Entre o Oriente e Ocidente h | Artes, Letras e IdeiasSobre o jardim Gonçalo M. Tavares - 10 Jan 202018 Fev 2020 Sobre o jardim O jardineiro é um astrónomo que em vez de olhar para cima olha para baixo e isto parece-me uma definição prática da coisa. O jardineiro recebe ordens dos patrões, se os tiver, e dos astros – os mais altos e antigos emissores de luz. Se fores pintor, o jardim é cor. Verde no centro, aqui mais escuro, mais claro ali, castanho da terra – um castanho que varia tanto – e árvores. Se alguém for senhor da arte dos perfumes ou da gastronomia, o jardim avançará para ser aquilo que a terra produz e é táctil e tem sabor. O que é a ópera para a arte – ópera que tem lá dentro tudo: canto, música, teatro, dança, literatura e etc. – é o jardim para o espaço da cidade. O jardim, pois, como obra de arte completa: é feito para todos os sentidos do corpo. “De mais nada fala o Jardineiro, se não do andamento dos astros, das estações, dos corpos estelares e dos corpos verdes e das suas conjugações.” Maria velho da Costa Portas, entrada Pensar numa casa no Oriente feita de portas. Talvez seja isso a definição de um labirinto: no caminho tudo são portas; tudo, pois, são entradas decisivas: um passo para a frente e estamos noutro lado, noutro mundo. Cuidado com o passo que dás! Uma porta é um cruzamento. Se está fechada impede a entrada ou exige uma acção. A porta fechada como manifestação de pouca familiaridade e, ao mesmo tempo, como pedido de um movimento. A porta aberta, pelo contrário, como uma manifestação de confiança. A porta aberta diz: confio em ti, podes avançar mantendo o movimento uniformemente leve. Como entrar no novo ano no Ocidente? Com o movimento uniformemente leve que as portas abertas do Oriente sugerem. Poemas do Oriente: Comer, fazer a barba, reflectir Arroz na taça, costas curvadas, paus rápidos, enchem-se, esvaziam. Taça antes cheia de arroz, agora brilha. Vês o fundo, vês-te ao espelho. É preciso comer, sem isso não entendes nada. Fazes a barba frente à taça de arroz vazia, pendurada com a inclinação certa. Podes fechar os olhos, não te cortas. Há quem diga que nem lâminas são necessárias. ILUSTRAÇÃO: ANA JACINTO NUNES