Diplomacia | Paulo Cunha Alves, novo cônsul, promete defender direitos da comunidade

Há apenas dois dias como cônsul de Portugal em Macau e Hong Kong, Paulo Cunha Alves quer apostar em eventos culturais que promovam a língua portuguesa, sem esquecer a cooperação económica. Além disso, Paulo Cunha Alves tem um objectivo primordial: “a promoção e defesa dos interesses da comunidade portuguesa em Macau”

[dropcap style≠’circle’]A[[/dropcap]inda a semana passada estava em Camberra, Austrália, a despachar assuntos pendentes antes de vir substituir Vítor Sereno. Com apenas dois dias de trabalho no consulado de Portugal em Macau e Hong Kong, Paulo Cunha Alves apresentou-se ontem aos meios de comunicação social portugueses. Durante o encontro falou do seu percurso e apresentou os objectivos dos próximos anos.

Um deles passa pela defesa dos direitos e interesses da comunidade portuguesa na RAEM. Nesse sentido, o diplomata prometeu organizar encontros regulares com as associações de matriz lusa no território.

“Há um vector que tem a ver com a promoção e defesa dos interesses da comunidade portuguesa em Macau. Nessa medida, é minha intenção promover encontros regulares com os dirigentes associativos de matriz portuguesa e ligar-me à comunidade portuguesa, reforçando a eficácia e eficiência dos serviços consulares.”

Paulo Cunha Alves falou do bom trabalho desenvolvido pelo seu antecessor quanto ao envolvimento com os portugueses que aqui vivem, mas adiantou que há margem de melhoria. “Sei que tem progredido bastante nos últimos quatro e cinco anos, mas entendo que há sempre lugar para fazer melhor e diferente e para agradar mais à comunidade. Esse é também um dos objectivos principais.”

Durante o encontro de ontem o novo cônsul foi também questionado sobre as propostas de lei já anunciadas pelo secretário para a Segurança, Wong Sio Chak. Mais especificamente, a lei da cibersegurança e o regime jurídico da intercepção e protecção das comunicações e a consequente possível redução de direitos dos residentes, inclusive da comunidade portuguesa.

Contudo, o novo cônsul-geral português pouco adiantou quanto à possibilidade de intervir nesta matéria. “Essa é uma questão muito complexa”, começou por dizer. “Temos de ter presente o nível de relacionamento privilegiado que existe entre Portugal e China, por razões que são seculares. Estamos entre os países que mais defendem a liberdade de imprensa ou os direitos humanos, e somos acompanhados pelos países da União Europeia. Isso tem de ser conciliado com as questões de soberania nacional.”

Falando como diplomata, Paulo Cunha Alves lembrou que “estamos num território estrangeiro onde as leis são feitas pelo poder Executivo local. A nossa capacidade de intervenção é limitada. Até onde estou disposto a ir? Essa é uma questão que terá de ser estudada entre Lisboa e a embaixada de Portugal em Pequim.”

Atenção aos salários

Um dos problemas deixados não apenas por Vítor Sereno, mas também pelos seus antecessores, prende-se com os baixos salários pagos pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) português. Uma realidade que se traduz em falta de recursos humanos e no consequente atraso dos processos relativos à emissão de passaporte e cartão de cidadão.

Paulo Cunha Alves garantiu “não ter uma solução milagrosa”, mas referiu que o MNE não esqueceu este assunto. “Isso não acontece apenas em Macau. A falta de recursos humanos e salários mais baixos acontece um pouco por todo o mundo, e não apenas com o serviço diplomático português. Mas isso não é desculpa e os serviços centrais do MNE estão conhecedores do problema e estão cientes do que é preciso fazer para o remediar.”

“Posso dizer que durante o meu mandato continuarei a alertar Lisboa para a necessidade de encontrar soluções mais satisfatórias em termos de salários e números de funcionários para executar as tarefas essenciais deste consulado”, acrescentou.

Ainda sobre os objectivos que traçou para o seu novo desafio, Paulo Cunha Alves deixou claro que é importante “aproveitar o legado histórico português para reforçar as relações bilaterais com a RAEM”.

“Afinal 500 anos é algo que deve ser considerado e que nunca pode ser esquecido. Obviamente que a nossa postura não deve ser baseada no passado, mas deve ser dirigida ao futuro tendo em conta o passado. É muito importante notar que em muitos países ainda existe uma imagem que não é a actual imagem do nosso país, moderno, inovador, que tem uma produção académica muitíssimo importante em termos de pós-doutoramentos.”

Ao nível da cooperação académica, Paulo Cunha Alves lembrou a sua experiência nos Estados Unidos, quando foi cônsul em Boston, e deixou claro que pretende reforçar ligações do género com universidades do território.

“Em Boston acompanhava os programas especiais que Portugal tinha com a Harvard Medical School e o MIT (Massachusetts Institute of Technology) e isso deu-me uma ideia muito clara, já em 2009 e 2010, sobre aquilo que fazemos internacionalmente em termos de cooperação académica. Interessa-me não só promover eventos de carácter cultural, ou ligados à língua portuguesa, mas também continuar ou aprofundar os contactos entre universidades nacionais e universidades de Macau.”

