Entrevista | “Sou um grande viajante” – Miguel Sousa Tavares, escritor e jornalista 

Miguel Sousa Tavares está em Macau para participar no festival literário Rota das Letras. Hoje fala sobre a obra da sua mãe, Sophia de Mello Breyner, e no domingo é a vez de discorrer sobre os livros que escreveu e as viagens que fez. O autor e jornalista apontou ao HM os desafios que enfrentam os escritores dos dias de hoje e comentou, à sua maneira, os temas que estão a marcar o mundo

[dropcap]E[/dropcap]stá em Macau para participar no Festival Literário Rota das Letras, que este ano é dedicado à poesia e destaca o trabalho da sua mãe, Sophia de Mello Breyner. Como é ser o filho da poetisa e falar do seu trabalho? 
Não sou filho da Sophia de Mello Breyner, sou filho da minha mãe, mas as pessoas acham sempre que é diferente, mas não é. Eu olho sempre para a minha mãe, embora sabendo que tive a sorte de ser filho de uma mãe diferente. As recordações que tenho não são da Sophia de Mello Breyner, mas da minha mãe Sophia. Continuo sempre a olhar para ela como filho e isso dá-me uma posição privilegiada para perceber a poesia dela, porque sei exactamente o que é que ela queria dizer quando escreveu o que escreveu. A maior parte dos leitores atentos dela, imaginam e julgam saber tudo, mas o tudo não é tudo e acho que sei tudo. Eu estava lá, eu vivi e vi-a viver as coisas e sei exactamente porque é que ela escrevia o que escrevia.

Que expectativas tem para este festival? 
Espero que tenha atravessado meio mundo para acrescentar alguma coisa ao festival e não desiludir as pessoas. Estou muito curioso. Quanto à mesa dedicada a Sophia de Mello Breyner, vou ensaiar uma coisa difícil: não falar da minha relação de filho e falar da relação da poesia da minha mãe com a de Fernando Pessoa. Isto é uma coisa que me intrigou muito durante muito tempo, o saber porque é que ela a certa altura teve uma obsessão pelo Fernando Pessoa. Quanto à mesa sobre mim, estou nas mãos de quem me for interrogar. Só sei que é à volta do tema viagens e escrita.

É a sua praia? 
Sim. Sou um grande viajante. Quando digo isto não me refiro a uma pessoa que acumula muitas viagens e muitos países. Basta-me ir a Cacilhas, que se for com espírito de viagem já estou a viajar. O grande viajante é aquele que está pronto a receber e que gosta do que é estranho, do que é alheio, do que é diferente e que aproveita isso mesmo. A minha mãe dizia sempre que eu era incapaz de viajar sem aproveitar. Sempre que viajava eu escrevia. Até em lua-de-mel aproveitava e depois escrevia. Como casei várias vezes tenho várias reportagens de viagem à conta das luas-de-mel.

Pode revelar alguns detalhes sobre o seu próximo livro? 
Já tenho uma parte escrita, mas para já está na gaveta. Vai ser um romance histórico que se passa no séc. XVII no Brasil.

FOTO: Sofia Margarida Mota

De onde vem esse gosto por romances históricos?
Primeiro, eu adoro história. Segundo, para quem escreve romances, a história é uma grande muleta. Temos um substracto que é a própria história e em cima disso criamos outra história. Sempre achei que o problema do romance português, muitas vezes, é não ter história. Há muito escritor que acha que escreve tão bem que não precisa de ter história nenhuma. Eu acho que o romance tem que ter uma história. O meu modelo absoluto de romance é o “Guerra e Paz” de Liev Tolstói. Acho que nunca na vida se escreverá nada como o “Guerra e Paz”. É o modelo do romance perfeito porque é uma história insertada em cima de uma outra história, a da invasão napoleónica da Rússia. O facto de existir uma muleta, não quer dizer que seja mais fácil. Há a parte toda de pesquisa, que é muito difícil e que gosto muito de fazer. Faço-o quer documentalmente, quer indo aos sítios. Para este romance já fui ao Brasil três vezes. Tenho o trabalho de campo feito.

