porta-voz da Zoom citado pelo portal HKFP.
Importa também referir que o bilionário de Hong Kong Li Ka-shing é um dos accionistas da empresa que detém a Zoom.

Preocupações gigantes

A tomada de posição das “novatas” Zoom e TikTok chegou um dia depois da Google, Facebook e Twitter terem revelado na segunda-feira que iam temporariamente recusar pedidos das autoridades de Hong Kong para aceder a dados de utilizadores.

As empresas indicaram estar a analisar os contornos da Lei da Segurança Nacional, com o Facebook a ir mais longe ao admitir que irá considerar implicações do diploma nos direitos humanos.

O consenso dos colossos de internet é um raro exemplo no que toca a questionar abertamente uma política do Governo chinês, inclusivamente usando expressões semelhantes nos comunicados.

Com muito dinheiro de publicidade em jogo, a tomada de posição espelha os receios trazidos pela legislação aprovada pela Assembleia Popular Nacional. A lei confere poderes às autoridades para apagar publicações de internautas e punir empresas de internet que não obedeçam a pedidos para aceder a dados de privados, incluindo penas de prisão para profissionais das empresas responsáveis pela não autorização de cedência de dados.

Uma vez que a nova lei tem um âmbito de aplicação vasto, que não se cinge apenas o território de Hong Kong, abre portas a consequências de utilizadores fora da RAEHK.

As empresas norte-americanas, nomeadamente Google, Facebook e Twitter, não especificaram se a decisão se torna definitiva, ou se vão cooperar com as autoridades da RAEHK com limitações, algo que pode ser determinante na liberdade para aceder à internet em Hong Kong. Porém, como destaca o The New York Times, as empresas têm muito a perder se estiverem dispostas a abdicar dos negócios de publicidade que têm na China, apesar das suas aplicações estarem bloqueadas.

Posts das redes

“Vamos interromper as revisões de pedidos do Governo de Hong Kong para aceder a dados do Facebook enquanto analisarmos aprofundadamente a Lei da Segurança Nacional, incluindo ouvindo opiniões de peritos internacionais em direitos humanos”, lê-se no comunicado da empresa da Mark Zuckerberg.

Segundo o relatório de transparência do Facebook de 2019, no ano foram recebidos 241 pedidos das autoridades de Hong Kong para aceder a dados de usuários, tendo colaborado com entrega de dados em 110 casos. O Facebook recebeu em 2019 do Governo de Macau 11 pedidos de acesso a dados, aos quais acedeu em 5 casos.

Em relação à reacção à Lei da Segurança Nacional de Hong Kong, Google e Twitter emitiram comunicados semelhantes ao do Facebook, também a sublinhar que não iriam aceder a pedidos de entrega de dados.

Outra aplicação que se juntou aos gigantes foi o Telegram, uma app de mensagens muito popular entre os manifestantes de Hong Kong. A aplicação é detida por uma empresa com escritórios no Médio Oriente e na Europa.

Tico e o teco

O Governo dos Estados Unidos está a considerar restringir o acesso dos utilizadores norte-americanos à aplicação chinesa TikTok, alegando a possibilidade de o regime chinês usar o serviço de partilha de vídeos como forma de monitorar e distribuir propaganda.

Em declarações à cadeia televisiva Fox, o secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, observou que está, em conjunto com o Presidente Donald Trump, a “levar a sério essa possibilidade”.

A Índia tomou essa decisão, na semana passada, por considerar a aplicação “prejudicial à soberania e à integridade” do país, alegando que é usada para “roubar e transmitir clandestinamente e sem autorização dados dos utilizadores para servidores localizados fora da Índia”. Também o Governo australiano pondera seguir a essa via e restringir o acesso ao TikTok.

“Estamos a levar muito a sério e a analisar essa possibilidade”, reiterou Pompeo. O secretário de Estado norte-americano recusou dar mais detalhes sobre o assunto, apontando que não queria “adiantar-se” a um possível anúncio presidencial.

Mike Pompeo alertou os cidadãos norte-americanos para serem cautelosos no uso do TikTok, caso não queiram que as suas informações privadas caiam “nas mãos do Partido Comunista Chinês”.

Recentemente, a aplicação de vídeos entrou na ordem-do-dia da política norte-americana ao ser palco para um golpe de protesto contra Donald Trump. Uma avalanche de internautas combinou no TikTok reservar bilhetes para o comício inaugural da campanha de Trump, que decorreu em Tulsa no Estado do Arizona, e não comparecer. O evento foi uma frustração para a campanha de reeleição do Presidente norte-americano, fã assumido de redes sociais, com o primeiro comício a meio gás depois de Trump se gabar ter mais de um milhão de pessoas interessadas em comparecer.

Signal e VPN

Outra consequência da entrada em vigor da lei foi a procura em Hong Kong de aplicações de comunicação encriptada, facto que empurrou a app Signal para o primeiro lugar dos downloads. Têm circulado nas redes sociais inúmeras confissões de internautas que, pelo sim pelo não, apagaram posts alusivos a protestos ou a actividade política, até mesmo contas inteiras.

Segundo o South China Morning Post, desde que a lei foi anunciada, as empresas que vendem VPN (virtual private network), que permitem usar a internet sem mostrar a identificação do telefone ou computador, registaram records de vendas.

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