RAEM, 20 anos | Gémeos nascidos antes da transferência dizem que Macau é “cada vez mais China”

Pouco antes da meia-noite, a 19 de Dezembro de 1999, os gémeos Rodrigo e Santiago Castanheira tornaram-se nos últimos a nascerem em Macau sob administração portuguesa, numa cidade que, dizem os próprios, “é cada vez mais China”

 
[dropcap]A[/dropcap] partir dos 15 anos deixaram de ir a Portugal. Deixaram de seguir as novelas brasileiras nas televisões portuguesas, mas ainda assistem aos ‘telejornais’. Seguem religiosa e orgulhosamente a selecção portuguesa de futebol, mas não votam. Gostam de pasteis de nata, mas franzem o sobrolho “às réplicas chinesas” e preferem aqueles que vêm congelados de Portugal. Não falam cantonês ou mandarim, elogiam a qualidade de vida de Macau, mas criticam a falta de civismo, sobretudo daqueles que vêm do Interior da China.
Rodrigo e Santiago, que nasceram separados por cinco minutos, hesitam, mas são assertivos na conclusão: são tão macaenses como portugueses. Mas macaenses fruto da união dos “pais que são mesmo portugueses”, que “não são mistura”.
A política é assunto raro na conversa com os amigos. Contudo, os gémeos dizem sentir um “clima cada vez mais impositivo” em Macau, que “é cada vez mais China”. E conseguem traçar uma diferença significativa entre a população, mas sobretudo entre os jovens, do território e da cidade vizinha de Hong Kong que tem sido marcada há meio ano por manifestações violentas: “Em Macau não há razões para se protestar”, sentencia Rodrigo, com Santiago a admitir que durante muito tempo não sabia qual a origem das marchas pró-democracia.
Da ‘margem’ de Macau, que só tem recebido elogios de Pequim pelo sucesso na aplicação do princípio “Um País, Dois Sistemas”, traçam uma certeza política sobre o que se passa na região vizinha: “Se querem a independência de Hong Kong, se querem ser Taiwan, é claro que a China não vai deixar. Aqui e em Hong Kong é a China que decide”.
Lamentam a falta de civismo e comparam, mais uma vez a realidade de Macau com a de Hong Kong. Dizem que “ao lado, fazem filas nas escadas rolantes, nos autocarros, no metro, não se veem beatas de cigarros no chão e não é frequente cuspirem para o chão”. Em Macau, destacam, já não é assim.

Depois do pôr do sol

Nas deslocações entre a praia de Hac Sá, onde vivem, no sudeste da ilha de Coloane, e a península de Macau, viram crescer a economia idealizada por Pequim: os hotéis, os casinos e todos os equipamentos associados à exploração do jogo, onde antes apenas existia pouco mais do que um pântano.
À ‘boleia’ do jogo chegou alguma criminalidade, mas que não é visível à luz do dia, explicam, exemplificando: “à noite é que aparecem os mafiosos e a prostituição”. Uma criminalidade insuficiente, contudo, para ‘contaminar’ uma cidade que é “uma das mais seguras do mundo, de certeza”, algo que valorizam e que contribui para apontarem “a qualidade de vida que existe em Macau”.
Em Macau, “cidade muito pequena (…) onde já não se fala praticamente o português”, habituaram-se a percorrer as ruas sem que quase ninguém perceba o que conversam, pelo que lhes causa alguma estranheza os relatos bem diferentes do irmão mais velho, que estuda Direito em Portugal.
Diferentes, são “os melhores amigos que vivem na mesma casa”. Santiago já terminou o 12.º ano, está a fazer “uma pausa” para melhorar as notas na disciplina de português e quer estudar gestão empresarial em Portugal. Rodrigo está a concluir o 12.º, quer continuar a jogar râguebi, mas profissional, e seguir a área de desporto, em Hong Kong ou em Macau.
Adoram o antigo território administrado por Portugal, uma “cidade multicultural”. Santiago defende que Macau devia apostar mais nas políticas ambientais. Rodrigo sustenta que a ‘Las Vegas da Ásia’ tem que “investir em outras coisas porque o jogo não vai durar para sempre”.
Santiago sintetiza o sentimento comum dos gémeos, quando vem à baila a história associada aos seus nascimentos: “Já não há muito para acrescentar, mas é sempre giro dizer que fui o último a nascer no Império português!”.

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