Como vê o panorama actual da literatura portuguesa, quer na prosa quer na poesia?
Sou muito mais leitor de romance do que de poesia. Acho que o romance português está a atravessar uma fase muito boa. Temos vários estilos diferentes, com novos autores diferentes e muito ricos e que estão a conseguir chegar ao mercado. Isto, apesar das dificuldades que a língua portuguesa tem. É difícil, e falo por experiência própria, conseguir traduzir o português lá fora. Somos a sexta língua mais falada no mundo graças aos brasileiros. O facto é que nos países onde conta estar-se traduzido, ou seja, nos países anglo-saxónicos ou franceses, há muito poucos tradutores de língua portuguesa e é muito difícil conseguir-se a esses públicos. Mas esta nova geração tem conseguido, apesar das edições que se fazem lá fora serem pequenas. Estamos a viver uma crise que tem que ver com a crise económica e não só. A partir da crise de 2008, a primeira coisa que as pessoas sacrificaram foram os produtos culturais, tendo o livro à cabeça. Tivemos uma quebra nas edições em Portugal de cerca de 30 por cento que nunca se recuperou. Em cima disso, a força das redes sociais funcionou contra o livro, funcionou contra a imprensa escrita, jornais, revistas etc., e hoje em dia também contra a televisão. São públicos que se perderam. No mercado português perdemos 200 mil espectadores das televisões generalistas por ano. Isto aplicado ao mercado literário é terrível. Nunca mais se atingiu o número de vendas de livros que existia antes de 2008.  A nova geração lê muito pouco. Creio que em Portugal não deve haver um escritor que viva apenas da escrita.

Isso leva-nos a outra questão sobre o papel da internet e das redes sociais na informação e cultura da sociedade contemporânea.
Esta semana vou ter um artigo no Expresso sobre isso, sobre aquilo que acho que é um movimento de grande ignorância colectiva e que a internet está a proporcionar. Eu, como toda a gente, vivo da internet. A internet simplificou-me a vida, mas eu distingo a internet útil da inútil que é sobretudo a relacionada com as redes sociais. As redes sociais contribuem para a desinformação das pessoas, contribuem para a ignorância e contribuem para a preguiça que gera a mediocridade. As pessoas estão convencidas que estão informadas e não estão. Por exemplo, em termos de informação, há uma quantidade de miúdos que só sabem os títulos das notícias, não avançam para a leitura do artigo e estão convencidos que estão informados. Isto é terrível.

Qual a solução para este fenómeno?
Não sei. Não faço a mais pequena ideia. Desde o início que temi que isto fosse acontecer. Lembro-me de ter discussões com as pessoas que eram muito entusiastas das redes sociais e sempre achei que seria necessário existir uma intermediação. Não é uma questão de haver elites contra as massas, mas é, de facto, uma questão em que são precisas pessoas que pensaram, escreveram, leram e que transmitem esse saber e a sua criatividade a um destinatário. Ninguém nasce informado, sem ter lido, sem ter discutido, sem ter pensado. Hoje em dia, o comum das pessoas acha que sim, acha que não é preciso informação nem leituras e isso é terrível.

Falando de actualidade, qual a sua opinião sobre o Brexit e este impasse que se está a viver? 
Sempre tive uma grande admiração pela Inglaterra porque acho que em cada circunstância histórica foi um país que soube sempre encontrar os líderes. Agora olho para a elite política inglesa actual e a única pessoa que tem capacidade dirigente é a rainha, mas ela não tem poderes políticos. O resto, os tipos que promoveram o Brexit –  Boris Johnson, Nigel Farage – são nulidades e a Theresa May é uma nulidade total e absoluta. É uma pessoa que era contra o Brexit e está a tirar a Inglaterra da União Europeia (UE) através de uma quantidade de esquemas. Ela é a essência daquilo que eu mais odeio num político, que é quando um político está a fazer aquilo em que não acredita e que passou a acreditar apenas para se manter no poder. O Cameron é um idiota que se lembrou de perguntar aos ingleses se eles queriam votar na saída da UE. Depois aconteceu outra coisa absolutamente idiota: os que queriam ficar na UE ficaram em casa, não foram votar. A geração do futuro não foi votar e a geração mais velha foi votar no futuro da outra. E votou contra o futuro da geração mais nova. Acho que estamos todos fartos da Inglaterra, estamos todos fartos do Brexit. Aliás, isto vai acabar para a semana, de uma maneira ou de outra. Todos se estão a preparar para não haver acordo nenhum.

