O Antropeceno e a globalização

“Thus, unless human energy supplies rapidly become decarbonized, there will over the coming decades and centuries be rises of global temperature and then sea level that will take the Earth system out of Quaternary interglacial norms and into conditions more resembling the pre-Quaternary Cenozoic. The temperature changes in themselves will lead to many extinctions as species are forced out of their habitable ranges. Hence, as regards the global climate and (especially) sea level signal, of the Anthropocene currently remains weak, but will likely increase considerably over future decades and centuries.”
The Anthropocene
Jan Zalasiewicz and Colin Water

 

[dropcap]A[/dropcap] política das alterações climáticas não está funcionar apesar de dezenas de países terem assinado o “Acordo de Paris” há cinco anos para limitar o aquecimento a 2 graus Celsius até ao final do século. Até o momento, os países não conseguiram implementar políticas que se aproximem da consecução desse objectivo. O fracasso em 2020 levará a decisões solidárias abaixo do ideal, interrupções operacionais dos negócios e instabilidade política. O mundo está actualmente no ritmo de um aquecimento de 3,5 graus Célsius. Os maiores emissores do mundo, a China e os Estados Unidos, estão a caminho de um valor superior a 3 graus Célsius e não querem comprometer as ambições do seu crescimento económico à escala necessária.

Os Estados Unidos nessa caminhada perto dos 4 graus Célsius encontram dificuldades de reversão, independentemente de quem vencer a eleição presidencial em Novembro de 2020. Tal deixa a Índia como o único país entre os três principais poluidores com um plano nacional consistente de 2 graus Célsius, ainda que o país esteja a postergar os seus objectivos. Mesmo países cujos líderes políticos têm planos climáticos ambiciosos não têm a vida facilitada e alguns enfrentarão uma reacção anti-elite às acções climáticas, como se vê na França e outros esforçar-se-ão para cumprir as metas já existentes, como a Alemanha. Nos Estados Unidos, qualquer democrata que esteja a concorrer à presidência será um ambientalista “verde-escuro” que procura mudanças ambiciosas, mas se um democrata derrotar Trump na eleição presidencial, a acção climática progressiva defrontará altos obstáculos legais, regulatórios e políticos em 2021 e posteriormente.

Tal coloca a política em rota de colisão com uma percentagem crescente de investidores, empresas e sociedade em geral, que apresentarão custos mais elevados em 2020.

A tomada de decisões corporativas enfrentará uma compressão, pois mais de um terço do capital global possui algum tipo de mandato de “Governança Ambiental, Social e Corporativa (ESG, na sigla inglesa)”, e triliões de dólares em investimentos excluem empresas e países que não atinjam o limite de 2 graus Célsius.

Defronte do activismo dos accionistas e da pressão dos seus trabalhadores, e procurando aproveitar as oportunidades de negócios que surgem ao se tornarem mais sustentáveis, mais de seiscentas empresas globais comprometeram-se a reduzir as suas emissões de forma consistente em 2 graus Célsius. Os gestores ao nível executivo de uma empresa sentirão que precisam de escolher entre mandatos ESG agressivos e os seus resultados. A pressão social criará interrupções operacionais e no fluxo de investimento serão mais caras.

A sociedade civil pressionará os investidores e as empresas que acreditam estarem a mover-se muito devagar, particularmente as empresas de petróleo e gás, companhias aéreas, fabricantes e produtores de carne, em uma tendência liderada por crescentes movimentos populares como a “Rebelião da Extinção” que é um movimento ambiental global com o objectivo declarado de usar a desobediência civil não-violência para obrigar as acções do governo a evitar pontos de inflexão no sistema climático, perda de biodiversidade e risco de colapso social e ecológico. A interrupção da cadeia de fornecimentos tornar-se-á um risco significativo. Os investidores, por sua vez, reduzirão as exposições a indústrias intensivas em carbono, incluindo sectores críticos como o aço e cimento, impactando os preços dos activos. A política está em rota de colisão com os investidores e a sociedade em geral. Há também um risco crescente de inquietação pública sobre o clima, com acções cada vez mais perigosas a serem tomadas pelos manifestantes.

A oposição a cortes nos subsídios aos combustíveis/preços mais altos terá um impacto directo na política climática e também desencadeará respostas pesadas dos governos que poderiam empurrar os protestos para fora de controlo. Tudo o que está a acontecer com um planeta em aquecimento torna os desastres naturais mais frequentes e mais graves. Pela primeira vez na história, o “Antropeceno” está a criar restrições económicas à globalização. A política dos Estados Unidos para os principais países xiitas no Médio Oriente está a falhar, criando riscos significativos para a estabilidade regional, incluindo um conflito letal com o Irão; pressão ascendente nos preços do petróleo depois de um declínio em conformidade com a evolução do Covid-19; um estado iraquiano que está na órbita do Irão; e uma Síria desonesta, combinada com a Rússia e o Irão. O assassinato do chefe da força Qods, Qassem Suleimani, em 2 de Janeiro de 2020, ordenado pelo presidente Trump, aumentou as tensões significativas entre Estados Unidos e o Irão, tornando-se um crescente risco, por causa das fortes pressões estruturais que poderiam dar origem a uma grande guerra.

