A propósito do sismo de 28 de Fevereiro de 1969

[dropcap]S[/dropcap]ão poucos os dias em que os meios de comunicação social não nos trazem notícias sobre desastres naturais que ocorrem algures pelo mundo fora. Dentre este tipo de desastres, os de carácter meteorológico são os mais frequentes: tufões no Pacífico Ocidental e Mar do Sul da China, furacões no Atlântico e Pacífico Oriental, ciclones no Índico, frio intenso na América do Norte, vagas de calor na Austrália, incêndios florestais na Europa Meridional, enfim, numerosos títulos inundam com frequência os jornais, as televisões e as redes sociais.

Mesmo Portugal tem sido afetado ultimamente por fenómenos extremos, não usuais, como o furacão Ofélia que, em outubro de 2017, contribuiu grandemente para a intensificação do incêndio florestal que alastrou por vastas áreas do nosso país. Também a tempestade Leslie, que chegou a ser classificada como furacão, afetou o território continental em 13 de outubro de 2018, já como tempestade pós-tropical, causando elevados estragos.

Mais raramente surgem notícias sobre sismos. Quando estes fenómenos naturais acontecem são alvo, durante dias, da difusão de imagens impressionantes de destruição de vastas zonas urbanas, cenas de populações em pânico, deslizamentos de terras, etc. Mas estes acontecimentos caem rapidamente no esquecimento.

É contra este esquecimento que se levou a cabo a evocação do sismo de 28 de fevereiro de 1969, o de maior magnitude que afetou Portugal deste o terramoto do 1º de novembro de 1755 e também o de maior magnitude na Europa desde essa data. Assim, a Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica (SPES) e a Associação Portuguesa de Meteorologia e Geofísica (APMG) resolveram contrariar a tendência que a sociedade em geral tem para deixar diluir na memória estes fenómenos naturais, tanto mais que Portugal se encontra numa zona do globo onde têm ocorrido sismos de magnitude significativa, principalmente nas regiões localizadas no vale do Tejo e no Algarve, no território continental e, nos Açores, principalmente nas ilhas Terceira, Faial, Pico, São Jorge e São Miguel, as mais povoadas do arquipélago.

A SPES e a APMG escolheram a Fortaleza de Sagres para evocar essa ocorrência de há meio século. A escolha foi intencional, na medida em que se pretendeu, de forma simbólica, estar no local do território nacional mais perto do epicentro do sismo, junto das áreas mais afetadas em termos de vítimas e danos, evidenciando que o risco sísmico existe e é uma realidade.

A presença do Professor Marcelo Rebelo de Sousa, na sua qualidade de Presidente da República, mobilizou certamente a participação de numerosas entidades, nomeadamente presidentes das câmaras municipais do Algarve e da Junta da Freguesia de Sagres; representantes dos Bastonários das Ordens dos Engenheiros e Engenheiros Técnicos; Presidentes do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, do Laboratório Nacional de Energia e Geologia, do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, do Infraestruturas de Portugal; representantes da Autoridade Nacional de Proteção Civil, do Laboratório Nacional de Energia e Geologia, da Infraestruturas de Portugal e Presidente do Centro Europeu de Riscos Urbanos. E foi de toda a conveniência a presença destas entidades, na medida em que ouviram de viva voz as preocupações dos representantes da SPES e da APMG e do próprio Presidente da República.

Os sismólogos e os geólogos, contrariamente aos meteorologistas, lidam com fenómenos geológicos praticamente imprevisíveis. Enquanto que atualmente se fazem previsões do tempo com elevada fiabilidade para períodos de alguns dias, com recurso a modelos físico-matemáticos, os sismólogos, apesar da investigação mundialmente levada a cabo nas universidades e institutos geofísicos, pouco progresso têm conseguido na previsão de sismos atendendo à complexidade destes fenómenos naturais.

Houve, no passado, quem tentasse ligar a ocorrência de sismos ao estado do tempo, tendo-se mesmo referido numa publicação de 1757, “Advertência aos Modernos que aprendem o Ofício de Pedreiro e Carpinteiro” (escrita pelo mestre pedreiro Valério Martins de Oliveira) que a “terra treme entre as onze e o meio dia, e mais no verão do que no inverno, por causa das exalações e calor do sol”. Mas, claro, tratava-se de conjeturas sem base científica.

No campo científico, muito se tem avançado na identificação e estudo das fontes de geração sísmica, mas pouco no que se refere à sua previsão. A invenção do sismógrafo no século XIX, instrumento que deteta e regista sismos, deu grande ímpeto ao conhecimento dos mecanismos geológicos que despoletam estes fenómenos naturais. Curiosamente o precursor do sismógrafo, o sismoscópio, foi inventado em 132 d.C. pelo astrónomo chinês Zhang Heng, uma réplica do qual se encontra em exposição no Hotel Lisboa, em Macau.

