Um dia o lobo virá… (Texto a propósito do tufão Hato, do Dr. Fong Soi Kun e da sanção sobre ele decidida)

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[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]omo subdirector e director dos Serviços Meteorológicos e Geofísicos de Macau (SMG), no período 1996-1998, ainda com Macau sob administração portuguesa, tive a oportunidade de conhecer o Dr. Fong Soi Kun, que nessa altura desempenhava as funções de diretor adjunto dos SMG.

Mais tarde, de Fevereiro de 2007 a Abril de 2015, durante as minhas funções como Secretário do ESCAP/WMO Typhoon Committee, Fong foi designado o elo de ligação entre o Secretariado do Comité e o governo da RAEM. Tive então a oportunidade de testemunhar a contribuição que Fong teve para o prestígio de Macau na área da Meteorologia junto dos países membros do Comité, tendo sido durante 2007 presidente desta organização intergovernamental. Devido a este prestígio, Macau foi local de importantes eventos internacionais nas áreas da Meteorologia, Hidrologia e Redução de Riscos de Desastres, as três componentes do Comité.

Também se deveu a Fong Soi Kun, coadjuvado pelo então subdirector, António Viseu, a transferência do Secretariado do Comité de Manila para Macau, na sequência de decisão tomada por escrutínio secreto entre os membros desta organização intergovernamental, tendo Macau sido seleccionado pelas condições vantajosas oferecidas pelo Governo da RAEM, com o apoio da China.

No que se refere às acusações de que Fong é alvo devido às consequências do tufão Hato, é de frisar que as previsões meteorológicas, embora baseadas nas ciências Física e Matemática, estão sempre imbuídas de um certo grau de incerteza, o que motiva decisões que posteriormente poderão ser consideradas erradas. A incerteza é tanto maior quanto mais um determinado fenómeno se comporta de maneira anormal. O não levantamento mais cedo dos sinais 8, 9 e 10, no caso do tufão Hato, poderá ser justificados por essa incerteza.

Entre as várias acções em que Fong Soi Kun colaborou como Diretor dos SMG, destaco um evento promovido em 8 de Junho de 2010 pelo Dr. Jorge Morbey, professor da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau, que consistiu num painel sobre “Riscos e Proteção contra Catástrofes Naturais em Macau: o tufão de 22/23 de Setembro de 1874”, que decorreu em Macau no Clube C & C, nos escritórios do Dr. Rui Cunha.

Os organizadores convidaram todas as entidades de Macau relacionadas com questões respeitantes a desastres naturais: Capitania dos Portos; Comité de Tufões; Corpo de Bombeiros; Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro; Direcção dos Serviços Meteorológicos e Geofísicos; Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes; Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental, Gabinete para o Desenvolvimento de Infraestruturas; Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais; Laboratório de Engenharia Civil de Macau; Protecção Civil.

Destas entidades, apenas três estiveram disponíveis para participar na discussão: os SMG (representados por Fong e a meteorologista Chrystal Chang), o Comité dos Tufões (representado por mim) e o Laboratório de Engenharia Civil de Macau (representado pelo saudoso Eng. Henrique Novais Ferreira e Eng. Tiago Pereira). Uma palestra muito bem concebida sobre o tufão de Setembro de 1874, que recriava a sua formação, aproximação e consequências, foi apresentada pelos SMG. Durante a discussão foram lançadas dúvidas se a RAEM estaria preparada para enfrentar as consequências de um tufão semelhante. A resposta foi dada em 2017 com a passagem do tufão Hato, de menor intensidade.

Alguns dirigentes que foram convidados e não compareceram a esse evento ocupam, actualmente, altos cargos na administração da RAEM.

Apesar de não ser raro, os responsáveis dos Serviços Meteorológicos serem chamados pelos respectivos governos ou assembleias legislativas a aprestarem esclarecimentos sobre previsões relacionadas com eventos meteorológicos gravosos, numa tentativa de dar resposta às pressões pública e mediática, foi com grande surpresa que tomei conhecimento da pesada sanção decidida pelo governo de Macau em relação ao ex-diretor dos SMG, baseada em relatórios elaborados a quente por elementos alheios à meteorologia.

É estranho não ter sido tomado em consideração o relatório de uma equipa de especialistas que incluía meteorologistas, nomeada por entidades governamentais da China (Comissão para a Redução de Desastres, Ministério para os Assuntos Civis e o Gabinete para Assuntos de Hong Kong e Macau), no qual está expresso que o tufão Hato constituiu um fenómeno com evolução difícil de prever, tendo sido caracterizado por extrema anormalidade. A expressão “extrema anormalidade”, usada nesse relatório, reflecte bem a dificuldade da sua previsão. Não se pode prever eficientemente algo de anormal.

Do conhecimento que tenho do Dr. Fong, trata-se de uma pessoa muito discreta mas muito racional, que desempenhou as suas funções com competência e representou condignamente a RAEM em diversos eventos de Meteorologia e de Geofísica, contribuindo para o prestígio de Macau nestas áreas. Teve um grande azar: no fim da sua carreira foi alvo de graves acusações devido a um fenómeno que se comportou de maneira anormal, na medida em que, contrariamente ao que é estatisticamente comprovado, o Hato intensificou ao aproximar-se de terra. Também o mínimo da pressão atmosférica coincidiu com a maré alta, o que implicou a subida do nível do mar junto à costa.

A pesada sanção, que mais parece um assassinato de carácter, constitui uma atitude muito grave de quem decidiu, na medida em cria um clima de medo sobre os que futuramente vão decidir sobre içar ou não um determinado sinal de tufão ou de storm surge. No futuro, em situações de dúvida, é altamente provável que sejam emitidos avisos com maior frequência, o que vai implicar situações de “aí vem o lobo…” tantas vezes repetidas que criarão no público o descrédito na informação meteorológica. O pior é que, um dia, o lobo certamente virá…[/vc_column_text][vc_cta h2=”Post Scriptum” h2_font_container=”font_size:28px|color:%23e83535″ h2_google_fonts=”font_family:Oswald%3A300%2Cregular%2C700|font_style:300%20light%20regular%3A300%3Anormal” shape=”square” style=”flat” use_custom_fonts_h2=”true”]

Depois de ter escrito o texto acima, tomei conhecimento de um artigo científico de especialistas do Tokyo Institute of Technology (Hiroshi Takagi, Yi Xiong e Fumitaka Furukawa) intitulado “Track analysis and storm surge investigation of 2017 Typhoon Hato: were the warning signals issued in Macau and Hong Kong timed appropriately?” em que se menciona “A nossa análise do padrão da tempestade sugere que as decisões das duas regiões relativas à emissão de sinais podem ser consideradas razoáveis ou, pelo menos, não podem ser simplesmente responsabilizadas, dada o rápido movimento e intensificação do Hato e os riscos económicos associados em jogo.” (Our analysis of the storm’s pattern suggests that both regions’ decisions regarding signal issuance could be considered reasonable or at least cannot be simply blamed, given the rapid motion and intensification of Hato and the associated economic risks at stake).

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11 Mai 2018 00:29

Ninguém tem coragem em apontar que abriram as comportas?
Desde quando pode ter essa inundação.
Revêm as estatísticas da maré para casos semelhantes.