O Irão é um adversário comprometido dos Estados Unidos, mas também tem um entendimento claro do poder militar dos americanos, bem como um melhor senso das linhas vermelhas e da capacidade de dissuasão do presidente Trump. O Irão ainda tem o hábito histórico de recuar diante de uma ameaça militar esmagadora e o presidente Trump ainda procura evitar conflitos militares em larga escala sob o seu comando, especialmente à medida que a campanha eleitoral avança. A relação entre os Estados Unidos e o Irão será mortal e geopoliticamente desestabilizadora. É provável que haja conflitos letais no Iraque entre forças americanas e iranianas. O Irão continuará a atrapalhar o tráfego de navios-tanque no Golfo. O Irão também tem uma propensão para atingir adversários de forma imprevisível e assimétrica, inclusive por meio das suas robustas capacidades cibernéticas ofensivas e rede de servidores em toda a região, com a habilidade de atingir os cidadãos e activos dos Estados Unidos e dos seus aliados. A possibilidade de um conflito regional entre os Estados Unidos e o Irão mais perigoso e mesmo limitado é menos provável, mas possível. As tensões no Irão e a pandemia do Covid-19 colocarão os preços do petróleo no seu mínimo histórico e aumentarão a volatilidade.

A política dos Estados Unidos em relação aos principais países xiitas do Médio Oriente está a falhar. Os Estados Unidos no Iraque estão a caminho do estatuto de “persona non grata”, o que deixará mais espaço para um influente Irão. Os bombardeamentos dos Estados Unidos e o assassinato de Suleimani alienaram grande parte da classe política xiita do Iraque. Está a aumentar a oportunidade do governo expulsar as tropas americanas este ano. Enquanto os Estados Unidos estão a perder muito, o Irão é apenas um vencedor relativo, uma vez que os protestos por maus serviços sociais e corrupção também se concentraram na interferência iraniana. O descontentamento popular tem uma importância muito grande para a região, pois sobrecarregará as forças do estado iraquiano, o segundo maior produtor de petróleo da OPEP. Os Estados Unidos ainda são importantes se mantiverem tropas no leste do país rico em energia (embora uma retirada das forças americanas do Iraque minaria as cadeias de fornecimentos, inteligência e apoio operacional da América), mas jogaram uma cartada má, pois quer o ex-presidente Obama, quer o presidente Trump tiveram uma política incoerente na Síria. O presidente Putin venceu a guerra com a ajuda do Irão.

O resultado levou a um maior prestígio e influência da Rússia, especialmente no Médio Oriente. A influência significativa de um país com um historial pobre de direitos humanos e uma tradição de invadir os negócios de outros países não se está a estabilizar. O interesse do Irão na Síria é acerca de uma ponte terrestre para o Hezbollah, não para melhorar a vida da população. A política imprudente dos Estados Unidos no Irão, Iraque e Síria gerará riscos regionais em 2020, em detrimento da ordem política e económica regional. A raiva pública manterá o risco de instabilidade política em toda a região da América Latina. As queixas dos eleitores incluem o lento crescimento, corrupção e serviços públicos de baixa qualidade e pior ainda para os governos, as classes médias novas e vulneráveis ​​querem mais gastos em serviços sociais, e as sociedades latino-americanas estão profundamente polarizadas. Tal descontentamento reduz a capacidade dos governos de tomar as medidas de austeridade necessárias. O FMI e os investidores pressionarão por prudência fiscal, mas os governos de toda a região responderão sem entusiasmo.

As pressões gerarão riscos na América Latina pois protestos ocorrerão, os saldos fiscais deteriorar-se-ão, os resultados das eleições serão menos previsíveis, os políticos populistas e anti ordem ideológica, económica e política ficarão mais fortes e o sentimento piorará. A eleição de presidentes de direita na Argentina (2015), Brasil (2018), Colômbia (2018), Chile (2017) e Equador (2017) provou ser uma reacção contra operadores históricos e instituições políticas em vez de ser um apoio a reformas no mercado, abundando exemplos de descontentamento popular que levam a mudanças políticas negativas no mercado. Na Argentina, o presidente Alberto Fernandez foi eleito pelos eleitores irritados e feridos que fará aumentar a intervenção do Estado e tentará impulsionar o crescimento abandonando a prudência fiscal e monetária. As negociações com credores privados e o FMI serão controversas. O presidente Fernandez tentará minimizar o pagamento da dívida durante o seu mandato, e recusar-se-á a implementar reformas da previdência e laborais.