O sismo que ocorreu há cinquenta anos foi despoletado numa zona na junção das placas tectónicas Africana e Euroasiática, cerca de duzentos quilómetros a sudoeste de Sagres. A sua magnitude foi de 7,9 na escala de Richter e a intensidade chegou a atingir no território continental português os graus VII, e em alguns locais VIII, na escala de Mercalli modificada. Note-se que a escala de Richter é usada para fazer referência à magnitude dos sismos, ou seja à energia libertada, enquanto que a Escala de Mercalli se aplica para avaliar as consequências dos sismos, isto é, o grau de destruição causada. Assim, por exemplo, um sismo de elevada magnitude pode ter uma classificação muito baixa em termos de Escala de Mercalli numa região desértica, pela simples razão de que nada ou pouco há a destruir.

Várias localidades algarvias foram grandemente afetadas, como por exemplo as povoações de Vila do Bispo, Bensafrim, Portimão e Castro Marim, onde muitas casas ficaram danificadas. Em Lagos também houve estragos e o lugar de Fonte de Louzeiros, no Concelho de Silves, ficou praticamente em escombros. O número de vítimas foi indeterminado, constando que houve duas vítimas mortais devido a causas diretas e treze por causas indiretas, como ataques cardíacos. Em Marrocos e em Espanha o sismo também se fez sentir.

Próximo do epicentro, no mar, a navegação foi afetada. Segundo o Diário de Lisboa de 1 de março de 1969, o 3º piloto do navio mercante Manuel Alfredo, que navegava próximo do local onde o sismo foi gerado, declarou que “parecia que estávamos a andar por cima de rochas, que o navio subia escadas” e que “se o sismo durasse o dobro teríamos ido para o fundo”.

Com magnitudes inferiores, muitos mais sismos ocorrem no nosso território e nas suas vizinhanças, muitas centenas por ano, na ordem do milhar, na sua esmagadora maioria microssismos apenas detetados pelos sismógrafos. No entanto, tal como resulta das leis estatísticas, mais tarde ou mais cedo ocorrerão outros de maior magnitude.

Pode-se afirmar que o sismo de 1969 foi um “pequeno” sismo quando comparado com o de 1755 e que sismos com magnitude pelo menos igual a este último ocorrerão no futuro, estando identificadas fontes sísmicas capazes de os gerar. É tudo uma questão de tempo.

Não só nos Açores, mas também no Algarve e no vale do Tejo, existem fontes sísmicas locais capazes de gerar sismos que, embora de menor magnitude, ocorrem a muito curta distância das zonas atingidas, pelo que, nessas zonas o grau de destruição será comparavelmente elevado. Sismos como todos os dos Açores e os de Lisboa em 1531, Portimão em 1719, Tavira em 1722, Loulé em 1856 e Benavente em 1909, são exemplos desse outro tipo de sismos que no passado também causaram vítimas e destruição no território nacional.

Os eventos sísmicos de grande magnitude estão também ligados à ocorrência de tsunamis, como aquele que, em 1755, os portugueses sentiram em toda a costa algarvia, em grande parte da costa atlântica e em estuários como o do Tejo. É algo que os portugueses também esqueceram ao ocuparem desregradamente algumas zonas costeiras e estuarinas e, em especial, ao aí colocarem algumas infraestruturas vitais.

O esquecimento, a rejeição e a negação da evidência científica ou a inação perante essa evidência são atitudes que contribuem para nos conduzir ao desastre. O crer que os sismos com potencial destrutivo são fenómenos do passado, ou o acreditar que nada pode ser feito perante a sua ocorrência, ou ainda confiar que estamos suficientemente protegidos são atitudes conducentes à tragédia.

Há que combater estas atitudes e promover a sensibilização dos portugueses, em especial dos que têm capacidade para com as suas decisões e ações mitigar o risco a que estamos expostos.

É necessário o Estado investir mais nos serviços de Geofísica para que se possa intensificar a investigação na área da sismologia tendo em vista um melhor conhecimento das falhas potenciadoras de futuros sismos; dar relevo nos curricula das escolas primárias e secundárias à explicação sobre desastres naturais, com especial realce para os sismos; intensificar as campanhas de informação e de sensibilização dos cidadãos acerca dos riscos e das atitudes a tomar, informando-os sobre os procedimentos adequados em caso de sismo; evitar que os cidadãos, ou as instituições, por ações, ou inações, contribuam para aumentar o risco sísmico a que estão expostos; garantir eficazmente o adequado comportamento das infraestruturas que suportam a nossa vida face aos eventos sísmicos.

É neste contexto que o Estado tem de aperfeiçoar os mecanismos de fiscalização do cumprimento da regulamentação antissísmica que existe em Portugal desde há algumas décadas, mas que na prática não é aplicada com rigor.

Atendendo a que os sismos não se podem evitar, nem prever, há que atenuar as suas consequências. É que se os sismos são inevitáveis, as tragédias podem ser evitáveis.


*O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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