Justiça online

[dropcap]N[/dropcap]o passado dia 1 realizou-se um julgamento online no Distrito de Daya Bay, em Huizhou, na China. O caso teve maior impacto por se tratar de um crime mediático.

A história conta-se em poucas palavras. O réu publicou, num chat, um anúncio de venda de máscaras que não existiam. O anúncio esteve online de 16 de Janeiro a 8 de Fevereiro, e defraudou duas vítimas num montante que ascendeu a 3.950 renminbi. O réu admitiu a sua culpa. Foi condenado a sete meses de prisão e a uma multa de 3.000 renminbi.

Nesta altura, não é surpreendente que certas pessoas publiquem notícias falsas na Internet, nomeadamente anúncios sobre venda de máscaras que na verdade não existem. Mas a realização de um julgamento online já é um assunto que merece alguma atenção. Um julgamento online (OLT sigla em inglês), requer uma ligação por cabo. Se o sinal estiver normal o OLT decorre sem problemas. No entanto, se houver uma interrupção do sinal, como é que se lida com a situação? Nos dias de hoje, existem muitas empresas e instituições cujas redes têm de funcionar em pleno, por exemplo, as redes bancárias. Se os tribunais implementarem os OLTs, de que requisitos de rede vão necessitar? Terão de estar equiparados aos das redes bancárias?

A identidade das partes é outra questão que se coloca. Durante o julgamento, as partes podem ver-se presencialmente e, portanto, a possibilidade de falsificação ou substituição é baixa. No entanto, no OLT, cada uma das partes tem de se basear nas imagens que aparecem no ecrã do computador. Será esta situação praticável? Antes da realização de um julgamento online o tribunal tem de perguntar às partes envolvidas se concordam com este formato. Ao darem o seu consentimento, concordam que não haverá espaço para qualquer tipo de falsificação. No entanto, vale a pena considerar a forma de efectivamente impedir qualquer tipo de falsificação ou de substituição.

Um julgamento criminal é diferente de um julgamento cível. O propósito de um julgamento cível é a indemnização da parte lesada, enquanto no caso criminal se trata de condenar alguém que transgrediu de alguma forma o código penal. Quando a culpa é apurada, o réu é condenado. A prisão é uma das várias condenações possíveis.

Portanto, uma das situações a ter em conta é a possibilidade de o réu fugir após a condenação. Se não forem tomadas medidas compulsivas com antecedência, a possibilidade de o réu fugir aumenta. Aqui a questão a ter em conta é como evitar que o réu escape à justiça depois da sentença proferida.

Se estivermos perante o julgamento de um crime menor, em que a pena por norma não vai além de uma multa, o formato do julgamento online parece ser mais adequado. No entanto, perante um crime grave, como o homicídio, em que a condenação inevitavelmente levará o réu à cadeia, este formato pode proporcionar a fuga que, como é óbvio, deve ser evitada.

É compreensível que os julgamentos online sejam mais compatíveis com os casos cíveis, onde as condenações não implicam por regra a perda da liberdade do réu, mas sim o pagamento de multas. Claro que, se a multa for muito elevada, o réu também poderá fugir para não ter de a pagar.

Existe ainda outra questão legal digna de consideração. Se o queixoso e o réu arguirem sobre uma prova, como é que essa prova deverá ser examinada?

A modernização dos tribunais deve estar em linha com a evolução da ciência e da tecnologia, e no contexto da actual pandemia em que se deve manter o distanciamento social, a realização de julgamentos online parece ser uma boa medida. No entanto, se não houver regulamentação adequada e instalações compatíveis com este modelo, a concordância das partes envolvidas na sua realização não será suficiente. Além disso, a falta de domínio deste tipo de tecnologias por parte dos funcionários dos tribunais, também será um problema. Esta falha fará com que a eficiência do julgamentro online seja diminuída. Assim sendo, para que se possa realizar eficazmente um julgamento online as partes envolvidas e o tribunal deverão ter apoio de técnicos informáticos. Este apoio deverá ser prestado tanto ao nível do software como do hardware. Imagine-se que durante o julgamento o computador se avaria, terá de existir outro para o substituir imediatamente.

Além disso, o julgamento online tem de ser gravado, não só como medida de prevenção em caso de falha informática, mas também para se criar um registo no caso de uma das partes querer recorrer.
Macau é uma cidade pequena com uma população relativamente pequena; a procura de julgamentos online é baixa. Claro que, perante esta pandemia, a situação pode mudar.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

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