Entre o Oriente e Ocidente h | Artes, Letras e IdeiasPoemas do Oriente Gonçalo M. Tavares - 27 Mar 202022 Jun 2020 O Outro O direito, o esquerdo. Leis, aquilo que está ao lado direito do homem, e a possibilidade da eventual bondade. O esquerdo, o diabo. Mas há um terceiro lado que mistura tudo. Observação Não tocar nos acontecimentos, ouvi-los. Vida própria como um objecto que não pode ser tocado, destino que pede silêncio, cumprimento delicado da cabeça. Ou vida como matéria de artesanato, as tuas mãos determinam a forma final de cada dia. Conflito ou negociação. No calor, água; no frio, fogueira. O carteiro não pára, o homem nunca está contente. Aquilo que não ocupa espaço O mais forte pode ser vencido, o mais inteligente e rápido também, o mais rico pode ter menos uma moeda do que um forasteiro, mas aquilo que não ocupa espaço, não fala, não tem expectativas, não tem também rival. Recordando dias de agosto em Kyoto 1Kyoto, em agosto. Exausto, pede para descansar. Se parares de avançar, morres, se continuares a avançar, morres. O que fazer, então? Pergunta. Salta ou escavar. Não avançar e não deixar de avançar. Como de saltar te cansas, acabarás a escavar. Não avanço, não deixo de avançar. 2Ele não quer morrer. Em pleno agosto, quarenta graus; com as mãos escava à sombra de uma árvore. Acabará no inverno como se o frio fosse um local, um sítio a que se chega escavando, com a paciência certa. 3Uma árvore que dá tempo como outras dão cerejeiras. Dia de sol tremendo. Calada e quieta e até surda ela acompanha e dela recebo o mínimo. Sombra como outro fruto nesses dias de agosto em Kyoto – o mais antigo e o que mais acalma. Dá sombra, a árvore, comida que ainda existe para o cansaço seguinte, fruto que não consegues roubar ou sequer mudar de posição. Cerejeira e sombra, o local da escrita nesses dias de agosto em Kyoto. ILUSTRAÇÃO: ANA JACINTO NUNES