O massacre de Lidice na música de Bohuslav Martinů

[dropcap]N[/dropcap]o dia 28 de Agosto, assinalam-se 60 anos da morte do compositor checo Bohuslav Martinů, um dos gigantes da música checa do séc. XX, a par de Leos Janáček. Martinů é também um dos mais conhecidos compositores da chamada École de Paris, e um compositor com uma voz distintamente individual e uma versatilidade que o levaram a distinguir-se em todos os meios de expressão, de obras para o palco a sinfonias e quartetos de cordas, num total de mais de 400.

Numa noite inesquecível em Junho de 1942, a tranquila aldeia de Lidice, na Checoslováquia, deixou de existir. Não foi nem um terramoto nem uma inundação que varreu esta cidade de colinas verdejantes a oeste de Praga, mas sim a perversidade da natureza do homem. Tropas nazis varreram a aldeia enquanto esta dormia, matando os homens e deportando as mulheres e as crianças. Os edifícios foram totalmente queimados e tudo foi arrasado; nada restou, nem mesmo o cemitério. O massacre foi a forma dos nazis se vingarem da conspiração para assassinar o perverso líder das SS Reinhard Heydrich (“Heydrich, o carrasco”), cujo mandato como governador regional tinha semeado um reino de terror. Pouco depois de Heydrich morrer de ferimentos devidos à tentativa de assassinato que sofreu, a retaliação começou.

Lidice foi apontada como tendo abrigado os soldados que mataram Heydrich e a punição foi concebida pelos próprios Hitler e Himmler. Todos os homens adultos da aldeia foram reunidos e levados para uma quinta nos arredores, onde foram abatidos dez de cada vez. As mulheres e crianças foram então separadas e enviadas para campos de concentração separados. No final, 173 homens foram mortos, 184 mulheres e 105 crianças foram enviadas para campos de concentração. Algumas das crianças pequenas foram consideradas viáveis ​​para a “germanização” e foram enviadas para morar com as famílias de oficiais das SS. Infelizmente as restantes 82 foram consideradas nada mais que um fardo e foram remetidas para o Campo de Concentração de Chełmno, onde foram gaseadas.

Os horrores de Lidice tornaram-se um emblema, um símbolo de como uma aldeia sonolenta e inocente poderia ser varrida pelo terror fascista. A intenção era obliterar a aldeia – mas permaneceu uma memória poderosa. Outras cidades adoptaram o nome e alguns pais deram esse nome a meninas nascidas na época. Lidice emergiu como um símbolo não apenas para os checos, mas também para o mundo. Em 1943, a Liga Americana de Compositores pediu a vários compositores proeminentes para escreverem obras baseadas neste incidente muito falado na época. Em 1957, o governo da Grã-Bretanha plantou um enorme jardim de rosas na aldeia, que foi eventualmente reconstruída por aqueles que sobreviveram, 153 mulheres e 17 crianças.

Várias obras de arte, incluindo várias peças musicais comoventes, comemoraram o momento.
Bohuslav Martinů foi um dos primeiros a reconhecer, na música, aquela noite terrível em Junho de 1942. O seu sombrio Memorial a Lidice, de 8 minutos, continua a ser a declaração mais eficaz sobre o massacre de Lidice. A obra foi escrita em 1943, um ano depois da aldeia checa ser arrasada. À medida que se ouve a obra, desde os envolventes compassos de abertura do Adagio, o Memorial a Lidice cria um surpreendentemente emocional “mundo interior”, com uma bitonalidade saltitante – a sobreposição de duas tonalidades contrárias e destoantes, Dó menor e Dó sustenido menor. Através do desenvolvimento da obra, Martinů cita um hino a S.

Venceslau, o patrono da Boémia. Após uma secção central de acentuada intensidade, o Adagio inicial regressa, trazendo uma citação esperançosa: o “grito de vitória” da abertura da Quinta Sinfonia de Beethoven. A peça termina então em Dó Maior.

Sugestão de audição da obra:
Bohuslav Martinů: Memorial to Lidice
The Philadelphia Orchestra, Christoph Eschenbach – ONDINE, 2005

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