O eleitorado enfurecido no Equador, forçou o presidente Moreno a recuar devido ao aumento dos preços dos combustíveis que negociou com o FMI, deixando-o gravemente enfraquecido e irá lutar para cortar gastos ou aumentar receitas adicionais, pressionando o saldo fiscal e o programa do FMI. Esses desenvolvimentos aumentam a probabilidade de um candidato populista surgir antes das eleições de 2021. O descontentamento reduz a capacidade dos governos de tomar as medidas de austeridade necessárias. O presidente da Colômbia, Ivan Duque, lutará para manter a estabilidade fiscal. O seu índice de popularidade é de apenas 23 por cento e sem maioria no Congresso e enfrentando uma pressão crescente nas ruas, o presidente colombiano falhará na aprovação de reformas estruturais significativas e o descontentamento dos eleitores crescerá.

A ira e os protestos públicos no Chile forçaram o presidente Pinera a aumentar drasticamente os gastos sociais e a iniciar o processo de alterar a constituição em 2019. A agitação foi resultado de um profundo descontentamento com o “status quo” existente. As mudanças constitucionais prejudicarão a economia, provocando gastos mais altos, maior regulamentação e incerteza persistente sobre a substância das mudanças. O presidente Obrador no México continua com alto índice de popularidade, mas a sua promessa de manter a estabilidade fiscal e aumentar os gastos será difícil de prosseguir, estando comprometido em aumentar os gastos sociais e de infra-estruturas, enquanto enfrenta uma economia em desaceleração e menor produção de petróleo. O presidente mexicano adoptará medidas de austeridade e aumentará os impostos, mas não serão suficientes. As condições de segurança vão piorar.

O Brasil é o país economicamente mais promissor na região em 2020. O presidente Jair Bolsonaro, foi eleito como sendo alguém de fora, tendo feito aprovar uma legislação histórica de reforma da previdência e está a realizar outras revisões, inclusive sobre impostos. Os seus índices de popularidade são muito baixos (30 por cento), apesar de ter uma base leal. Mas enquanto a economia brasileira estiver em tendência favorável, a cólera do povo está contida, mas virá rapidamente se as previsões actuais de recuperação despenharem e começaram já com o Covid-19, o que vai limitar a presidente brasileiro de implementar reformas, potencialmente voltando o seu governo para um nacionalismo mais aberto e/ou ajudando o retorno da oposição em 2022. O presidente da Turquia, Erdogan tem uma longa história de comportamento provocativo em resposta a ameaças, provocando confronto com críticos estrangeiros e nacionais.

A sua fraqueza vai levá-lo a atacar, em 2020 e a resposta prejudicará ainda mais a economia da Turquia. É na arena da política externa, especialmente nas relações com os Estados Unidos, que a Turquia cairá para novos mínimos de eficácia. As sanções do Congresso dos Estados Unidos provavelmente entrarão em vigor no primeiro semestre de 2020, minando a reputação e o clima de investimento no país para as empresas e pressionando ainda mais a lira. As medidas incluirão uma redução obrigatória nas vendas militares à Turquia e acções contra algumas autoridades turcas. Além disso, o julgamento do Halkbank no estado de Nova Iorque representará grandes riscos financeiros, podendo resultar em uma multa de milhares de milhões de dólares e quase certamente envolverá a divulgação de detalhes embaraçosos sobre o presidente turco ou os que o rodeiam. A popularidade de Erdogan, em termos políticos está a diminuir, especialmente entre os jovens, e sua aliança governamental é instável.

O presidente está a sofrer deserções do “Partido da Justiça e Desenvolvimento”. Os ex-lideres populares do partido estão em processo de estabelecer dois novos movimentos políticos. A parceria com o “Partido do Movimento Nacionalista” pode não durar, dada a saúde precária do seu líder. O presidente Erdogan adoptará posturas difíceis para tentar reforçar o seu apoio político e em termos internacionais irá recusar cooperar com as autoridades americanas se o Halkbank for multado, colocando em risco os activos estatais turcos nos Estados Unidos. O presidente turco poderia aprovar contra-sanções aos Estados Unidos, provocando um ciclo de escaladas e também pode expandir as perfurações no Mediterrâneo oriental, expondo-o ainda a sanções europeias e potencialmente arriscando conflitos militares com a Grécia.

A reacção do presidente turco na esfera económica levará a outro conjunto de riscos. À medida que as sanções pressionam ainda mais a economia turca, volta-se para o seu saco de ferramentas económicas pouco ortodoxas e abre um buraco ainda mais profundo, pois usará meios não convencionais para defender a moeda, podendo sair o tiro pela culatra e prejudicar a confiança dos investidores. O presidente turco está inclinado a ordenar que os bancos estatais intervenham no mercado com vendas de moedas estrangeiras, e a Turquia enfrentará um risco significativo de controlo de capital. O presidente Erdogan, manterá altos níveis de repressão para minar a força dos partidos políticos rivais, o que levará a sanções mais duras e maior instabilidade política e económica.

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