O Procurador da cidade de Macau

[dropcap]E[/dropcap]m 1867, António Feliciano Marques Pereira exerce o cargo de Procurador, quando a Procuratura da cidade de Macau passa a denominar-se Procuratura dos negócios sínicos da cidade de Macau. É “a mais antiga repartição pública da colónia, pois teve princípio com a primeira vereação do Senado em 1583; e em vários respeitos a poderemos considerar também a mais importante, lembrando a vastidão de atribuições que lhe pertencem e a falta de legislação que lhas defina e regule. E, se bem que em todas as épocas da vida do estabelecimento, coube à Procuratura, no sistema geral de administração dele, um encargo difícil e pesado, é sabido que o progressivo incremento do número e gravidade de seus deveres incalculavelmente se apressou mais depois da efectiva definição da autonomia da colónia, ainda não há muitos anos, e com o espantoso aumento de população chinesa, que se observa hoje”, segundo o relatório da Comissão, nomeada em 1866 para apresentar parecer sobre as atribuições do tribunal da Procuratura, publicado no Boletim do Governo de Macau e Timor de 25 de Março de 1867. Há muitos anos que cuidadosamente se procurava definir com precisão as funções desse tribunal devido às transformações sofridas desde que o lugar de Procurador fora criado em 1583, após o reconhecimento chinês do estatuto de Macau.

O desenvolvimento da povoação de Macau a partir de 1557, quando os portugueses aí se fixaram, [“acto espontâneo de marinheiros e comerciantes, sem o conhecimento prévio das autoridades portuguesas”, refere Wu Zhiliang, de quem vem as informações deste parágrafo] e o próspero comércio por eles realizado, levaram à necessidade de criar em 1560 a sua própria administração. Nesse ano, “os portugueses radicados em Macau elegeram um Capitão da Terra, um juiz e quatro comerciantes de maior prestígio para formar uma organização que se encarregaria dos assuntos internos da comunidade. Esta organização, que se chamava nessa altura Comissão, foi o protótipo do Senado.” (…) “No entanto, segundo um documento de 1581, , refere o padre Manuel Teixeira.” Já segundo Tien-Tsê Chang, “Em 1583, os portugueses residentes em Macau, receosos de se tornarem simples súbditos espanhóis (união ibérica – 1580), deliberaram, em reunião presidida pelo Bispo D. Belchior Carneiro, criar uma forma de administração que lhes desse alguma independência.”

Senado de Macau

O estabelecimento de um Governo Municipal foi proposto por D. Belchior Carneiro e ainda em 1583 os homens bons da comunidade portuguesa local, sob a supervisão do Bispo de Macau D. Leonardo de Sá, o fizeram eleger. Para o primeiro senado da Câmara foram eleitos por três anos, três vereadores, dois juízes ordinários e um Procurador. Caso o assunto fosse de grande importância, o Senado seria presidido em conjunto por o Bispo, o Capitão de Terra e pelo Magistrado (Ouvidor, cargo existente desde 1580).

“Com o Governo Municipal nasce o cargo de Procurador, especificamente, em Macau, um dos mais importantes da hierarquia do Senado. Tinha, entre outros cargos, o de gerir as relações com a China; (…) As novas alterações vindas de Goa são apenas confirmação oficial de uma situação de facto, visto Macau já se mover, anteriormente, como uma municipalidade prática (oligarquia mercantil)”, segundo Beatriz Basto da Silva (BBS). Tien-Tsê Chang refere, “Nasceu assim o Senado (autorizado a continuar a usar a bandeira portuguesa), com a aprovação do Vice-Rei da Índia, D. Francisco de Mascarenhas. Três anos depois, a 10 de Abril de 1586 o Vice-Rei Duarte de Menezes concedeu ao mesmo Senado [, segundo Montalto de Jesus] o estatuto e privilégios de Cochim (Évora e Coimbra), passando Macau a ser considerada como cidade portuguesa com o nome de Cidade do Nome de Deus do Porto de Macau na China.”

Procurador mandarim

No décimo segundo ano do reinado do Imperador Wanli, da dinastia Ming, por proposta do Vice-rei de Guangdong-Guangxi Chen Wenfeng, em 1584, o Imperador da China conferiu ao Procurador de Macau o mandarinato de segundo grau. Em correspondência oficial com os chineses, o Procurador é chamado ‘I-mou’ ou ‘Superintendente dos Estrangeiros’.

Ainda em 1584, o Governo Municipal tomou o nome de Senado da Câmara e o Vice-Rei da Índia D. Duarte de Meneses concedeu-lhe mais prerrogativas administrativas, políticas e judiciais, só o limitando quanto a negócios extraordinários, que deviam ser decididos em assembleia-geral de moradores, previamente convocada.

“Entre 1583 e 1616, o governo de Macau está subordinado institucionalmente ao Senado [a quem pertencia a administração financeira da colónia], embora a Santa Casa, os agentes comerciais, o capitão-mor e o ouvidor sejam os grandes animadores da vida mercantil. O Senado cobrava um imposto de tráfego para as despesas de funcionamento e, se feitas estas, sobra dinheiro, ele é devolvido aos contribuintes. Chama-se a este imposto municipal o caldeirão”, segundo BBS. Na verdade os éditos fiscais não iam para o soberano português, mas para o foro pago às autoridades locais chinesas. Se o saldo das operações comerciais era positivo, era recolhido num fundo de reservas – o Caldeirão, uma taxa que o Senado recebia de 3% sob os bens exportados para o Japão [que em 1634 subiria para os 9%.].

Na península de Macau existiam já duas povoações chinesas (uma dedicada à agricultura e a outra à pesca) quando os portugueses aí chegaram, e com eles vieram os comerciantes de Guangdong a fornecer os produtos necessários à sobrevivência da população. O Procurador que, nesta parte, era só negociador nomeado pela cidade para a boa conciliação dos interesses dela com o amigo trato do país vizinho, com a chegada de novos chineses ficou sendo, além disso, juiz dos pleitos que se davam entre cristãos e chineses.

Esses comerciantes foram ficando e “abrindo lojas, exercendo ofícios, trazendo enfim consigo a actividade sempre crescente que em tão subido grau a distingue”, B.O..

O Senado fugia à comum municipalidade portuguesa, apesar de oficialmente estar ligado à Coroa e ao Procurador, neste primeiro período, competia a função de ser ministro da cidade nas múltiplas negociações do dificultoso trato com o governo chinês. Só em 1688 os mandarins estabeleceram em Macau o ho-pu, ou alfândega chinesa, com funções fiscais no território e sobretudo, para evitar os navios alterosos de subirem até Cantão. Segundo Jin Guo Ping e Wu Zhiliang, “O hopu de Macau estava sob a tutela do hopu grande ou hopu de Cantão, da Alfândega de Guangdong.”
O Senado administrou e governou Macau até 1623, quando chegou o primeiro Governador português.

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