Um ano depois

[dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap]ntes de mais nada, quero agradecer a todos os funcionários públicos que estiveram na frente das operações a cumprir o seu dever durante a passagem do tufão, bem como a todo o outro pessoal e voluntários que trabalharam árduamente para limpar a cidade após a passagem da tempestade. Sem a sua dedicação, nenhum plano por mais perfeito que fosse teria resultado.

O Governo da RAEM retirou ensinamentos da catastrófica destruição provocada o ano passado pelo tufão “Hato” e, desta vez, estava preparado para lidar com a destruição e as inundações causadas pelo“Mangkhut”. Por exemplo, o Chefe do Executivo assumiu a coordenação da toda a situação, a colaboração entre os diversos departamentos foi reforçada, ao passo que as forças de segurança e a protecção civil se aplicaram na organização das tarefas e na mobilização de todas as unidades. Até mesmo a Província de Guangdong forneceu a Macau uma série de equipamentos de emergência. A situação foi bem avaliada e as medidas tomadas, antes e depois da tempestade, foram bem planeadas e, como tal, o resultado foi satisfatório e digno de louvor.

O desempenho do Governo da RAEM nesta situação mereceu os elogios de toda a comunidade. Mas, no entanto, existem ainda muitos aspectos que merecem análise e que podem ser melhorados. Um ano após a desastrosa passagem do “Hato”, os problemas causados pelas inundações nas zonas ribeirinhas de Macau continuam por resolver. As comportas contra inundações ainda não são completamente eficazes, e as zonas onde foram instaladas ainda alagam. Os moradores afectados pelas inundações continuaram a sofrer cortes no abastecimento de água corrente e de electricidade. Os comerciantes das áreas inundadas, que são afectados por este problema pelo menos uma vez por ano, vêem os seus equipamentos destruídos regularmente e os negócios são sistematicamente prejudicados.

Nas áreas alagadas, pudemos ver os funcionários das lojas a trabalhar árduamente para a secar o chão e limpá-lo dos detritos acumulados. Embora estes lojistas tenham tomado providências antes da passagem do tufão, nem todos os seus bens puderam ser salvos, devido à impossibilidade de serem removidos ou desmontados. Uma pequena livraria situada na Travessa dos Mercadores perdeu um terço do seu stock de livros aquando da passagem do “Hato”. Este ano, um quinto dos que restaram foi destruído pelo “Mangkhut”. Enquanto o problema das cheias no Porto Interior não forem resolvidos, quem é que vai ter vontade de abrir um negócio na zona ?

Durante o “Mangkhut”, a CEM tomou a iniciativa de suspender as suas subestações, para evitar os acidentes decorrentes das inundações. Por isso, mesmo os comerciantes que possuiam bombas para extracção das águas das cheias, não as conseguiram pôr a funcionar por falta de electricidade. Os moradores das zonas baixas viram-se também confontados com a falta de água corrente e de electricidade. Não é um pouco irónico que esta situação ocorra em Macau, uma cidade com um PIB no top 10 da Ásia?

De acordo com as vítimas das cheias, mesmo que a comporta contra inundações consiga impedir as águas do mar de inundarem as ruas, não consegue impedir as águas dos esgotos de subirem e alagarem os apartamentos. Para solucionar este problema terá de ser feita uma total impermeablilização da rede de esgotos.

Nos anos 60, embora não houvesse subida da água do mar no Distrito de San Kio, as cheias eram inevitáveis sempre que chovia intensamente. Sempre que havia inundações, as crianças da zona tinham uma diversão: apanhar os peixes que se espalhavam pelas ruas, vindos das lojas que vendiam aquários. Os adultos, por sua vez, estavam ocupados a tentar fixar as tampas dos esgotos de forma a impedir que se transformassem em “géiseres” mal-cheirosos. Nesse tempo, quando os moradores iam buscar água aos poços, situados geralmente entre duas casas, não se surpreendiam quando no balde também vinham de brinde alguns peixinhos. Todos estes acontecimentos eram encarados como “coisas normais” até o Governo português ter levado a cabo um projecto de drenagem em larga escala, que acabou com o divertimento das crianças e com o infortúnio dos adultos.

Há quase 20 anos que Macau regressou à soberania chinesa. Durante este espaço de tempo surgiram novos edifícios nas zonas baixas do Porto Interior. Os trabalhos de desassoreamento nas duas margens vão continuando, a capacidade urbana está a atingir o ponto de saturação e a cidade sofre com o envelhecimento da rede de esgotos. O Governo da RAEM promoveu o desenvolvimento económico, mas negligenciou a qualidade de vida das pessoas. Após tantos anos, o reordenamento do Porto Interior não saiu ainda da fase de planeamento. Passou um ano sobre a destruição provocada pelo “Hato” e os recentes danos provocados pelo “Mangkhut” demonstraram que as medidas paliativas tomadas pelo Governo não são assim tão eficazes. A prevenção das inundações deverá ser uma prioridade do Executivo. Se a Holanda o consegue fazer perfeitamente, Macau também terá de consegui-lo.

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