Por que (não) precisamos de Chás Afrodisíacos

[dropcap]T[/dropcap]odos temos teorias do que é o desejo, o sexo e o amor. Atribuímos significados às nossas sensações e definimos cronologias do que vem primeiro ou depois.

Primeiro o desejo, depois o sexo e depois o amor, talvez. Pelo menos os psicólogos da evolução do comportamento parecem sugerir que o amor veio por último – um desenvolvimento natural para justificar a sobrevivência. Que não é bem a nossa sobrevivência, mas a dos genes que os nossos bebés carregam. E claro, lógica mais natural é de que os bebés irão sobreviver melhor se tiverem um pai e uma mãe a protegê-lo. Assim pensam uma facção de psicólogos que gostam de simplificar e normalizar aquilo que – talvez – não traz grande vantagem em ser assim simplificado.

Mecanizar o que somos resulta numa enorme ausência de significado nas nossas vidas. Parece que vivemos para racionalizar tudo e todos, somos ateus e descrentes. Queremos esmiuçar o que é complexo porque a fenomenologia do saber não basta. Não basta sentirmos, temos que pensar de forma a deslegitimar o que sentimos. Como se o nosso sistema sensório-motor estivesse a enganar-nos e precisássemos de esclarecer exatamente o que se passa connosco.

Na forma mais romântica de sermos, estas sensações que o desejo, o sexo e o amor trazem, poderão muito bem justificar o que somos. Como se fizesse parte da nossa procura de sentido. Só que biologia despe tudo de magia. Deixa-nos a sós com a ideia de que afinal somos só feitos de mecânicas e químicas que justificam o que sentimos. A investigação mostra que os caminhos neuronais para o desejo e para o amor são muito semelhantes. E o que é que isso nos interessa?

Precisamos mesmo de procurar os caminhos neuronais do amor? Há quem ache que sim, eu acho que não. Optar pelo modelo biomédico do sexo e do amor é assumir que a procura por quem somos, até nas formas mais esotéricas, não as incluem. Se tentamos reduzir a magia do amor à presença de oxitocina, estamos mal. Tiramos a possibilidade de sermos mais do que um conjunto de células que só reage quando tem que reagir. Por exemplo, julgar que chás afrodisíacos curam a falta de desejo é assumir que o corpo pode ser só um corpo. Nada mais. E quem fala de chás, fala de medicação ou outras técnicas que assumem que o sexo só precisa de um estímulo e não de uma história – complexa, rica, com vitórias e perdas que lhe fazem parte – para resultar em desejo, sexo e amor.

A solução é a estória ou a narrativa. As narrativas que contamos – melhor do que as áreas do cérebro que se activam numa ressonância magnética – mostram-nos melhor como o desejo cresce ou desaparece. Com o uso das palavras penetramos os símbolos, as emoções ou os comportamentos dos diferentes estados de enamoramento. Não presenciamos só aos significados, mas à mobilização de conteúdos que nos reinventam. Da forma como bebemos da imaginação para sobreviver à distância de quem mais gostamos ou para sobreviver a proximidade de muitos anos. Criamos estórias para contrariar a tendência mecânica e simplista. Estórias que podem ser criadas por muitos ou individualmente. As culturas tendem a definir as estórias amorosas dignas de serem vividas ou imaginadas. Só que nós somos uns rebeldes pelo prazer e pelo amor. Recriamos os contos de fada para sermos felizes – porque só contando e apropriando das nossas estórias é que podemos senti-las como nossas. Com as perspectivas vigentes, podemos ser princesas, príncipes e vilões ou animais que se regem por instintos e nada mais. A verdade é que num mundo de opções de como escolhemos viver o desejo, o sexo e o amor são sempre escolhas entre narrativas. Podemos optar por amor e sexos fantásticos ou do tipo aborrecidos que as narrativas biológicas nos tentam impingir.

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