Vieuxtemps: o Paganini belga

[dropcap]H[/dropcap]enri François Vieuxtemps, nascido em Verviers no dia 17 de Fevereiro de 1820 e cujo bicentenário se assinalou ontem, foi talvez o maior representante da escola violinística franco-belga.

Criado num ambiente familiar impregnado de música, recebe as suas primeiras lições do seu pai, violinista aficionado e construtor de violinos, prosseguindo os estudos com um conterrâneo do seu progenitor, Lecloux-Dejonc, que aponta nele grandes qualidades. Em 1826, com apenas seis anos, inicia a sua carreira concertística com o Concerto para Violino e Orquestra n.º 5 de Jacques Rode. Em 1827 dá o seu o primeiro concerto em Bruxelas, travando conhecimento com o violinista e compositor Charles-Auguste de Bériot, que acede a admiti-lo nas suas classes do Conservatório de Paris. Vieuxtemps muda-se para a capital francesa em 1829. No entanto, o casamento de Bériot com a cantora lírica Maria Malibran e a sua partida de Paris em digressão de concertos, levam Vieuxtemps a regressar a Bruxelas, onde alterna os estudos com uma importante actividade concertística pelo seu país e pela França, Alemanha, Itália e Estados Unidos, colaborando em especial com a eminente meio-soprano Pauline Viardot, irmã de Malibran. Numa digressão pela Alemanha em 1833, com apenas treze anos, conhece e torna-se amigo de Louis Spohr e Robert Schumann, que o compara o jovem virtuoso a Nicollò Paganini.

Durante a década seguinte visita várias cidades europeias, impressionando com o seu virtuosismo não apenas o público, mas também compositores famosos como Hector Berlioz e o próprio Paganini, com quem trava conhecimento na sua estreia londrina em 1834. Com aspirações a tornar-se também compositor e tendo já tido lições com o reputado Simon Sechter em Viena, passa o Inverno de 1835-36 a estudar composição com Anton Reicha em Paris, datando a sua primeira composição de 1836: o Concerto para Violino n.º 2 em Fá sustenido menor, Op. 19. A sua juventude e o seu virtuosismo criam-lhe uma fama lendária. Entre os seus compositores mais admirados encontra-se Beethoven, de quem se converte em intérprete favorito do seu Concerto para Violino, Op. 61.

Em 1837 e 1839 realiza digressões na Rússia, onde adquire uma grande reputação. Durante a segunda digressão escreve o Concerto para Violino n.º 1 em Mi Maior, Op. 10, estreado em Paris em 1841 com o aplauso de Wagner e Berlioz. Em 1843 e 1844, efectua a primeira digressão de concertos nos Estados Unidos, compondo para a ocasião Souvenirs d’Amérique, Op. 17.

Na sequência da digressão americana, segue-se uma tournée pela Alemanha, onde Vieuxtemps comporia uma nova obra, o Concerto para Violino n.º 3 em Lá Maior, Op. 25, muito influenciado pelo seu amado Concerto para Violino de Beethoven. Em 1844 casa-se com a pianista vienense Josephine Eder, e entre 1846 e 1852 estabelece-se na Rússia como violinista da corte, violinista solista dos Teatros Imperiais de São Petersburgo e professor do conservatório desta cidade. Ali compõe, para além de muitas outras obras, um dos seus concertos mais conhecidos, o Concerto para Violino n.º 4 em Ré menor, Op. 31, descrito por Berlioz como “uma sinfonia para violino”. Apesar de ter assinado um contrato de seis anos com a corte russa, foi-lhe permitido dar concertos fora desse país durante as suas férias anuais, continuando a actuar em toda a Europa.

Vieuxtemps regressa à sua Bélgica natal em 1852 e permanece em Bruxelas até 1854, quando se muda para Dreieichenhain, perto de Frankfurt, onde permaneceria por mais de dez anos. A sua segunda digressão aos Estados Unidos teve lugar em 1858, onde actuou 75 vezes em menos de três meses! Em 1858, o seu amigo Hubert Léonard e professor do Conservatório de Bruxelas encomenda-lhe uma obra para ser utilizada num concurso de violino da instituição. Entre 1858 e 1859 Vieuxtemps compõe o Concerto para Violino n.º 5 em Lá menor “Grétry”, Op. 37, obra de grande sensibilidade e tom romântico. O concerto foi expressamente concebido para testar as capacidades de alunos muito avançados do instrumento, mas manteve-se no repertório por mérito próprio e provavelmente ultrapassa o Quarto Concerto em popularidade. Devido a uma situação política cada vez mais difícil, deixou a sua casa em Dreieichenhain em 1866 e estabeleceu-se em Paris. A sua mulher Josephine morreu de cólera em 1868, o que o levou a fazer uma longa pausa na sua intensa agenda de concertos.

Embarcou na sua terceira digressão pelos Estados Unidos em 1870, influenciado a aceitá-la em parte pelo início da Guerra Franco-Prussiana. Durante essa tournée, actuou 121 vezes em meio ano. Em 1871, depois de ter recusado duas vezes cargos de ensino, aceitou finalmente uma cátedra no Conservatório de Bruxelas. Os seus alunos mais famosos foram Eugène Ysaÿe e Jenö Hubay. Em Setembro de 1873, enquanto se encontrava em França num concerto de caridade para ajudar vítimas da Guerra Franco-Prussiana, sofreu uma apoplexia e perdeu o uso do braço direito, tendo ido morar para Paris com a sua filha e genro, voltando gradualmente a compor e até a tocar, embora não publicamente. Após uma tentativa abortada de voltar às aulas no Conservatório, resolveu mudar-se com a sua irmã para Mustapha, na Argélia, onde o marido desta residia. Ai dá continuidade ao seu trabalho criativo e compõe os seus dois últimos concertos: o Concerto para Violino n.º 6 em Sol Maior, Op. 47 dedicado à violinista Wilhelmine Normand-Neruda e, logo a seguir, o Concerto para Violino n.º 7 em Lá menor, Op. 49, dedicado a Hubay que o visita na Argélia. Permaneceu um compositor ativo quase até ao dia da sua morte, no dia 6 de Junho de 1881. O seu corpo foi transladado para a Bélgica onde Vieuxtemps foi recebido como um herói nacional e enterrado em Verviers, a sua cidade natal.

Sugestão de audição:
Vieuxtemps: Violin Concerto No. 5
Viktoria Mullova, violin, Academy of St. Martin in the Fields, Sir Neville Marriner – Philips, 1989

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