Paulo Cunha Alves prometeu também dar destaque à língua e cultura portuguesas. “Podemos chamar-lhe diplomacia cultural. Obviamente que agirei sempre em estreita colaboração com o IPOR [Instituto Português do Oriente], que tem uma presença bastante significativa em Macau, e com o Instituto Camões.”

Ao nível da economia, o novo cônsul vai também trabalhar para “aprofundar os laços económicos entre Portugal e a RAEM, não só no sentido de captar investimento e comércio daqui para Lisboa, mas também o inverso. Aqui contarei com a colaboração da delegação da AICEP”, frisou.

Turismo seleccionado

Relativamente ao boom turístico de Portugal nos últimos anos, Paulo Cunha Alves defendeu que é importante melhorar as infra-estruturas e apostar num turismo de qualidade.

“No meu entender, é preciso começar a seleccionar quem é que vai para Portugal. A minha opinião pessoal é que não podemos continuar a crescer de forma exponencial como tem acontecido nos últimos três ou quatro anos, criando alguns problemas logísticos, sobretudo nas grandes cidades. Temos nichos de mercado importantes ligados aos vinhos, ao ciclismo, aos roteiros culturais, às pousadas e é nessa medida que temos de trabalhar mais no futuro e promover a imagem de Portugal no estrangeiro.”

O novo cônsul deu o exemplo das enormes filas de turistas que se concentram no aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, para apanhar um táxi. “Portugal recebeu, no ano passado, 22 milhões de turistas, e estamos à espera de receber 25 milhões este ano. Somos um país com 900 anos de história, com infra-estruturas hoteleiras de qualidade, que tem de apostar naquilo que sabemos fazer bem, porque não somos uma França ou Espanha, e por isso temos de apostar num turismo de qualidade, porque as infra-estruturas são limitadas. Podemos vir a ter problemas se o crescimento turístico continuar como tem acontecido nos últimos dois a três anos”, defendeu.


Curriculum Vitae | Um diplomata com 31 anos de carreira

Começou há 31 anos nas lides da diplomacia e, apesar de ter vindo directamente de Camberra, capital da Austrália, directamente para Macau, Paulo Cunha Alves já desempenhou funções em Bruxelas e Boston.

Na Austrália teve a responsabilidade de responder perante os portugueses residentes em 16 países ou regiões. “Em Camberra fui também responsável pela Nova Zelândia e por todos os Estados do Pacífico-sul, uma vez que Portugal não tem outra embaixada na região. A partir de Camberra cobrimos 16 países, o que significa também 16 votos na ONU. É um posto diplomático muito importante do ponto de vista multilateral.”

Ontem, no encontro com jornalistas e directores dos vários meios de comunicação social em língua portuguesa, Paulo Cunha Alves lembrou a sua experiência diplomática em Moçambique como uma das mais enriquecedoras.

“Servi, pela primeira vez, na embaixada portuguesa em Bruxelas, e depois tive uma experiência em Maputo, que continua a ser para mim a experiência mais enriquecedora desde 1987, quando entrei para o serviço diplomático.”

Depois disso, o diplomata esteve em Lisboa “em vários serviços”, um deles dedicado à zona da África subsariana. Na capital portuguesa, o novo cônsul português na RAEM passou pelo gabinete do secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação. “Foi nessa altura que conheci a Austrália pela primeira vez, em 2003”, recordou.

Paulo Cunha Alves voltaria a Bruxelas para desempenhar funções diplomáticas junto das instituições europeias. “Depois de Lisboa voltei a sair para Bruxelas mas desta feita para trabalhar enquanto conselheiro para assuntos de justiça e internos na nossa [Portugal] representação permanente junto da UE.”

Para o cônsul, “foi um período muito importante porque coincidiu com a nossa presidência do conselho de ministros, e eu era encarregado das questões de contra terrorismo, cooperação policial, tráfico de drogas e de seres humanos. Todas as grandes questões da política internacional onde a UE está cada vez mais envolvida e tem um papel cada vez mais importante e determinante.”

Agenda preenchida

Seguiram-se os Estados Unidos e um trabalho que ocupava a vida de Paulo Cunha Alves sete dias por semana. “Depois desta segunda passagem por Bruxelas fui para Boston, para o consulado-geral, com uma comunidade muito vasta, com 300 mil pessoas em Massachussetts. É uma comunidade muito dividida também em termos geográficos, porque o Estado, apesar de ser pequeno, tem distâncias consideráveis entre as cidades. A comunidade portuguesa não está em Boston, está noutras cidades mais afastadas também, e isso obrigava a deslocações constantes, incluindo ao fim-de-semana. Tive aquilo a que se pode chamar um trabalho de sete dias por semana, sempre ao serviço da comunidade portuguesa”, rematou.

Além de ter falado da sua vida profissional, Paulo Cunha Alves assumiu-se como um defensor da liberdade religiosa. “Cada um tem as suas convicções pessoais e religiosas, sou muito ecumenista nessa perspectiva e participarei em qualquer evento religioso, em qualquer igreja, sem qualquer problema.”

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