O primeiro retrato de Offenbach da vida parisiense contemporânea

[dropcap]A[/dropcap]ssinalam-se este ano 200 anos do nascimento do compositor e violoncelista romântico francês Jacques Offenbach, nascido Jakob Eberst em Colónia no dia 20 de Junho de 1819, um paladino da opereta e precursor do teatro musical moderno.

A sua ópera bufa, ou opereta La vie parisienne, com libreto de Henri Meilhac e Ludovic Halévy, é o primeiro retrato completo que Offenbach faz da vida parisiense contemporânea, contrastando com as suas obras de época anteriores, mais fantásticas e mitológicas, e tornou-se uma das operetas mais populares do compositor.

No final dos anos 50 do séc. XIX, Paris começou a viver um período de frivolidade e a decadência do Segundo Império, o regime monárquico bonapartista implantado por Napoleão III de 1852 a 1870, entre os períodos históricos da Segunda e da Terceira República, na França. Durante esse período, Paris foi centro de exposições mundiais, para onde convergiam a divulgação do progresso cultural e industrial do mundo. A cidade, administrada pelo Barão Georges-Eugène Haussmann, passava por um moderno processo de urbanização, caracterizado pela abertura de novas e amplas avenidas, chamadas boulevards. Os espectáculos teatrais começaram a explorar humoristicamente o espírito, a inteligência e o divertimento característicos da vida parisiense.

Foi, assim, durante o período do Segundo Império que estreou a primeira opereta de Offenbach, Orphée aux enfers (1858), um grande sucesso de bilheteira, que salvou Offenbach e a sua companhia de dificuldades financeiras. A fama e a popularidade de Offenbach subiram às alturas e, nas duas décadas que se seguiram, o compositor escreveu numerosas operetas, a maioria de grande sucesso, como La belle Hélène (1864), La vie parisienne (1866), La Grande-duchesse de Gérolstein (1867), e La Princesse de Trébizonde (1869), num total de mais de noventa!

Em 1864, o Théâtre du Palais-Royal apresentou uma comédia-vaudeville em um acto de Henri Meilhac e Ludovic Halévy intitulada Le photographe (O Fotógrafo). Dois anos antes, uma comédia pelos mesmos autores, La clé de Métella (A Chave de Métella) tinha sido apresentada no Théâtre du Vaudeville. No ano seguinte, os mesmos tinham apresentado no Théâtre du Palais-Royal Le Brésilien, uma comédia em um acto.

Estas três peças pressagiam o libreto de La vie parisienne, datado do final de 1865. A opereta foi estreada no dia 31 de Outubro de 1866 no Théâtre du Palais-Royal em Paris com cinco actos, e foi uma sensação, ainda mais do que a opereta Barbe-bleu, também de Offenbach, levada à cena poucos meses antes, tendo tido, inclusive, como espectadores, entre outras, personalidades como o Príncipe de Gales, no início de Dezembro de 1866, e Napoleão III e a sua esposa que assistiram à sua 58ª representação no dia 28 de Dezembro de 1866. O Czar da Rússia e os seus dois filhos assistiram à 217ª representação no dia 5 de Junho de 1867 e a opereta manteve-se em cena até ao dia 24 de Julho de 1867, com 265 representações. É reposta no dia 9 de Março de 1868 e atinge as 293 representações no dia 5 de Abril de 1868 e depois, de 2 a 31 de Outubro de 1969, atinge as 323 representações. Seguidamente, foi montada em várias cidades de província, como Marseille, Rouen, Lille, Lyon e Nantes. No dia 30 de Março de 1872, ocorreu a sua estreia no Holborn Theatre, em Londres, numa versão do dramaturgo Francis Burnand. No dia 25 de Setembro de 1873, foi estreada a versão curta de quatro actos (sem o quarto acto original) no Théâtre des Variétés da capital francesa, versão reposta em 1875. A obra chegou ao Booth Theatre, em Nova Iorque, no dia 12 de Junho de 1876.

O timing não poderia ter sido melhor para La vie parisienne, pois os visitantes internacionais da Exposição Universal de Paris de 1867 ficaram intrigados com a trama, que gira em torno das aventuras e desventuras amorosas de um Barão e Baronesa suecos, os Gondremarcks, no decorrer das suas férias em Paris. No primeiro ato, os barões e um brasileiro rico, Frick, enredam-se numa teia tecida por dois homens, Raoul de Gardefeu e Bobinet, desesperadamente apaixonados por uma “mulher da vida”, Métella, numa estação de comboios.

Os próximos quatro actos incluem todos os elementos necessários para uma opereta bem-sucedida: criados que se apresentam como membros da classe alta, identidades ocultas, ligações frustradas, hedonismo e consumo de bebidas alcoólicas. La vie parisienne foi o primeiro empreendimento de grande sucesso de Offenbach no género opereta com um cenário contemporâneo, assuntos actuais e personagens com roupagens modernas. Semelhanças com Die Fledermaus (O Morcego) de Johann Strauss (1874) abundam. La vie parisienne é um trabalho alegre e cómico em louvor a Paris, mas não sem reservas. Quando os Gondremarcks são transportados e enganados, começam a perceber que Paris não é tão fascinante quanto foram levados a acreditar pela sua imaginação. É, no entanto, fascinante o suficiente e tem coisas novas para lhes oferecer, ou seja, amor, dança e bebida.

 

Sugestão de audição da obra:
Jacques Offenbach: La vie parisienne
Régine Crespin, Mady Mesplé, Luis Masson, Michel Sénéchal, Michel Trempont, et al, Orchestre du Capitole de Toulouse, Michel Plasson – EMI Classics, 2002
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