Jean-Luc Godard na reabertura da Cinemateca

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Filme, que conquistou a Palma de Ouro Especial quando estreou na recente edição do Festival de Cannes 2018, teve até ao momento em todo mundo poucas projecções e continua a reflexão do realizador sobre o cinema e o estado do mundo.

É de referir que em 1968 – a ano fronteira na história das mudanças sociais e políticas em Paris que inflamou o mundo moderno – Jean-Luc Godard com François Truffaut, Polanski, Milos Formam, impediram a abertura do Festival que nesse ano foi cancelado. Talvez a prova de que o cineasta é também um performativo, o grande performativo, diga-se na arte contemporânea.

Na sessão completamente esgotada, vi o filme sentado nas escadas , seguiu-se com continuado interesse o filme guerrilha, trabalho de montagem, sobreposição de imagens e sons, que o como o próprio filme explicita é construído com “Textos, Filmes, Quadros, Música, Todos Eles”. “O elenco inclui títulos de livros, escritos, filmes, pinturas, músicas, canções, fotografias, autores, um motor de busca. Em off, continua a ouvir-se Godard. A última afirmação é “e mesmo que nada tivesse sido cumprido como nós havíamos esperado isso em nada alteraria as nossas esperanças” [1].

São muitos os filmes neste filme, o que não é surpreende num cineasta cujo trabalho assenta na citação, na auto-citação, no cinema como matéria do próprio cinema, que de forma radical assume a frase Elian Kazan, “o cinema é a fala do mundo” e a asserção de André Bazin quando afirma que o“ cinema é uma arte impura” .

O que faz JLG na sua mesa de montagem, como cria, organiza a produção de sentido nas suas mais recentes obras? “às imagens satura, pinta, queima, imprime outro ritmo, retoma, sobrepõe, dilata, comprime, interrompe. Sacode, até bruscamente, fazendo saltar os formatos de imagem. Aos sons sacode, a mesma brusquidão nas passagens de uma a outra pista da banda, desregula no volume, vozes ora sussurradas, ora baixas, ora altas, ora para se ouvirem em grande plano, ora para se ouvirem em plano de fundo, ora um ora duas ora uma em duas a fôlegos diferentes. E interrompe, entrecorta com silêncios momentâneos mas recorrentes, fá-las conviver com sons docemente musicais ou estridentes como bombas. [2]

São muitos os filme citados; Jonhy Guitar, Le Petit Soldat, Young Mr. Lincoln, Le Mépris,Eisenstein, Ophuls, outros, vários, todos convocados retrabalhados, misturados com outros textos em outras sequencias produzindo novos sentidos novas reflexões.

O filme estrutura-se em cinco partes, como cinco são os dedos da mão, e como a mão pode e é, afirma-o Godard, o único território da liberdade e morte do homem. Importa referir que a Guerra, o sangue, a luta, a violência percorre todo este “Livre D´Image”, a guerra está aí, é dito várias vezes, não vão os espíritos mais adormecidos acordarem em sobressalto e sem aviso prévio.

A parte 1, chama-lhe “Remakes”, e em variações Rima(s)kes. A parte 2, “As Noites de São Petersburgo”, título do romance de 1821 de Joseph de Maistre. A parte 3, tem como titulação “Estas flores em carris ao vento confuso das imagens” do livro da Pobreza e da Morte de Rilke. A quarta – “O Espírito das Leis”. Tratado político de Montesquieu em 1748 (a capa da edição francesa surge num dos planos). E a quinta , chama-lhe “Região Central” centrado não sobre a região desértica do Canadá como no filme de Michael Snow, mas centrado na Arábia, petróleo e dominação, a parelha com que se tem constituído o mundo no séc. XX e ainda , em grande parte, no séc. XXI.

https://www.youtube.com/watch?time_continue=22&v=t2QU_P5ubjw

[1] Folha de sala da Cinemateca / texto assinado por Maria João Madeira

[2] Folha de sala da Cinemateca / texto assinado por Maria João Madeira

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