同人 A Comunidade de Macau

[dropcap]P[/drocpap]ara tentar não repetir o que se vem escrevendo sobre os 20 Anos da RAEM, fiz a pergunta ao Yi Jing [Livro das Mutações] e a resposta dada foi o hexagrama Tongren, 同人 Comunidade com os Homens, cuja imagem é o trigrama Céu sobre o trigrama Fogo. Pela natureza do fogo a chama arde em direcção ao Céu e tal sugere a ideia de comunidade. Este hexagrama é o oposto do hexagrama Shi, que significa Exército e simboliza Terra sobre Água, tendo como Imagem algo perigoso no interior e obediência no exterior a exigir disciplina, assim como a necessidade de um homem forte entre muitos fracos.

Já para Macau, “a clareza encontra-se no interior e a força no exterior, o que caracteriza uma pacífica união entre os Homens, que para manter sua coesão necessita de uma pessoa suave entre muitas firmes”, em tradução de Richard Wilhelm, que segue para o Julgamento: “A comunidade com os Homens em espaço aberto tem sucesso. (…) A verdadeira comunidade entre os homens deve basear-se em interesses de carácter universal. Não são os propósitos particulares do indivíduo, mas os objectivos da humanidade que criam uma comunidade duradoura entre os homens. (…) Para que se possa formar uma tal comunidade, é necessário um líder perseverante e lúcido que tenha metas claras, convincentes, que despertem entusiasmo e que possua força para realizá-las.”

Pela Imagem dos trigramas encontrados entende-se: “O Céu movimenta-se na mesma direcção que o fogo e, no entanto, são diferentes um do outro. Assim como os corpos luminosos no Céu servem para a articulação e divisão do Tempo [na China o Tempo é uno, mas como método pode desdobrar-se pelos ciclos da História que se repetem em diferentes níveis de complementaridade e sincronia], a comunidade humana e todas as coisas que pertencem à mesma espécie devem ser estruturadas organicamente. A comunidade não deve ser um símbolo conglomerado de indivíduos ou coisas — isto seria um caos, e não uma comunidade —, mas para que a ordem se estabeleça é necessário que haja uma organização entre a diversidade dos seres.”

Ao deitar as três moedas para encontrar os dois trigramas, que formam o hexagrama, na primeira linha saiu o número 9 e respeitante a essa linha lê-se: “O início de uma união entre homens deve ocorrer diante da porta. Todos encontram-se igualmente próximos uns dos outros. Ainda não existem divergências e nenhum erro foi até então cometido. Os princípios básicos de qualquer tipo de união devem ser igualmente acessíveis a todos os participantes. Acordos secretos geram infortúnio.”

Harmoniosa comunidade

Passeava por Macau quando, em frente às ruínas de S. Paulo, encontro um jovem a explicar a História do monumento e cada um dos símbolos da fachada a um enorme grupo de estudantes mais velhos. Seguiram depois o jovem guia, em Actividade Formativa sobre o Património Cultural, para o Templo de Na Cha e daí para o Museu de Macau. Espanta a profundidade das explicações e a sua desenvoltura rivaliza com os guias profissionais. Espelha o excelente trabalho que em Macau se vem fazendo na Educação.

Esse processo civilizacional que a educação tem dado ao estar dos jovens residentes de Macau transborda para os visitantes e, por isso, encontramos as ruas mais limpas e mais respeito e valorização do património.
Também um dos vectores trabalhados durante os últimos vinte anos diz respeito à educação artística e sobretudo musical, dando gosto ver os progressos feitos, tanto ao nível de executantes como dos ouvintes.

Nos concertos de música clássica são agora os espectadores vindos do exterior de Macau a mostrar não terem sido educados para assistir em silêncio e ter a delicadeza de não usar os telemóveis, mesmo quando no início dos espectáculos lhes é pedido para os desligar. Já os comportamentos dos jovens locais e mesmo das crianças nos concertos dá para observar como escutam a música e esta os coloca com o espírito no patamar do grande prazer.

Um dos maiores atractivos de Macau é apresentar um alto nível de segurança, tanto de dia como à noite, para todos os que nela vivem e a visitam, complementado por um estar familiar a envolver quem pela cidade anda, onde ainda é normal haver quem delicadamente se cumprimenta com uma saudação, mesmo entre pessoas que apenas se conhecem do cruzar quotidiano. Existe ainda uma entreajuda e solidariedade encontrada entre e nos seus residentes, assim como disponibilidade para esclarecer as dúvidas dos turistas quando precisam dalguma informação. Já quanto aos taxistas, que são o cartão-de-visita de qualquer cidade, encontrei sempre muitos ao longo dos anos de uma extrema educação e respeito para com os clientes e os que não apresentavam tão elevado grau de atitude têm vindo rapidamente a melhorar o seu comportamento, muito devido à acção de penalização que lhes tem sido aplicada. Essas mudanças registam-se também na maior parte dos condutores de autocarros na forma da sua condução e respeito pelos mais idosos.

Outro factor muito positivo e do agrado dos residentes é o atendimento nos serviços da administração pública, cujo nível de excelência é pouco habitual em outras cidades do mundo e assim, ter de tratar de assuntos ligados ao quotidiano deixa os residentes com um elevado grau de satisfação a fazer esquecer algumas agruras ainda existentes.

Falta vedar um conjunto de algumas poucas ruas secundárias para se poder atravessar a pé a maior parte da cidade sem se ser importunado pelo trânsito de veículos motorizados. Essa via verde pedonal não seria difícil de criar e para se usufruir de um tranquilo caminhar era só preciso ser arborizada e ter esplanadas para tornar a cidade mais viva e saudável.

A diferença entre os jovens de Macau e os de Hong Kong – e mesmo da maior parte do resto do mundo – é sentirem existir aqui o momento com futuro, enquanto esse sentimento não existe para os outros que vivem já sem esperança.

Apesar dos quase trinta anos que levo de Macau, a cidade surpreende-me cada vez que saio de casa e a pé me deixo enredar pelos esquecidos pátios, becos, travessas e ruas, ainda a perpetuar a tradição, mas que não merecem a atenção das multidões. Estas, apenas ocupam poucos lugares centrais da cidade e não perturbam pois, com um pequeno desvio, logo nos conseguimos colocar fora dessa onda, se for caso de querer evitar as multidões.

Considero Macau a minha terra e gosto de aqui viver e bastavam pequenos arranjos para se tornar um lugar de eleição, como poucos existentes pelo mundo.

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