Festa a S. João Baptista

[dropcap]H[/dropcap]oje, 24 de Junho, para os cristãos nasceu S. João Baptista. Pagã personagem histórica do início da nova Era, como eremita no deserto purificava com água do Rio Jordão quem acreditava, dizendo: -Eis o Cordeiro de Deus.

Ritual animista inserido nos dias de celebrações ao Solstício de Verão, quando em colectiva exterior confraternização, esfuziante de alegria, se agradece as colheitas do ano. Encerra o período do fogo que começara no Solstício de Inverno. Regeneração iniciada pela festa da família no interior de casa a ocorrer à mesa em balanço do ano agrícola, e para os cristãos, dias depois, no Natal.

“Ensinam os livros que a Festa do Sol, no solstício do Verão, marca um lugar de passagem. Do formal para o informal, do finito para o infinito, do tempo para a eternidade. O Sol entrou no seu movimento descendente de declínio, a caminho do nadir e, de novo, da ascensão e do renascimento. S. João Baptista é o zénite, Cristo o nadir; e ambas as festas, o S. João e o Natal, convocam – dizem os livros – arquétipos primitivos da alma e da natureza dos homens”, segundo Manuel António Pina que adita, “S. João Baptista é tido como santo austero, dado a jejuns e às orações, mais do que a euforias; mas dizem também a Bíblia e a lenda que saltou de alegria na barriga de Isabel à visitação de Maria, mãe de Jesus. A Igreja partilhou entre os dois, João e Jesus, as festas solsticiais: João foi nascido (mais do que nasceu) no solstício de Verão quando o Sol, no zénite, inicia o longo declínio para a Obscuridade; e Jesus no solstício de Inverno, quando o ciclo solar se torna de novo ascendente, e os dias crescem, cada vez mais limpos e luminosos. João, testemunha de Jesus, não foi que disse: É preciso que Ele cresça e que eu diminua?”

Segundo Eugénio de Andrade, “… a festa do solstício de Verão, com as comemorações do fogo, da água e da vegetação, tem mais a ver com o espírito dionisíaco do que o cristianismo, que de solar teve sempre muito pouco”.

A escuridão prepara para tomar conta da luminosidade do dia e expandir cada vez mais a noite.

Noite de S. João

O solstício a marcar a passagem para o Verão é comemorado desde tempos imemoráveis como festa pagã. Vivida pelo exterior nas anuais mais curtas noites, sob o Céu expõe-se o ano ocorrido, manifestando o estar com que se entra e se faz festa. Colectiva energia cujo ânimo sem a diária competição faz realidades criadas pelo fogo e água, e resolvidas as questões do individual, renasce a amizade entre pessoas, originando a maneira espacial da cidade. Nessa alegria fraterna, as vibrações são alimentadas por rusgas e o saltar fogueiras, associado ao casamento e fertilidade.

Acesa a fogueira serve também para transmitir mensagens e segundo a tradição, assim Isabel avisou a irmã Maria do nascimento de João. Culto ao Sol com balões a subir pelo ar, cascatas recriando a natureza com musgo e água a correr, encontrando-se no meio S. João. Noite passada ao relento acompanhada de “comes e bebes das orgias e o matraquear dos ritmos que permitirão o transe, a entrega”, Yvette Centeno.

Durante toda a noite de 23 para 24 de Junho a comunidade sai de casa para celebrar na rua o início do Verão, esplendor no yang da Natureza. Corrente de gente vagueia em exterioridade purificadora criando a festa ao interagir com o outro. Com direito à rua, aí mostra o ano que passou através do instrumento com que acolhe o outro e é nesse comunicar ‘provocatório’, que pela interacção nos apresentamos. Assim, em outra grandeza o S. João é uma festa do cheiro. Para quem teve um bom ano expressa-o transportando o manjerico, vaso difícil de carregar, mas para quem toque nessa erva-benta, ela cheirar. Colocadas na terra do vaso, bandeirinhas com mensagens em rima, trocadas entre namorados ou de foro popular a malandrado. O alho-porro de quem insatisfeito tem algo a expressar pelo cheiro, ao batê-lo na cabeça do outro escolhido deseja boa sorte e no fim da festa coloca-se atrás da porta da casa para a proteger contra o mau-olhado. Da subtileza da cidreira, ou de outras ervas bentas, de aroma agradavelmente silvestre, onde por zangadamente enganado se podem encontrar misturadas urtigas, sendo o intuir do momento a decidir se cheirar, ou duvidar. Já as plumas campestres substituídas pelas de plástico perfumado revertem para os martelinhos e nesse concerto geral (de notar ser S. João Baptista também o padroeiro dos músicos e de muitas outras instituições e colectividades) se recompõe o ritmo das energias colectivas da cidade.

Perdida está a tradição do cravo vermelho, nessa noite comprado pelas raparigas a pretender casar e ao deixá-lo cair esperavam o rapaz que o apanhasse para com elas ficar. Noite para encontrar o par. Espera-se pelas orvalhadas, normais nessa madrugada, e sinónimas de fertilidade sobre essa humidade as jovens se rebolavam. Costume é ainda antes do nascer do Sol ir mergulhar na água como protecção do ano contra certas doenças, pois a água imuniza e limpa.

Mudança de Luz

Sendo o Dragão símbolo do paganismo, tem S. João Baptista como seu herdeiro e representante. João, conhecido pelo Baptista, a voz que clama no deserto, baptizou Jesus, sendo o seu precursor, como o Profeta Isaías anunciou. Era filho do sacerdote Zacarias e de Isabel, prima da Virgem Maria, e preparava as pessoas para um novo ciclo, o da água.

Fiel aos princípios, sem nunca deles abdicar, João foi preso e degolado por censurar o comportamento do tetrarca Herodes de Antipas, acusando-o publicamente de adultério ao casar com Herodíade, sobrinha e cunhada, pois esposa do irmão ainda vivo. Ao contrário dos outros Santos canonizados, não é no dia da sua morte, 29 de Agosto, que se celebra a festa maior.

Após a sua morte foi a doutrina subvertida e encontramos a imagem do mítico Dragão a tornar-se num monstro feroz-mente a combater, primeiro por Paulo de Tarso e entre outros, mais tarde por S. Germano, o escocês, para libertar a cidade do monstro que comia criancinhas. Também S. Jorge, nascido na Capadócia e padroeiro de Inglaterra, montado num cavalo branco salvou a filha do rei de ser devorada por um animal feroz, transformado ao longo dos tempos num dragão a eliminar.

No entanto em Portugal o catolicismo incorporou muito desse estar pagão e com esse dragão soube englobar o outro, do que em si não compreendia e assim a diferença desta doutrina no resto dos países europeus. Interagindo com o outro, purificamos para encerrar o semestre do período do fogo. E pela água a redimir, abre-se o caminho aos que acreditam, para se conseguir fechar o Ciclo pela terceira idade do Ser Humano. A mensagem de Jesus, a do espírito santo, conquistado pelo consciente do idoso e iluminação do ancião.

Em Macau, os holandeses foram derrotados no dia 24 de Junho de 1624 e nessa altura, o Senado e o povo elegeram S. João Baptista padroeiro de Macau, prometendo comemorar todos os anos essa vitória. Voto escrupulosamente cumprido até agora e assim é celebrado o dia de S. João com festa na Calçada da Igreja de S. Lázaro.

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