1. Picada
Parece que foi Donald Richie, escritor americano que viveu grande parte da sua vida no oriente, a afirmar que se fica contagiado por essa parte do mundo como se fosse uma picada de insecto. Não é contágio lento, é algo súbito. E que depois fica.
Eu diria, uma picada que nunca mais deixará de fazer um som. Um som sem som, um som mudo, mas que é um chamamento: não sais daqui. Ou: não te esqueças de mim.
Como uma picada. Ou seja: de um momento para o outro.
Picada ou iluminação, dois termos que atiram para o instantâneo. De um momento para o outro, o escuro fica claro (iluminação) e de um momento para o outro a pequena dor que se sente, numa mínima parte da pele, muda por completo o nosso foco, o nosso caminho; no limite: a nossa biografia.
Pensar numa picada que ilumina, uma picada que ilumina antes da electricidade: uma luz natural.
2. Poemas do Oriente, Mistério
Um cofre no meio da floresta. Que necessidades desconhecidas
terão as árvores e as cigarras
para no meio delas
se colocar uma caixa, um cofre?
Alguém fala de um outro animal
que por aqui também anda
e que quer tudo o que pode mudar de sítio,
tudo o que portátil:
o homem, é por causa do homem
que se fecham as coisas.
Mas alguém diz ainda: o cofre está vazio,
completamente vazio, mas mesmo assim, nenhum instrumento humano
será capaz um dia de o abrir.
Não consegues abrir um cofre que está vazio
e já aberto –
ele é sempre mais forte.
Não tens força, inteligência, destreza
para mudar algo que não pode
ser mudado.
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