António Caeiro, jornalista: “Pensamento de Xi Jinping é mais citado que Mao”

[dropcap]O[/dropcap] jornalista António Caeiro defende que Xi Jinping, que na próxima semana visita Portugal, mais do que Presidente é o guia ideológico da China, cujo pensamento é mais citado e estudado que o de Mao Tse Tung.

“É mais do que um Presidente, é o guia ideológico do Partido Comunista Chinês (PCC). É mais citado que qualquer outro líder, mais do que Mao Tse Tung ou Deng Xiaoping, e emergiu com uma autoridade que não se via há muito tempo”, disse António Caeiro.

Numa entrevista à agência Lusa a propósito da visita do Presidente chinês a Portugal, a 4 e 5 de Dezembro, o jornalista, que viveu na China durante quase 20 anos, assinala a importância de o pensamento de Xi Jinping estar consagrado na Constituição e de ser estudado nas universidades do país.

“O último congresso do PCC (2017) consagrou o pensamento do actual líder, como um dos modelos orientadores, um dos guias ideológicos do partido. A vocação e a inspiração marxista é reafirmada e a aspiração do PCC é dominar toda a vida social, económica e política do país”, sublinhou.

António Caeiro sustenta que o actual Presidente da China, no poder desde 2013, instituiu “um sistema muito mais autoritário de liderança”, tendo revogado algumas das medidas políticas de reforma e abertura instituídas, na década de 1980, por Deng Xiaoping.

A Assembleia Nacional Popular da China aprovou este ano uma emenda constitucional que elimina o limite de dois mandatos consecutivos de cinco anos para os presidentes do país.

Constitucionalmente, a Assembleia Nacional Popular (ANP) é o “supremo órgão do poder de Estado na China”, mas cerca de 70% dos seus quase 3 mil deputados são membros do PCC, assegurando a sua lealdade ao poder político.

“Teoricamente poderá eternizar-se no poder”, assinalou Caeiro, acrescentando que o Presidente deixou de estar sujeito ao limite de mandatos que estipulava que a sua presidência terminaria em 2023.

“A própria ideia de liderança colectiva, alimentada durante algum tempo, esbateu-se completamente. É o Presidente que orienta”, acrescentou.

Uma figura “enigmática”

Do ponto de vista pessoal, António Caeiro vê uma figura “enigmática”, à semelhança de muitos outros líderes chineses, que surgiu num momento em que este tipo de líderes “tendem a ter um apelo universal”.

“Não dá entrevistas, não é interpelado pelos jornalistas. É um homem que sabe o que quer, os seus planos são executados e, havendo um vazio internacional devido à nova política da administração norte-americana, aparece como o campeão da globalização”, considerou.

A nova liderança de Xi Jinping, eleito em 2012 secretário-geral do PCC, lançou uma campanha anti-corrupção na China, o que lhe granjeou grande aprovação da população.

“A corrupção era um problema e uma fonte de descontentamento social, mas veio revelar também uma face inesperada a China” porque permitiu perceber que “não havia nenhuma instituição da sociedade chinesa cuja direção não estivesse profundamente corrompida”.

Sobre a visita a Portugal, o jornalista, que foi delegado da agência Lusa na China, considerou que servirá para “consagrar as boas relações” entre os dois países.

“Estas visitas são momentos altamente simbólicos, são rituais e os chineses dão muita importância a esses rituais. Irá consagrar as boas relações que os países têm e consolidar a nova imagem que a China tem de Portugal: um dos países mais amigos e mais receptivos ao investimento estrangeiro na Europa e um bom parceiro da China na União Europeia”, disse.

Xi Jinping estará em Portugal na terça e quarta-feira da próxima semana depois de ter visitado a Espanha, a Argentina, onde participa na cimeira do G20, e o Panamá.

China e o caminho desconhecido

O jornalista considerou também que o “mais inquietante” na China de hoje é não perceber para onde caminha o país, se quer mudar o sistema internacional ou apenas integrar-se nele.

“O que é mais inquietante na China é não se saber como é que as decisões são tomadas e para onde caminha. A grande dúvida, em termos estratégicos, é saber se a China quer mudar o atual sistema internacional ou apenas integrar-se nele”, defendeu.