Que consequências podemos esperar da falta de acordo? 
É pior para a Inglaterra. Acho que vão descobrir rapidamente que já não existe Império Britânico e que tudo aquilo é um disparate. Para a Europa é grave porque a Inglaterra é essencial para a segurança e para a defesa da Europa – se é que a Europa algum dia vai ter um projecto de defesa, que acho que devia ter sobretudo agora que os Estados Unidos da América (EUA) são governados por um doido.

A Europa não tem andado muito “apagada” dentro da conjuntura internacional? 
Apesar de tudo, está-se a portar melhor. Com o que aconteceu nos EUA em que não sabem se a NATO é para existir ou não, com a Inglaterra a pensar se quer ou não ficar na Europa, acho que a Europa se tem mantido firme, por exemplo em relação ao Brexit. Ao mesmo tempo, a Europa tem enfrentado movimentos nacionalistas de extrema-direita e tem-se aguentado. Agora foi capaz de fazer frente à Hungria.

Como vê a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China?
Acho que a guerra comercial vai acabar bem, ou seja, apesar de tudo, o Trump tem alguma razão em relação à China. Os chineses estão a mudar algumas coisas, estão a reconhecer que não podiam continuar a fazer tudo como até aqui. Vão-se entender porque são dois grandes mercados que precisam um do outro.

E quanto ao crescimento da influência chinesa no mundo? 
Sou um mau conhecedor da China. Por exemplo, esta história da Huawei. Não sei até que ponto os americanos têm razão. Se de facto aquilo que os americanos suspeitam acerca dos telemóveis da nova geração, os 5G, for verdade, os chineses têm uma bomba atómica nas mãos. Se não for verdade, é uma grande jogada comercial.

No que respeita à actualidade portuguesa. O que podemos esperar das próximas eleições legislativas? 
O PS vai ganhar tranquilamente, a menos que haja uma catástrofe que envolva, por exemplo, incêndios monumentais. O único tipo preparado para ser oposição, o Rui Rio, tem o carisma de um cepo. Mas é o único que tem alguma ideia naquela cabeça. A Assunção Cristas tem zero de ideias, o CDS não tem uma única ideia. O PCP é igual a si mesmo e ainda não percebeu que o Muro de Berlim já caiu e o Bloco de esquerda quer ir para o Governo, mas parte do partido não quer. Portugal não tem interesse nenhum politicamente.

Como vê a situação da banca em Portugal e o facto de estar a ser constantemente salva por injecções de capital do Estado? 
Dizíamos que era muito importante ter uma banca portuguesa, que era uma questão de soberania. Hoje em dia, só quero que a banca seja chinesa, seja de Burquina Faso, seja da Polinésia, seja o que for desde que não seja portuguesa, nem privada nem pública, nem nada. Já gastámos 18 mil milhões de euros para acorrer à banca. Somos o segundo ou terceiro país da UE, a seguir à Islândia e à Irlanda que mais dinheiro gastou com a banca. É uma coisa inacreditável. E os outros já deram a volta e nós não. Basicamente, a justiça portuguesa é incompetente e não está preparada para estes casos. Está habituada a demorar anos com os processos. É inconcebível a leviandade com que a banca foi gerida em Portugal, antes e depois das intervenções.

Subscrever
Notifique-me de
guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
Ver todos os comentários