Leite de coco e mamas

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s riscos da publicidade enganosa são vários. A publicidade oferece-nos imagens do que é bom, mau, adequado ou desejado, isto acrescido com dados falsos, torna os anúncios muito problemáticos. A China, por exemplo, já tem uma longa história de anúncios insensíveis. Ainda bem há pouco tempo, ao anunciar um detergente de roupa, meteu um negro dentro de uma máquina de lavar e ele saiu branco.

Agora a história foi diferente, tratou-se de um anúncio de uma popular marca de leite de coco de Hainan que jura que o consumo da sua bebida aumenta o tamanho das ditas redondas e voluptuosas mamas. O anúncio televisivo é qualquer coisa como mulheres a correr pela praia de t-shirts brancas e decotes generosos a balouçar o seu material e afirmando que beber leite de coco todos os dias ajuda a encher os lindos seios. Também afirmam que beber o tal leite torna as curvas excitantes. O que nos vale é que nos dias que correm este tipo de anúncios já é recebido com muita desconfiança e descontentamento. Primeiro, já foram confirmar que não há dados que defendam a tese de uma relação entre o leite de coco e o tamanho das mamas. Segundo, para uma marca tão antiga e popular, as pessoas perguntam-se se é preciso descer tão baixo. Há quem tivesse achado que o anúncio fossem um photoshop pobre e sarcástico. Mas não, este foi um exemplo de má publicidade a continuar a ser má. Para além de que não percebo bem se este esforço de se virar para o público feminino para o fortalecimento da marca foi totalmente irreflectido ou não. Porque duvido que os homens que consomem a bebida (que devem existir) vão querer alterar o tamanho das suas mamas, menos organicamente complexas, mas que não deixam de ser mamas também.

A forma como as mensagens são comunicadas importa. Importa porque nos apresentam imagens do que é a mulher. Isto não quer dizer que os meios de comunicação sirvam de prescrição social: com a simplicidade de que assim aparece, assim acontece – não é nada disso. O que vale a pena analisar nestes momentos polémicos e de discussão é de como o conhecimento comum – como por exemplo, ter mamas cada vez maiores é o que as mulheres querem, por isso nossa bebida vai vender disso – é utilizado. Já para não falar no barrete que esta companhia, que parece não ter um departamento de marketing bem organizado, quer meter. Haverão clientes que de facto querem ter mamas maiores e poderão passar meses a beber o leite de coco que nada lhes trará. Nem curvas mais redondas, nem mamas mais cheias, nem o sex-appeal de quem anda com um push-up nas praias de Hainan.

Sempre reforçarei a importância que é desconstruir a obsessão (já milenar) do corpo feminino porque é a original fonte de desigualdade. A forma como anúncios fazem uso da objectificação do corpo não é o problema, mas o sintoma. Os corpos femininos são lindos e os corpos masculinos também. Só que é comum levarmos ao extremo o dilema do pudor e libertinagem do corpo da mulher. ‘Parece’ aceitável andar a clamar a sete ventos o quão bom seria se as nossas mamas crescessem com uma vulgar bebida diária quando um decote generoso é ainda mal aceite na China. Quem viveu na China continental saberá que uns ombros e um decote que se querem mostrar encontrarão resistência. Por enquanto, não há leite de coco que nos valha, nem para o seu aumento, nem para mamas mais expostas e felizes.

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