António Caeiro assume que, sobre a China, quase tudo são perguntas. “Além da sua dimensão absolutamente colossal do ponto de vista físico e humano, o sistema, que o PCC parece ter aperfeiçoado, é extremamente opaco e isso faz com que as análises ocidentais pareçam mais palpites ou prognósticos”, disse.

E, o “palpite” de António Caeiro é de que o país tem como objectivo a afirmação como potência regional no Pacífico, aliada a uma certa ideia de “vingança” sobre o Ocidente pela “humilhação nacional” na sequência da Guerra do Ópio (1839 – 1860), que marcou o declínio da China como potência mundial.

“A China não aspira a dominar o mundo […], mas quer ser reconhecida como uma potência regional, ou seja, quem manda no Pacífico”, sustentou.

O jornalista sublinhou a tendência de crescimento da influência chinesa em todo o mundo, o que considerou um “fenómeno natural”, para um país que concentra um quinto da população mundial e é o motor do crescimento económico global.

“O que não era natural era a China estar tão apagada na cena internacional. Há 50 anos a China não fazia sequer parte da ONU. A China tem um músculo económico e financeiro que a torna inevitavelmente um parceiro fundamental nas relações internacionais”, disse.

A China emerge como a “segunda economia mundial, com crescente peso económico e militar”, assinalou, apontando o contraste entre a “profunda crise” em que mergulharam a Europa e os Estados Unidos e os “ritmos impressionantes” de crescimento da China.

“A Europa e Portugal precisam das imensas reservas de capital que a China tem e a China sente-se mais desinibida em assumir que o seu modelo funciona”, apontou.

Mas, admite António Caeiro, ao tornar-se “um parceiro cada vez mais importante da economia de muitos países” a China “tende a inibir tomadas de posição contrárias aos seus interesses fundamentais”.

“No ano passado, por veto da Grécia, não houve na comissão dos direitos humanos da Nações Unidas nenhuma moção criticando a situação na China”, disse.

A aposta económica

Sobre os grandes investimentos chineses em países europeus, nomeadamente Portugal, António Caeiro entende que fazem parte da estratégia de um país com “grande excedente de reservas cambiais” e que precisa de modernizar a economia.

“Uma das maneiras é formar quadros nos países capitalistas desenvolvidos […] e uma maneira ainda melhor é comprar as boas empresas dos países desenvolvidos e que funcionam bem, que era, aos olhos da China, o caso da EDP”, referiu.

António Caeiro ressalva, contudo, que Portugal “não é o maior receptor europeu de investimento chinês”, mas que à “escala de Portugal” este “pesa muito” por causa das “importantes participações na energia, na banca, na saúde, nos seguros”.

Regressado a Lisboa definitivamente há três anos, o jornalista vê o país à luz do dilema entre a “China poderosa e muito desenvolvida” de cidades como Xangai e o interior do país onde “há níveis de prosperidade mínimos e défices, do ponto de vista educacional, enormes”.

“Isso pode ser um problema”, disse, apontando que há “dois discursos permanentes e contraditórios” sobre o país.

Há uns que “garantem que a China vai dominar o mundo e que este crescimento é para manter […] e outros que acham que, a prazo, a China tem grandes problemas que a impedirão de se tornar na grande potência que a atual liderança desejaria, nomeadamente o envelhecimento da população”, disse.

“A população activa da China tem vindo a diminuir desde há cinco anos e o crescimento resultante do fim da política do filho único (permitindo agora dois) não foi impressionante e já se fala do fim do controlo da natalidade”, acrescentou.

O jornalista explicou, por outro lado, que a rápida industrialização do país foi conseguida à conta da transferência de 250 milhões de trabalhadores do campo para as cidades e províncias do litoral.

“Alguns estudos indicam que 1/3 das crianças chinesas que vivem no campo têm um índice de inteligência muito baixos”, disse, adiantando que a prazo este “será outro problema” porque “uma China moderna não pode” desenvolver-se com “uma classe trabalhadora pouco instruída”.

“A China tem todos os problemas do mundo a uma escala absolutamente colossal […] Navega rodeada de grandes incógnitas. Recentemente comprei um livro de académicos chineses que se chamava ‘35 perguntas sobre a China’ e nenhuma delas tinha uma resposta, as respostas variam com o ponto de vista de cada um”, concluiu.

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