Clube dos apreciadores de nuvens

[dropcap]A[/dropcap]ssim, amigos: mais um dia em que escrevo, buscando pequenas redenções ou dragões do meu tamanho que possa combater. Mas não está fácil. A temperatura do ar ronda os 34ºC, o que para este escriba é o primeiro passo para o transformar num serial killer de renome; e como se isso não bastasse – e nunca basta -, um olhar rápido pelos jornais confirma que o céu límpido que vejo daqui alberga coisas bem mais negras: “Enfermeiro condenado a quatro anos de prisão por abusar de menor”, “Homem mata filho em Pombal com arma branca”, textos sobre corrupção sortida, calamidades a la carte, casos de abuso de poder e, claro, a continuação sem fim de todos os conflitos bélicos que sempre foram e serão irresolúveis.

Dirá o leitor: “Está certo. Mas há maneiras de escapar à humanidade, a começar por aceitar tudo o que é humanidade”. O leitor tem razão e foi isso que fiz. Daí que me tenha lembrado de uma notícia de que fui informado há algum tempo e que na altura achei improvável. Fui à procura e eis a boa nova: existe. É verdade. É fulcral. É útil. É um descanso, poesia, suspiro de alívio. Trata-se de um clube dedicado exclusivamente à contemplação de nuvens. É, não é? É.

Tratar as coisas pelos nomes: a Cloud Appreciation Society (cloudappreciationsociety.org) tem origem na Inglaterra mas tem membros de todo o mundo. O seu objectivo é auto-explicativo: ver nuvens, distingui-las, falar e escrever sobre elas. Assim de repente não consigo lembrar-me de nada que junte tão perfeitamente o espírito dos Românticos do século XIX com a tecnologia dos nossos dias. É como se Keats estivesse online.

Vale a pena passear pelo seu manifesto. Logo na alínea inicial está a declaração de intenções: “Acreditamos que as nuvens são injustamente mal tratadas e que a vida seria muitíssimo mais pobre sem elas”. Mas há mais: «Procuramos lembrar às pessoas que as nuvens são expressões do estado de espírito da atmosfera e podem ser lidas da mesma forma que o rosto de alguém”. E num toque mais realista: “ Acreditamos que as nuvens são para sonhadores e a sua contemplação faz bem à alma. Na verdade, todos os que interpretarem as formas que observam pouparão muito dinheiro em contas de psicanalista” [a tradução é minha].

Acho isto lindo, francamente. É verdade que, na melhor tradição grouchomarxista, nunca poderia juntar-me em boa consciência a este clube, sobretudo se me aceitassem. Estou demasiado contaminado pelo cepticismo para isso. A minha ideia de andar nas nuvens tem mais a ver com o cair delas, como Machado de Assis: “Antes cair das nuvens do que de um terceiro andar”. Só que esta actividade inútil e contemplativa encanta-me. É a vitória do otium, a actividade mais nobre que na minha opinião um ser humano pode almejar. E quem a procura nestes dias tem para mim estatuto de herói.

Por isso, amigos, não hesitem. Se acharem por bem inscrevam-se neste clube. Eu, de certa forma, sempre lá estive: as nuvens, pela sua beleza e efemeridade, podem ser comparadas com a vida, uma vida que corra bem, o mais belo dos memento mori. E é dessa forma que não me importo de andar com a cabeça nas nuvens.

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